14.12.11

Fialho de Almeida (Ao sol)






Um grande sol, claro e candente, alaga a praça em júbilos africanos, e a sua catarata de fogo dá uma vibratilidade dolorosa às coisas que nos circundam uma vida alucinada a cada simples função da nossa vida.

Sob uma tal incandescência, que diríeis uma tripla essência de tortura, veiculada em fulgurantes zoeiras de arco-íris, adeus tranquilas sensações, ideias serenas, exactidões religiosas de sentidos, índoles mansas e amoráveis, almas translúcidas e benignos ideais de felicidade!

Cada raio deste sol é uma pata de demónio agitando nos crânios todas as sortes de impulsões desencontradas, todas as monomanias mefistofélicas e bizarras.

Razão por que saem daqui tantos artistas, tantos relassos, tantos pulhas e tantos doidos.

Na vivacidade macabra destes gestos pressente-se já a Andaluzia um poucochinho, terra de amores e assassínios, em que é tão grato à consciência engolir uma hóstia, como seduzir uma mulher, como furar uma barriga.

Pupilas vivas, inquietadoras, traiçoeiras, erráticas, cruzando os seus fogos de arte, numa incandescência de paixões vulcanizadas.

E nas cabeças ambições, e nas prosápias soberba, que as inconstâncias do carácter, felizmente, proíbem de atingir conclusões definitivas.




- FIALHO DE ALMEIDA, O País das Uvas (Ao sol > Os velhos).


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