Escuro, pitoresco, desleixado, o Porto já não é a metrópole que foi na minha infância.
As pontes e a estação, o palácio do bispo, a Sé, a Torre dos Clérigos, tudo isso se mantém, e vista da margem esquerda a paisagem da cidade continua esplêndida.
Mas nos rostos das pessoas há mais sombras que sorrisos, o ar de algumas ruas é de mau agouro.
O rio lá está, quase sem movimento, com pouca vida, só de longe a longe um ou outro naviozito se arrisca a passar por entre as línguas de areia que lhe assoreiam a foz.
Os rabelos envernizados que agora o navegam são falsificações da publicidade e na beira-rio lodosa de Gaia, que conheci cheia de bulício, a ferver de agitação, deitaram placas de cimento e fizeram esplanadas onde os turistas se sentam a beber cerveja, de costas para a cidade para melhor tomarem o sol.
Passo, olho, vou adiante e minto a mim próprio, dizendo-me que é absurdo carregar o peso morto do passado.
- J. RENTES DE CARVALHO,
La Coca, Quetzal (2011), p. 16.
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