31.5.11

Armando Silva Carvalho (Louvor e imitação de Herberto Helder)






LOUVOR E IMITAÇÃO DE HERBERTO HELDER
 




Os poemas quebrados, a fulgurante loucura
dos cometas, os mártires que revolvem
a terra como antigamente
vigiam os velhos templos onde ardia o azeite
dos sábios, o uivo pleno da noite
aquecida pelos séculos.
O mar está branco, amor – diz a criatura
à outra criatura – volvendo os olhos para os cimos de ouro
do passado impassível.
É este o fogo que me traz o vento, a química
da voz que os dentes enobrecem.
Nas trevas não há mundo, um sol negro e redondo
era um templo do cérebro ao encontro da língua
como as mãos do vinagre e a boca no cálcio.
Quanto mais seco se. Através da próstata.
Das guardas imperfeitas que me surgem nas veias.
Mais sumo, mais ardor na pupila deserta.
E as vozes do enxofre explodiam na terra.
Não há exemplos novos, nem modelos inócuos.
O brilho incandescente do milagre atravessa-me
a espinha, é uma planta carnívora que me sobe
dos pés. As virilhas sulfuram quando o sangue
as arrasta pela memória aberta.
Ó armas e bagagens! Cordeiros tão nervosos
que não comem sopa. Sapatos tão ordeiros
que não bebem vinho.
Mamilos como um fruto que se tece na seda.
Peixes na bexiga, mar novo entrando às cegas
nos buracos dos nervos.
Caem ovos podres nos charcos da desgraça
e as palavras despenham-se ao sabor das imagens.

            (...)

 
Armando Silva Carvalho


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