31.10.13
Vanesa Pérez-Sauquillo (Diz-me)
dime,
si me frotabas
hasta romperme en hebras,
por qué nunca pasaste los dedos
a través.
Por qué no me agarraste?
Vanesa Pérez-Sauquillo
[Emma Gunst]
diz-me,
se me esfregavas
até rasgar-me em fios,
porque ė que nunca passaste os dedos
ao través?
Porque não me prendeste?
(Trad. A.M.)
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30.10.13
Ruben A. (O Dr. Mirinho)
Custaram ao licenciado muitas horas de insónia os primeiros dias passados no Jardim dos Buxos.
Sempre de colarinhos duros, a tratar todos da família por Vossas Excelências e a consumir papel selado em ofícios à sua repartição ministerial.
Andava com um ar tão confidencial que a prima D. Mafalda um dia perguntou se lhe tinha morrido alguém – ao que ele solícita e prontamente respondeu:
“Estudo um novo método recuperador de exportação aérea do vinho do Porto”.
D. Mafalda caiu das nuvens.
Não soube que responder.
Deixou D. Ramiro entregue às suas congeminações.
Outra vez, quando D. Raymundo descansava sob umas ramadas, apareceu-lhe o empreendedor Mirinho, que logo lhe perguntou se a Barbela estava organizada em divisórias agrárias e se acaso as parturientes recebiam seguro social.
D. Raymundo ficou vermelho e respondeu a priori, dizendo que havia um statu quo, que permitia um habeas corpus a quem claudicasse sui generis.
No entanto tinha-se estabelecido um modus vivendi a que ele ipso facto, dava sine die ad urbi a sua concordância.
- “Sim, o primo percebe, tudo isto no lato sensu”.
O Dr. Mirinho, que em latim era um zero, depois da reforma que proibira o acesso a tais línguas mortas, ficara maravilhado com as palavras de D. Raymundo.
Como era possível que um morto, e já há tantos séculos, mantivesse tão lúcida frescura da realidade rústica!
- RUBEN A., A Torre da Barbela, 1964, II.
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Eva Vaz (Poesia para segunda)
POESÍA PARA UN LUNES
Vuelve el lunes tras el hiato;
vuelve con los ojos llenos de sueño
y con menos sueños posibles,
vuelve funcionarial, rutinario,
como la tormenta tras el rayo,
como un matrimonio.
¿Dónde están las buenas noticias?
El lunes huele a detergente,
a vacío,
a comida congelada.
Los lunes nunca hacemos el amor.
Lunes, tediosa palabra de orden
depurativo y famélico.
No hay poesía los lunes. Ni pescado fresco.
Es lunes, pero te quiero
y eso me salva el mundo.
Eva Vaz
Volta segunda-feira, depois do hiato,
volta com olhos cheios de sono
e menos sonhos possíveis,
volta funcionarial, rotineiro,
como a tempestade após o raio,
como um casal.
Onde estão as boas notícias?
A segunda cheira a detergente,
a vazio,
a comida congelada.
À segunda nunca fazemos amor.
Segunda-feira, chata palavra
de cariz depurativo e famélico.
Não há poesia à segunda. Nem peixe fresco.
É segunda, mas amo-te
e só isso já me salva o mundo.
(Trad. A.M.)
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29.10.13
João Cabral de Melo Neto (Retrato de poeta)
RETRATO DE POETA
O poeta de que contou Burgess,
que só escrevia na latrina,
quando sua obra lhe saía
por debaixo como por cima,
volta sempre à lembrança
quando em frente à poesia
meditabunda que
se quer filosofia,
mas que sem a coragem e o rigor
de ser uma ou outra, joga e hesita,
ou não hesita e apenas joga
com o fácil, como vigarista.
Pois tal meditabúndia
certo há de ser escrita
a partir de latrinas
e diarréias propícias.
João Cabral de Melo Neto
[Luz & sombra]
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28.10.13
Roque Dalton (Hora da cinza)
HORA DE LA CENIZA
Finaliza septiembre. Es hora de decirte
lo difícil que ha sido no morir.
Por ejemplo, esta tarde
tengo en las manos grises
libros hermosos que no entiendo,
no podría cantar aunque ha cesado ya la lluvia
y me cae sin motivo el recuerdo
del primer perro a quien amé cuando niño.
Desde ayer que te fuiste
hay humedad y frío hasta en la música.
Cuando yo muera,
sólo recordarán mi júbilo matutino y palpable,
mi bandera sin derecho a cansarse,
la concreta verdad que repartí desde el fuego,
el puño que hice unánime
con el clamor de piedra que exigió la esperanza.
Hace frío sin ti. Cuando yo muera,
cuando yo muera
dirán con buenas intenciones
que no supe llorar.
Ahora llueve de nuevo.
Nunca ha sido tan tarde a las siete menos cuarto
como hoy.
Siento deseos de reír
o de matarme.
Roque Dalton
Está a acabar Setembro, altura de dizer-te
quão difícil tem sido não morrer.
Esta tarde, por exemplo,
tenho nas mãos cinzentas
livros belos que não entendo,
não consigo cantar apesar de a chuva ter parado
e vem-me sem razão à lembrança
o primeiro cachorro que amei em criança.
Desde ontem, que te foste,
até na música há frio e humidade.
Quando eu morrer,
só me lembrarão a alegria matinal,
a bandeira sem direito a cansaço,
a concreta verdade partilhada à fogueira,
o punho unânime com o clamor da esperança.
