ODE RIMBAUD
eu sou absolutamente moderna, Rimbaud.
sei que nunca pensaste que uma rapariga de
Portugal
se tornasse absolutamente moderna.
o caso é que nunca deitei o amor pela janela
mas a janela deitou-se pelo amor dentro.
não toco piano, não falo francês, nem faço
fru-fru.
sou absolutamente moderna, Rimbaud.
tenho telemóvel, tenho blog, tenho carro
e até uma paixão que já não é platónica
agora para se ser absolutamente moderno
diz-se virtual, Rimbaud.
perdoa-me
dou-te a minha perna
um prato com bolinhos de canela
para te lembrares do tempo dela.
perdoa-me o sarcasmo, Rimbaud
o fatalismo azedo de rapariga absolutamente
moderna
constructo humano, já não ser.
perdoa as minhas pernas a engordar de noite
para noite
o fumo da chaminé comum do prédio
a minha imensa falta de árvores
a minha necessidade que devora um poema para
o deitar fora.
perdoa-me não ter entendido uma única coisa
que disseste
mesmo na tradução do Cesariny que é livre e
bela
como uma rosa francesa desgrenhada em solo
português.
perdoa-me escrever telegraficamente
ter deixado de respirar para todo o sempre
e continuar a pintar os lábios de vermelho
como se isso fosse possível num deserto sem
beijos.
perdoa-me não ter conseguido manter a tua
palavra
perdoa-me ter falhado e ser erro.
p.s. - se quiseres regressar a terra
como o Cristo da literatura do não
tomas café comigo?
Ana Salomé
[Insónia]