10.8.11

José Rentes de Carvalho (Relâmpagos de memória)






Relâmpagos de memória.

Tão vivos como se os factos acabassem de acontecer.

Por vezes incómodos, feitos juízes, opondo-se aos arranjos que inconscientemente propomos para moldar as versões do passado.

Desagradáveis também, recusando sumir no fundo para onde os queremos empurrar.

Ou meigos como ternuras de amante, embelecendo a lembrança, colorindo e tornando duradouro o que foi cinzento, o que foi fugaz.

A memória que nos põe em palcos onde nunca estivemos, fazendo-nos ouvir o aplauso nunca recebido.

A memória, com seus sobressaltos e mistérios, as suas sombras, cheia de ziguezagues, reviravoltas, impasses.

Cheia também de armadilhas em que de boa vontade caímos, a tecer a interminável teia do que não foi mas podia ter sido, da ficção tornada real à força de sonhada.

A memória e o seu comparsa, o esquecimento.



- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 15.


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