Faz frio sem ti. Quando eu morrer,
quando eu morrer
dirão com boa intenção
que eu não soube chorar.
Chove de novo agora.
Nunca foi tão tarde como hoje
às sete menos um quarto
Apetece-me rir
ou então matar-me.
(Trad. A.M.)
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27.10.13
Rui Zink (Comunidade Europeia)
Isto passou-se há mais de vinte anos, estava eu na minha fase de jornalismo nómada.
Portugal estava em vias de - "em vias de", é assim que se diz, não é? - entrar para a Comunidade Europeia, então apenas comunidade económica, mas já a ameaçar querer mais, já a arreganhar os dentes para no-los afiar no corpo, no espírito, na espinha dorsal.
Não me estou a queixar, só a descrever.
Cantigas de intervenção é no gabinete ao fundo à esquerda.
- RUI ZINK, A espera, 2007.
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Blas de Otero (Ar livre)
AIRE LIBRE
Si algo me gusta, es vivir.
Ver mi cuerpo en la calle,
hablar contigo como un camarada,
mirar escaparates
y, sobre todo, sonreír de lejos
a los árboles...
También me gustan los camiones grises
y muchísimo más los elefantes.
Besar tus pechos,
echarme en tu regazo y despeinarte,
tragar agua de mar como cerveza
amarga, espumeante.
Todo lo que sea salir
de casa, estornudar de tarde en tarde,
escupir contra el cielo de los tundras
y las medallas de los similares,
salir
de esta espaciosa y triste cárcel,
aligerar los ríos y los soles,
salir, salir al aire libre, al aire.
Blas de Otero
Se algo aprecio, é viver.
Ver meu corpo na rua,
falar contigo à camarada,
ver montras
e, sobretudo, sorrir de longe
para as árvores...
Também gosto dos camiões cinzentos
e muito mais ainda dos elefantes.
Beijar-te no peito,
deitar-me em teu regaço, despentear-te,
beber água do mar, como cerveja
amarga, com espuma.
Tudo que seja sair
de casa, espirrar de tarde em tarde,
cuspir contra o céu
e as medalhas dos semelhantes,
sair
desta espaçosa e triste prisão,
aligeirar os rios e sóis,
sair, sair para o ar livre, para o ar.
(Trad. A.M.)
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26.10.13
Mário-Henrique Leiria (Talvez num dia)
Talvez num dia
em que de mim já nada exista
te lembres de dois braços
que te abraçavam convulsivamente
nessa altura
deixa que os lábios te sangrem
deixa que o sangue te corra pelo peito
e as mãos
essas
abandona-as...
Mário-Henrique Leiria
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25.10.13
Alfonso Costafreda (Num só desejo)
EN UN SOLO DESEO
Los años que se perdieron están aquí, ahora.
Los sueños que he vivido crecen entre mis manos.
Siento cómo han pasado tantos días y seres,
tantas cosas a mi lado sin que las viera.
Pero de pronto todo regresa y se reúne en la memoria,
y tantas vidas
en un solo deseo hoy he encontrado.
Alfonso Costafreda
Os anos perdidos estão aqui, agora.
Os sonhos vividos crescem-me nas mãos.
Sinto como passaram tantos dias e seres,
tantas coisas ao lado sem que eu as visse.
De repente tudo regressa e junta-se na memória
e num só desejo
tantas vidas se encontram.
(Trad. A.M.)
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24.10.13
Nuno Camarneiro (Homens perdidos)
Aos homens muito perdidos só lhes restam caminhos que levem a uma mulher.
A noite sem mulheres não tem fim, nem o medo ou a morte têm fim longe delas.
Filhos delas toda a vida, mesmo que fingindo, mesmo a fugir.
Para os homens muito perdidos só as mulheres são lugar.
- NUNO CAMARNEIRO, Debaixo de algum céu, 2012 (Narrador).
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Julio Cortázar (A lenta máquina do desamor)
La lenta máquina del desamor,
los engranajes del reflujo,
los cuerpos que abandonan las almohadas,
las sábanas, los besos,
y de pie ante el espejo interrogándose
cada uno a sí mismo,
ya no mirándose entre ellos,
ya no desnudos para el otro,
ya no te amo,
mi amor.
Julio Cortázar
A lenta máquina do desamor,
os mecanismos do refluxo,
os corpos que deixam as almofadas,
os lençóis, os beijos,
e de pé frente ao espelho interrogando-se
cada um a si mesmo,
já não olhando-se entre eles,
já não despidos um para o outro,
já não te amo,
meu amor.
(Trad. A.M.)
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22.10.13
Antonio Orihuela (Estremadura)
EXTREMADURA
Todos los negocios del mundo
se reducen a uno solo, Antonio,
robar a los pobres.
Por muchos nombres que le pongan,
por muy bonito que lo vistan,
este es el único negocio que hay en el mundo.
Yo pongo la tierra, las semillas, el agua, el trabajo,
y los beneficios se los llevan los intermediarios.
A mí me están pagando el kilo de tomates
a 20 céntimos,
pero si tú vas a comprarlos a la tienda
te lo cobran a dos euros.
¿Esto como es posible?,
pues porque en el mundo hay listos y tontos,
y a nosotros nos tocó estar entre los tontos.
Los tontos son los que trabajan desde niños,
los que tratan de vivir
haciendo el menor daño posible,
los que cumplen con las leyes, con el fisco;
los tontos son los que se resignan,
los que se conforman,
los que agachan la cabeza,
los que no quieren problemas;
los tontos son los que mueren por una patria
que te compra los tomates a veinte céntimos.
