No decurso dessa segunda Primavera o
khamsin foi o pior de que eu guardo memória.
Antes do poente, o céu do deserto tornava-se castanho, depois ia escurecendo lentamente, entumecia-se como uma face esbofeteada e fazia explodir as franjas das nuvens, gigantescas oitavas de almagre que se acumulavam sobre o delta como cortinas de cinzas debaixo de um vulcão.
A cidade contrai-se como preparando-se para enfrentar uma tempestade.
Algumas rajadas de vento trazendo esparsas gotas de chuva são as guardas avançadas da obscuridade que apaga o céu.
E, impalpável, invisível, na obscuridade das alcovas com as persianas fechadas, a areia invade tudo, aparece, como por magia, nas roupas há muito fechadas nos armários, insinua-se entre as páginas dos livros, deposita-se sobre os quadros e sobre as colheres.
Nas fechaduras e debaixo das unhas.
O ar soluça, vibra, seca as mucosas e injecta os olhos de sangue.
- LAWRENCE DURREL,
Justine (3.ª parte), trad. Daniel Gonçalves.
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