27.7.22

Artur Cruzeiro Seixas (Quando eu morrer)




Quando eu morrer
ponham-me à janela como uma prostituta
a escrever poemas sobre poemas
até atingir a altura do Empire State Building.
E quero ainda construir labirintos de vidro
sobre estratégicos cavaletes de pintura.
Sob as carpetes das embaixadas
procurarei a sepultura de Gilgamesh
e então serei tão bom filho
como bom pai.
Comprarei o carro vermelho
em que todos me viram passar não passando
para o ir ver despir-se como um marinheiro
depois de percorridos
quilómetros e quilómetros de nuvens de algodão.

Escreverei a todos
ausentes e presentes
e reunirei no meu lar as mais repelentes moscas
com que passaremos agradáveis noites de candidatura
a consultar os mapas
beberricando whiskies.
Então conseguirei tempo para invejar este e aquele
e tomarei artísticas poses de bronze para dormir.
Das fomes e dos heroísmos contarei histórias de arrepiar
dando volta à arena enlouquecido
com dez farpas no cachaço,
aplaudido pelo povo.

Evidentemente que aos familiares e amigos
competirá dar ordem alfabética a este projecto festivo
que para provar a minha genialidade
um Gulbenkian qualquer
pode muito logicamente subsidiar.

 

Artur do Cruzeiro Seixas

 .