Cada cinco minutos nace un tonto.
Extremadura es uno de los sitios
donde más tontos nacen de toda España,
no lo digo yo, lo dicen las estadísticas.
Pero yo me pregunto,
y un tío que es multimillonario,
que tiene millones y millones,
¿para qué quiere más,
qué necesidad tiene de seguir robando?
¿Es que a la hora de acostarse,
se puede meter en más de una cama?
Antonio Orihuela
Todos os negócios do mundo,
António, a um se reduzem,
roubar os pobres.
Por muitos nomes que lhe dêem,
por muito belo que o vistam,
tal é o negócio único que existe no mundo.
Eu dou a terra, a semente, a água, o trabalho,
e os lucros são para o intermediário.
A mim pagam-me 20 cêntimos pelo quilo de tomate,
mas se vais comprar à loja cobram-te dois euros.
Como é que isto é possível?
Pois, porque no mundo há espertos e tolos,
e a nós tocou-nos ficar entre os tolos.
Tolos são os que trabalham desde crianças,
os que cuidam de viver
com o menor dano possível,
os que cumprem com as leis e com o fisco;
os tolos são os que se resignam,
os que se conformam,
os que baixam a cabeça,
os que não querem problemas;
os tolos são os que morrem por uma pátria
que te compra o tomate a vinte cêntimos.
Em cada cinco minutos nasce um tolo.
A Estremadura é um dos sítios
onde mais tolos nascem de toda a Espanha,
não sou eu que o digo,
é a estatística.
Mas eu interrogo-me,
e um tipo que é milionário,
que tem milhões e milhões,
para que é que quer mais,
que precisão tem de continuar a roubar?
Será que na hora de deitar,
pode meter-se em mais de uma cama?
(Trad. A.M.)
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21.10.13
Ruben A. (Os Barbelas-II)
Apareciam também alquebrados pela incómoda posição, com chumbo e cal, os franzinos e delicados da família.
Mais escurecia a tarde, mais as suas formas brotavam evidentes.
Outros vinham de longe, dos túmulos de pedra nos fundos das margens do rio e mostravam-se na companhia de lodosas fadas.
E uma caterva de problemas, de questões, de batalhas ou passeios pelo Oriente, de piqueniques do século XVIII emprestavam ao ambiente cambiantes bem expressivos.
O caseiro dormia e os proprietários da Torre desconheciam o melhor para estrumar aquela terra de nateiros, onde o milho sempre pagava e o vinho ainda valia qualquer coisa, mesmo o de cepa americana, indevidamente importado para cruzar com a uva de bago sacristão, especialidade da beira Lima.
- RUBEN A., A Torre da Barbela, 1964, I.
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Eduardo Milán (Vi poemas salvar vidas)
He visto poemas salvar vidas
sin que lo supieran
ni los poemas
ni las vidas.
No digo prolongar vidas:
salvarlas,
sacarlas de allí de la tiniebla inminente.
Los he visto hacer lo que no sabían que sabían
o al menos eso creo: que no sabían que sabían
salvar vidas.
Y vi esas vidas sin saber que se salvaban.
Y las he visto sin que me vieran.
EDUARDO MILÁN
Ostras de coraje
(2003)
Vi poemas salvar vidas
sem o saberem
nem os poemas
nem as vidas.
Não digo prolongar vidas:
salvá-las,
arrancá-las do meio da treva iminente.
Vi-os fazer o que não sabiam que sabiam
ou assim creio, que não sabiam que sabiam
salvar vidas.
E vi essas vidas sem saber que se salvavam.
E vi-as, essas vidas, sem elas me verem.
(Trad. A.M.)
>> A media voz (20p) / Poemas del alma (13p) / Wikipedia / Punto de partida (6p) / Antonio Miranda (4p)
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20.10.13
Nuno Júdice (Podia ser aí)
Podia ser aí. Contigo. Com o teu corpo
ainda nu, ou vestido da luz que entra pelas
persianas velhas, trazendo a tremura
das folhas na trepadeira do quintal.
Podia ser de manhã, ou de madrugada,
sabendo que teria de te abraçar para que não
desses pelo frio, com o quarto ainda
húmido da noite, num fim de outono.
Podia não ter sido nunca, se não fossem
assim as coisas: a tua mão ao encontro da
minha, no tampo da mesa, como se fosse
aí que tudo se jogasse, entre duas mãos.
Nuno Júdice
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19.10.13
Ángel González (Elegia pura)
ELEGÍA PURA
Aquí no pasa nada,
salvo el tiempo:
irrepetible
música que resuena,
ya extinguida,
en un corazón hueco, abandonado,
que alguien toma un momento,
escucha
y tira.
Ángel González
Aqui não acontece nada,
salvo o tempo,
irrepetível
música que ressoa,
extinta já,
num coração oco, abandonado,
que alguém toma um momento,
escuta
e arremessa.
(Trad. A.M.)
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18.10.13
Ana Pérez Cañamares (Os pratos que me deu minha mãe)
Los platos que me regaló mi madre
están ya deslucidos y pasados de moda.
Cuando hacemos limpieza
nos miran como enfermos agonizantes
que no entienden qué queremos de ellos.
Pero son los platos que me regaló mi madre
que ya nunca volverá a regalarme
nada.
Si un día nos decidiéramos a tirarlos
intentaré escuchar su voz en mi cabeza:
“Las cosas, hija, son sólo cosas”.
