24.5.13

Mario Benedetti (Testamento da quarta)





TESTAMENTO DE MIÉRCOLES



Aclaro que éste no es un testamento
de esos que se usan como colofón de vida
es un testamento mucho más sencillo
tan solo para el fin de la jornada

o sea que lego para mañana jueves
las preocupaciones que me legara el martes
levemente alteradas por dos digestiones
las usuales noticias del cono sur
y la nube de mosquitos casi vampiros

lego mis catorce estornudos del mediodía
una carta a mi mujer en la que falta la posdata
el final de una novela que a duras penas leo
las siete sonrisas de cinco muchachas
ya que hubo una que me brindó tres
y el ceño fruncido de un señor
que no conozco ni aspiro a conocer

lego un colorido ajedrez moscovita
una computadora japonesa sin pilas
y la buena radio en que está sonando
el español grisáceo de la bibicí
ah la olivetti y el cepillo de dientes
no los lego porsiacaso
lego tropos y metáforas de uso privado
que modestamente acuñe en la tarde
por ejemplo el astillero en que reparo mis sueños
el pájaro aleatorio que surge del crepúsculo
la cortina de lluvia que miro y no descorro
lego un remordimiento porque es aleccionante
y un poco de tristeza porque es inevitable
también mi soledad con la ilusión
de que el jueves resuelva no admitirla
y me sancione con presencias varias

lego los crujidos de mis viejas bisagras
también una tajada de mi sombra
no toda porque un hombre sin su sombra
no merece el respeto de la gente

lego el pescuezo recién lavado
como para un jueves de guillotina
una maceta con hierbabuena
y otra con un boniato que me hastía
ya que esta cargante convolvulácea
me está invadiendo el cuarto con sus hojas

lego los suburbios de una idea
un tríptico de espejos que me agrade
el mar allá al alcance de la mano
mis cóleras por orden alfabético
y un breve y curioso estado de ánimo
que todavía no se si es inocencia
o estupidez malsana
o alegría

sólo ahora lo advierto
en paredes y anaqueles y venas
en glándulas y techos y optimismos
me quedan tantas cosas por legar
que mejor las incluyo
en otro testamento
digamos el del viernes


Mario Benedetti



Aclaro que este não é um desses testamentos
que se usam como cólofon de vida
é um testamento muito mais simples
tão só para o fim da jornada

ou seja, lego para amanhã quinta
as preocupações que me deixou terça
ligeiramente alteradas por duas digestões
as notícias usuais do cone sul
e uma nuvem de mosquitos quase como vampiros

lego os catorze espirros do meio-dia
uma carta da minha mulher em que falta a pós-data
o fim de um livro que estou lendo a duras penas
os sete sorrisos de cinco cachopas
pois uma brindou-me com três
e o cenho franzido de um senhor
que não conheço nem desejo conhecer

lego um xadrez moscovita colorido
um computador japonês sem pilhas
e o rádio que está a dar
o espanhol cinzento da bibici
ah a olivetti e a escova de dentes
não lego por causa de coisas
lego tropos e metáforas de uso pessoal
que modestamente cunhei esta tarde
por exemplo o estaleiro em que reparo os meus sonhos
o pássaro aleatório do crepúsculo
e a cortina de chuva que tenho diante dos olhos
deixo um remorso porque é instrutivo
e um pouco de tristeza por ser inevitável
minha solidão também na esperança
de que a quinta resolva exclui-la
sancionando-me com presenças várias

lego o rangido das minhas velhas dobradiças
mais uma talhada da minha sombra
toda não porque um homem sem sombra
não merece o respeito do próximo

lego o pescoço recém-lavado
como que para uma quinta de guilhotina
um vaso de hortelã
e outro com certa planta que me incomoda
pois invade-me o quarto com as folhas

deixo os subúrbios de uma ideia
um tríptico de espelhos do meu gosto
o mar além ao alcance da mão
minhas raivas na ordem alfabética
e um breve e curioso estado de alma
que não sei ainda se é inocência
ou estupidez malsã
ou alegria

dou conta só agora
nas paredes e estantes e veias
nas glândulas e tectos e optimismos
fica ainda muita coisa por testar
pelo que será melhor metê-las
em outro testamento
digamos o de sexta-feira.


(Trad. A.M.)


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