Mi madre no está en un plato.
Mi madre está en el pan que como.
Ana Pérez Cañamares
Os pratos que me deu minha mãe
estão já sem brilho e fora de moda.
Quando os limpamos
olham para nós como doentes em agonia,
sem entender o que queremos nós deles.
Mas são os pratos que me deu a minha mãe,
que nunca mais me dará coisa nenhuma.
Se um dia nos decidirmos a tirá-los,
decerto ouvirei a sua voz na minha cabeça:
"As coisas, filha, são apenas coisas".
Minha mãe não está num prato.
Minha mãe está no pão que eu como.
(Trad. A.M.)
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17.10.13
Murilo Mendes (O farrista)
O FARRISTA
Quando o almirante Cabral
Pôs as patas no Brasil
O anjo da guarda dos índios
Estava passeando em Paris.
Quando ele voltou de viagem
O holandês já está aqui.
O anjo respira alegre:
"Não faz mal, isto é boa gente,
Vou arejar outra vez."
O anjo transpôs a barra,
Diz adeus a Pernambuco,
Faz barulho, vuco-vuco,
Tal e qual o zepelim
Mas deu um vento no anjo,
Ele perdeu a memória...
E não voltou nunca mais.
Murilo Mendes
.
16.10.13
Vanesa Pérez-Sauquillo (Esta manhã soube)
Esta mañana supe
mi extraña rendición a tus palabras,
mi irrevocable voluntad de náufrago
de sílabas,
de filóloga ahorcada en complementos
directos o indirectos
pero tuyos.
Esta mañana supe
que me visto en tus verbos,
desayuno tu nombre
y me quedo perdida, como tonta,
si me encuentro algún “no”
camino de la tarde,
camino de la noche.
Esta mañana supe
que muy frecuentemente
me vuelvo monosílabo
de sombra
agarrado al tobillo de tus frases,
que muy frecuentemente
quisiera ser prendida en tu nevera
como “nota importante”.
Esta mañana comprendí, aturdida.
Esta mañana supe, por fin vi
que me confundo en viento
cuando gritas mi nombre
y que basta un susurro,
un susurro de nada,
para dormirme en ti.
Vanesa Pérez-Sauquillo
Esta manhã soube
minha estranha rendição a tuas palavras,
irrevogável vontade de náufrago de sílabas,
de filóloga enforcada em complementos
directos ou indirectos
mas teus.
Esta manhã soube
que me visto com teus verbos,
almoço teu nome
e fico-me perdida, como tonta,
encontrando algum ‘não’
a caminho da tarde,
a caminho da noite.
Esta manhã soube
que bastas vezes
me torno monossílabo
de sombra
agarrado ao tornozelo das tuas frases,
que bastas vezes
gostava que me colasses no teu frigo
como “nota importante”.
Esta manhã compreendi, aturdida.
Esta manhã soube, por fim vi
que me confundo em vento
quando gritas meu nome
e que basta um sussurro,
um sussurro de nada,
para eu me dormir em ti.
(Trad. A.M.)
>> Vanesa P.S. (sítio) / Vanesa P.S. (blogue) / Culturamas (9p)
.
15.10.13
Corpo presente (41)
(Disse olhos?)
Não basta uns olhos
é preciso um olhar
E mais que olhar
uma chama
tempo e vontade de arder
cem noites mil dias
Longamente
crepitar
.
Meira Delmar (De passagem)
DE PASO (*)
No es el tiempo
el que pasa.
Eres tú
que te alejas
apresuradamente
hacia la sombra,
y vas dejando caer,
como el que se despoja
de sus bienes,
todo aquello que amaste,
las horas
que te hicieron la dicha,
amigos
en quienes hubo un día
refugio a tu tristeza,
sueños
inacabados.
Al final, casi
vacías las manos,
te preguntas
en qué momento
se te fue la vida,
se te sigue yendo,
como un hilo de agua
entre los dedos.
Meira Delmar
[Sureando]
Não é o tempo
que passa.
És tu
que te afastas
rapidamente
a caminho da sombra,
e vais deixando cair,
como quem se despoja dos bens,
tudo aquilo que amaste,
as horas da
tua ventura,
inacabados sonhos,
amigos que um dia te serviram
de refúgio da tristeza.
No fim,
vazias as mãos,
perguntas
em que momento
te fugiu a vida,
continua fugindo,
como um fio de água
por entre os dedos.
(Trad. A.M.)
(*) De paso?
Uno: Pepe Ramos
Dos: Violeta C. Rangel
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14.10.13
Carlos de Oliveira (Sobre o lado esquerdo)
SOBRE O LADO ESQUERDO
De vez em quando a insónia vibra com a
nitidez dos sinos, dos cristais.
E então, das duas uma:
partem-se ou não se partem as cordas tensas
da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme
pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo
e assim, deslocando todo o peso do sangue
sobre a metade mais gasta do meu corpo,
esmagar o coração».
Carlos de Oliveira
[Canal de poesia]
.
13.10.13
Manuel Moya / Violeta (A luz arranha os vidros)
La luz araña los cristales
y cubre de pavas la mesilla.
Suenan muelles, toses, cañerias.
La peña, de un portazo, se embarca
hacia el talego. Afuera el autobús
cierra sus hojas.
Es la vida
que vuelve como un preso a su cadena.
Violeta C. Rangel
[Arquivo de cabeceira]
A luz arranha nos vidros
e cobre a mesinha de piriscas.
Ouvem-se molas, gente a tossir,
canalizações.
A malta embarca, batendo a porta,
a caminho do trabalho. O autocarro,
lá fora, fecha as portas.
É a vida que volta
assim como um preso à cadeia.
(Trad. A.M.)
.
12.10.13
Um verso (124)
Um verso de Sophia:
Há cidades acesas na distância, magnéticas e fundas como luas
Sophia de Mello Breyner Andresen
.
Victor Botas (Aeroporto)
AEROPUERTO
Como el árabe aquel
que el otro día estaba,
anacrónico y alto, haciendo cola
para tomar el vuelo
de Londres, y olvidaba
(es posible) las viejas caravanas
y la antigua
libertad del desierto que, no obstante,
su ropa a mí me trajo
a la memoria,
así nosotros
de una manera u otra
nos iremos marchando por la puerta grande
(o quizá pequeñita)
de la muerte.
(Ya sé,
ya sé que me repito; no lo hago
más que para ir acostumbrándome).
Víctor Botas
Como aquele árabe
que estava outro dia,
anacrónico e alto, na fila
para apanhar o avião
para Londres, esquecendo
(possivelmente) as velhas caravanas
e a antiga
liberdade do deserto que, não obstante,
a sua roupa me trouxe
a mim à memória,
assim nós
de um modo ou outro
ir-nos-emos andando pela porta grande
(ou pequenina talvez)
da morte.
(Bem sei,
bem sei que me repito; faço-o apenas
para me ir habituando).
(Trad. A.M.)
.
11.10.13
Miguel Martins (Sou eu)
SOU EU
São as minhas mãos que tremem até não poder segurar os talheres
sou eu sentado na cama, transido de medo de acordar para viver
sou eu a vomitar de medo como desde os tempos da escola primária
sou eu a driblar o futuro, acabando por sair pela linha lateral
sou eu agora em espasmos, assemelhando-me a um campo de minas
sou eu agarrando-me aos poucos que me disseram alguma coisa
eu tentando não cair, não sabendo como vim parar a esta copa
sou eu com a morte nos olhos que trago dentro dos meus olhos
eu, fidelíssimo traidor, não entendendo porque me achei só
eu a fugir de encontrar-me e sempre na exaustão de me encontrar
eu em cada vivo, em cada morto, em cada esquina da cidade
sou eu não conseguindo adormecer e, adormecendo, não dormindo
sou eu sem saber fugir a uma luxúria que jamais me faz feliz
eu a habitar um corpo doloroso, como semáforo amarelo
eu vendo outra coisa em cada coisa e em tudo palavras de papel
eu carregando o peso do passado sobre um futuro inexorável
eu mais mortal que os mortais e defrontando a imortalidade
sou eu com a cara e a alma à venda nos escaparates insensíveis
eu pedindo esmola a quem despreza o que lhe posso dar
sou eu rindo-me de mim para evitar chorar por tudo o mais
sou eu irremediavelmente sozinho para toda a eternidade
sou eu sem música de fundo, vendo-me num espelho desbotado
sou eu a fumar como se me defumasse para me poder comer
sou eu silenciando um grito por minuto e escrevendo no mel
eu vestindo toda esta nudez, só para só amar a verdade do amor
e se isto é difícil de entender, dizendo-te outra coisa não seria eu.
Miguel Martins
[Abro páginas]
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10.10.13
Valeria Pariso (Nas mãos a brasa)
Nas mãos a brasa/
as mãos tão confiadas/tão
desprevenidas/tão agarrando
a brasita como se fora chuva/
tão sem ideia/tão desertas/
quatro mãos tremendo
e uma brasa a crepitar/
a mesma brasa para dois
o mesmo amor
o mesmo.
Valeria Pariso
(Trad. A.M.)
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9.10.13
Nuno Camarneiro (A vida dos homens)
A vida dos homens estica e encolhe, enche-se de rugas, pregas no espaço e no tempo, no que pensamos ou sentimos.
Quando uma parte das vidas se encontra com outra, dizemos que lembramos, ou sonhamos, ou revivemos.
Quando se encontra com a vida de outra pessoa, chamamos-lhe coincidência ou sorte.
- NUNO CAMARNEIRO, Debaixo de algum céu, 2012 (Narrador)
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Ernesto Pérez Vallejo (Curso teórico)
CURSO TEÓRICO PARA MOJARSE EN LOS CHARCOS
Que es miércoles si, lo sé.
Pero podría llamarse de cualquier otro modo,
porque un día sin ti
es un día cualquiera,
ni nombre merece.
Incluso creo que debería haber una fosa común
para los días que no te encuentro,
apilarlos allí al azar.
Ni orden alfabético, ni afectivo,
ni orden cronológico siquiera,
los viernes con los martes,
los jueves con los sábados,
los lunes... (Bueno los lunes es otra historia)
Todos juntos,
que se maten de muerte unos con otros.
Que el calendario sin ti sea una esquela interminable.
- Hola, venía por el trabajo ese de...
Siempre pongo tu nombre en mi currículum,
porque lo mejor que hice, lo hice contigo.
Incluso cuando me deshice como azúcar en el café,
lo hice bien.
Pero ni por esas.
Ni traductor de silencios,
ni récord en asfixia,
ni aquello de hacer de la lengua un punzón
y del amor un collage
de sonrisas sin dueño.
Hay más amor en la cola del inem
que en mi memoria.
Miércoles, el otoño te queda grande,
estás tan horrible como un invierno sin lluvia.
Te estoy echando el humo a la cara,
a ver si te ausentas,
te cambias de asiento,
de mes,
de año.
Me duele la boca de mirarte sin los ojos,
de pensarte en un abril,
de perderte en un bolsillo.
Le sentabas tan bien a ese vestido,
que en cualquier otra piel era una burla.
Era otro antes, de antes del odio,
cuando el color de mis sueños
era el color de tus bragas.
Y si no llevabas, mis humedades
corrían por las aceras buscando el mar.
Porque yo antes de hombre
y de ti,
fui una orilla.
No como ahora que veo el mar y reniego.
Y sospecho que has orgasmado dentro
y cada ola es una lágrima que pierdo
al no llorarte como debo,
así con epitafio y rosas blancas.
Porque no tenerte es como si te hubieras muerto,
por más que te de por respirar por llevarme la contraria.
Como siempre.
Miércoles, en mitad de la nada,
ni siquiera los más enamorados
tienen una cita un día como este.
Existes por si acaso,
como existe la papiroflexia
o los juegos de mímica.
En plan bueno, vamos a joder al prójimo,
me pongo en medio y estorbo.
Eso es.
Mañana ni siquiera me acordaré de ti.
Pasado serás una metáfora insulsa sobre el fracaso.
Y ayer, bueno ayer eras futuro,
gris, como el cielo de Dublín
o el verso libre de un poeta calvo y con acné.
Y de todas las mujeres que había en el universo,
te señalé a ti,
porque tenías los ojos más bonitos del mundo
y porque tenías el mundo más bonito en tus ojos.
Y bailamos, bueno yo solo seguía tus pies,
sin pisarte, al ritmo de tus pestañas,
como se movían las barcas ancladas en mi pecho,
aquellas mañanas que cogía caracolas con los dientes,
para verte sonreír tras la sombrilla,
así más o menos, mirándote el escote y pensando,
que si dios no existía de verdad
de quien coño era obra este milagro.
Te encierro en un círculo rojo jodido miércoles,
como hacen las viudas con los aniversarios,
eres un día de dentistas,
de canciones de Ismael Serrano en la cola del súper,
de fumar mucho, de fumar tanto,
de vivir poco, de sentir nada,
de putas con regla
y princesas sin corona.
De entierros y malabares,
de propinas en céntimos
y de mentiras eternas.
Y luego nos besamos a la salida de aquel bar,
contamos estrellas en un charco,
jugamos a las prendas con los arboles,
le pusimos nombre a un perro abandonado,
discutimos sobre el plural
y algunos verbos,
tuvimos cuatro hijos con tus ojos
sin movernos del banco de aquel parque.
Y bailamos otra vez bajo una nube
mientras el futuro nos miraba de reojo,
con los dedos manchados de orgasmos
y la ropa en el suelo.
Un día precioso aquel sin duda,
miércoles si
pero no un miércoles cualquiera.
Ernesto Pérez Vallejo
[Emma Gunst]
Que é quarta-feira, sim, bem sei.
Mas podia ter outro nome,
porque um dia sem ti
é um dia qualquer,
nem o nome merece.
Acho até que devia haver uma vala comum
para os dias em que te não vejo,
amontoá-los ali ao acaso.
Nem por ordem alfabética, nem afectiva,
nem cronológica sequer,
sextas-feiras com terças,
quintas com sábados,
segundas com...
(bem, as segundas é outra história)
assim, todos a monte,
que se matassem todos uns aos outros.
Que o calendário, sem ti, seja uma sequência interminável.
- Bom dia, é por causa daquele emprego de...
Ponho sempre o teu nome no currículo,
porque o melhor que fiz fi-lo contigo.
Mesmo quando me desfiz como açúcar no café,
fi-lo bem.
Mas nem assim.
Nem tradutor de silêncios,
nem recorde de asfixia,
nem aquela de fazer da língua um prego
e do amor uma colagem
de sorrisos sem dono.
Há mais amor na traseira da ambulância
do que na minha memória toda.
Ó quarta-feira, o Outono fica-te largo,
pareces tão mal como um Inverno sem chuva.
Estou a atirar-te o fumo para a cara,
a ver se te vais embora,
se te mudas de lugar,
de dia,
de ano.
Até me dói a boca de te olhar sem os olhos,
de te pensar em Abril,
de te perder até no fundo de um bolso qualquer.
Ficavas tão bem naquele vestido,
que noutra pele qualquer só mesmo por engano.
Eu era outro antes de ti, antes do ódio,
no tempo em que a cor dos meus sonhos
era a cor das tuas calcinhas.
E se não as trazias, meu Deus, as humidades
corriam-me pelas valetas até ao mar.
Porque eu fui margem,
antes de ti,
antes de ser homem.
Não como agora, que vejo o mar e o renego.
Desconfio mesmo que tiveste orgasmo dentro de água
e cada onda é uma lágrima que perco
por não te chorar como é devido,
assim com epitáfio, mais com rosas brancas.
Porque não te ter é como se tivesses morrido,
por mais que teimes em respirar apenas para me contradizer.
Como sempre.
Quarta-feira, no meio do nada,
nem os mais apaixonados marcam encontro num dia assim.
Existes por puro acaso, tu,
como existe a papiroflexia
ou os jogos de mímica.
Vá lá, vamos chatear o próximo,
eu meto-me ao meio e estorvo.
É isso.
Amanhã nem me lembrarei sequer de ti,
depois disso serás apenas uma metáfora insossa do fracasso.
E ontem, bom, ontem eras o futuro,
cor de cinza, como o céu de Dublin
ou o verso livre de um poeta calvo e com espinhas.
E de todas as mulheres do universo
logo fui assinalar-te a ti,
porque tinhas os olhos mais lindos do mundo
e porque nos olhos tinhas o mundo mais lindo.
E dançámos, bem, eu apenas te seguia os passos,
sem te pisar, ao ritmo das tuas pestanas
e do balanço das barcos ancorados no meu peito,
nessas manhãs em que eu apanhava búzios com os dentes,
para te ver sorrir por trás da sombrinha,
assim mais ou menos, a olhar-te para o decote e a pensar,
então se Deus não existe
este milagre é obra de quem?
Ponho-te, ó quarta-feira, uma rodinha vermelha à volta,
como as viúvas fazem aos aniversários,
és um dia assim como de ir ao dentista,
de ouvir canções pimba na fila do super,
de fumar muito, de fumar de mais,
de putas menstruadas
e de princesas sem coroa.
De enterros e folestrias,
de gorjetas de tostão
e de mentiras eternas.
E depois beijámos-nos à saída daquele bar,
contámos as estrelas num charco,
brincámos às prendas com as árvores,
baptizámos um cão abandonado,
discutimos plurais e verbos irregulares,
tivemos quatro filhos com os teus olhos
sem sequer nos mexermos daquele banco do parque.
E dançámos outra vez debaixo de uma nuvem,
enquanto o futuro nos olhava de viés,
com os dedos manchados de orgasmos
e a roupa assoalhada pelo chão.
Um dia incrível esse, sem dúvida,
quarta-feira sim,
mas não uma quarta qualquer.
(Trad. A.M.)
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8.10.13
Raymond Carver (Acautelando para a número um)
STILL LOOKING OUT FOR NUMBER ONE
Now that you’ve gone away for five days,
I’ll smoke all the cigarettes I want,
where I want. Mae biscuits and eat them
with jam and fat bacon. Loaf. Indulge
myself. Walk on the beach if I feel
like it. And I feel like it, alone and
thinking about when I was young. The people
then who loved me beyond reason.
And how I loved them above all others.
Except one. I’m saying I’ll do everything
I want here while you’re away!
But there’s one thing I won’t do.
I won’t sleep in our bed without you.
No. It doesn’t please me to do so.
I’ll sleep where I damn well feel like it
- where I sleep best when you’re away
and I can’t hold you the way I do.
On the broken sofa in my study.
Raymond Carver
[Read a little poetry]
Agora que tu estás fora por cinco dias,
eu vou fumar os cigarros que me apetecer,
onde me apetecer. Docinhos, hei-de comê-los com
marmelada e toucinho do gordo. Vadiar, muito
auto-complacente. Caminhar pela praia
se me parecer uma boa.E acho que sim, passear sozinho,
a pensar em quando era novo. Nas pessoas
que então me amaram, para além de qualquer razão.
E como eu as amei acima de todas as outras.
De todas, menos uma. Digo que hei-de fazer
o que me apetecer enquanto tu estiveres fora!
Mas há uma coisa que não farei,
não vou dormir sem ti na nossa cama;
não, não me agrada.
Vou dormir onde raio me apetecer
- onde durmo melhor quando tu não estás
e não me posso agarrar a ti como faço.
No velho sofá do escritório.
(Trad. A.M.)
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7.10.13
Rosario Castellanos (Retorno)
RETORNO
Has muerto tantas veces; nos hemos despedido
en cada muelle,
en cada andén de los desgarramientos,
amor mío, y regresas
con otra faz de flor recién abierta
que no te reconozco hasta que palpo
dentro de mí la antigua cicatriz
en la que deletreo arduamente tu nombre.
Rosario Castellanos
[Emma Gunst]
Morreste tantas vezes; despedimo-nos
em cada molhe,
em cada cais dos rompimentos,
amor meu, e regressas
com outra cara de flor mal aberta
que eu nem te reconheço, até que apalpo
dentro de mim a antiga cicatriz
em que soletro arduamente o teu nome.
(Trad. A.M.)
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6.10.13
Ruben A. (Os Barbelas-I)
Quando a linha do horizonte baixava em intensidade e os fumos azulados batiam a favor do vento e do andar das coisas, naquela dimensão abrupta que testemunhava o acender das constelações, os Barbelas realizavam-se vindos do sonho e da fantasia para os reais domínios da Torre.
De noite, ressuscitavam e, de companhia, traziam os amores e os ódios de outras eras e de outras sensibilidades, os dramas pessoais e a contagem de fábulas capazes de entrarem pelas goelas aveludadas dos vizinhos de Serzedelo e de Vitorino das Donas.
Aquele ressuscitar transfigurava a Torre.
A procissão saía pé ante pé dos túmulos de pedra, dos sarcófagos egípcios – trazidos por Dom Payo da Barbela quando das sua incursões por terras do Prestes João – e também da vala comum surgiam ainda os apátridas, filhos ilegítimos, frades, freiras, e os que remotamente pertenciam à venerável espérmia da Torre.
- RUBEN A., A Torre da Barbela, 1964, I.
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Paco Moral (Palavras)
PALABRAS
Han quedado palabras
acaso sin decirse
y al rosa de tus labios
le han faltado los míos tantas veces...
Sé que pervivirán entre nosotros palabras nunca dichas,
voces no pronunciadas.
Ahora sabe mi amor
que iba cambiando el mundo
en la medida en la que tú no estabas.
Paco Moral
Ficaram palavras
talvez por dizer
e à rosa de teus lábios
faltaram os meus tanta vez...
Palavras jamais ditas, sei,
que hão-de perviver entre nós.
Sabe agora meu amor
que o mundo ia mudando
na medida em que tu não estavas.
(Trad. A.M.)
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5.10.13
Mario Quintana (Uma alegria para sempre)
UMA ALEGRIA PARA SEMPRE
As coisas que não conseguem ser olvidadas
continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo de sempre
onde as datas não datam.
Só no mundo do nunca existem lápides...
Que importa se - depois de tudo - tenha "ela" partido
casado, mudado, sumido, esquecido, enganado,
ou que quer que te haja feito, em suma?
Tiveste uma parte da sua vida que foi só tua e, esta,
ela jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte de tua vida presente
e não do teu passado.
E abrem-se no teu sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
- disse, há cento e muitos anos,
um poeta inglês que não conseguiu morrer.
Mario Quintana
[La mirada del lobo]
John Keats:
“A thing of beauty is a joy forever:
Its loveliness increases;
It will never
Pass into nothingness.”
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4.10.13
Roger Wolfe (Poética)
POÉTICA?
Las poéticas son un poco
como los preservativos:
si te tienes que parar,
más vale dejarlo para otro día.
Roger Wolfe
As poéticas são um pouco
como os preservativos:
a ter que parar,
mais vale deixar para outro dia.
(Trad. A.M.)
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3.10.13
Nuno Camarneiro (As palavras são difíceis)
As palavras são difíceis, mas são o que temos.
O sofrimento é único para cada homem e para cada mulher, são infinitas as dores e poucas as palavras que lhes dão nome: desgosto, arrependimento, comiseração, tristeza, pesar, mágoa, pena, lástima, aflição, angústia, nojo, desolação, comoção, choque, amargor.
Faltam termos e sobram as horas más.
Não falta descrever o que se pensa, porque não importa, o sofrimento corre abaixo da cabeça, no corpo que apanha, às voltas num mesmo lugar que é o centro de tudo, como se chama o centro exacto de nós?
- NUNO CAMARNEIRO, Debaixo de algum céu, 2013 (Narrador).
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Meira Delmar (Morte minha)
MUERTE MÍA
La muerte no es quedarme
con las manos ancladas
como barcos inútiles
a mis propias orillas,
ni tener en los ojos,
tras la sombra del párpado,
el último paisaje
hundiéndose en sí mismo.
La muerte no es sentirme
fija en la tierra oscura
mientras mueve la noche
su gajo de luceros,
y mueve el mar profundo
las naves y los peces,
y el viento mueve estíos,
otoños, primaveras.
¡Otra cosa es la muerte!
Decir tu nombre una
y otra vez en la niebla
sin que tornes el rostro
a mi rostro, es la muerte.
Y estar de ti lejana
cuando dices "La tarde
vuela sobre las rosas
como un ala de oro”.
La muerte es ir borrando
caminos de regreso
y llegar con mis lágrimas
a un país sin nosotros
y es saber qué pregunta
mi corazón en vano
por tu melancolía.
¡Otra cosa es la muerte!
Meira Delmar
A morte não é ficar-me
de mãos ancoradas
como barcos inúteis
na minha própria margem,
nem ter nos olhos,
por detrás da pálpebra,
a última paisagem
a afundar-se em si mesma.
A morte não é sentir-me
cravada na terra escura
enquanto a noite move
seu ramo de luzes,
e move o mar profundo
os navios e peixes,
e o vento move estios,
outonos e primaveras.
Outra coisa é a morte!
Dizer teu nome uma
vez e outra na névoa
sem virares o rosto
para mim, é a morte.
E estar longe de ti
quando dizes “A tarde
voa, qual asa de oiro,
por sobre as rosas”.
A morte é ir apagando
os caminhos de regresso
e aportar com lágrimas
a um país sem nós dois,
é saber que em vão
pergunta meu coração
por tua melancolia.
Outra coisa é a morte!
(Trad. A.M.)
>> Poesi.as (120p) / A media voz (38p) / Wikipedia
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2.10.13
Mário-Henrique Leiria (Eu sei)
Eu sei que as tulipas são os olhos de todos os aviões perdidos
Eu sei que as cidades são os esqueletos das aves de rapina
Eu sei que os candeeiros ardendo de noite são os pulmões dos peixes-voadores
Eu sei que o mistério é uma dentadura abandonada
Eu sei que a loucura é um braço solitário sorrindo eternamente
Eu sei que os meus olhos são as tuas pernas frementes
Eu sei que os teus cabelos são o meu acendedor de pirilampos
Eu sei que a tua boca é o meu uivo solar
Eu sei que o teu peito e o teu sexo são a minha água profundamente azul
onde se encontram todos os fantasmas já perdidos há séculos.
Mário-Henrique Leiria
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1.10.13
Roberto Juarroz (Há vidas que duram um instante)
Hay vidas que duran un instante:
su nacimiento.
Hay vidas que duran dos instantes:
su nacimiento y su muerte
Hay vidas que duran tres instantes:
su nacimiento, su muerte y una flor.
Roberto Juarroz
Há vidas que duram um instante,
o nascimento.
Há vidas que duram dois instantes,
o nascimento e a morte.
Há vidas que duram três instantes,
o nascimento, a morte e uma flor.
(Trad. A.M.)
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