1.10.10

Lawrence Durrell (O khamsin)





No decurso dessa segunda Primavera o khamsin foi o pior de que eu guardo memória.

Antes do poente, o céu do deserto tornava-se castanho, depois ia escurecendo lentamente, entumecia-se como uma face esbofeteada e fazia explodir as franjas das nuvens, gigantescas oitavas de almagre que se acumulavam sobre o delta como cortinas de cinzas debaixo de um vulcão.

A cidade contrai-se como preparando-se para enfrentar uma tempestade.

Algumas rajadas de vento trazendo esparsas gotas de chuva são as guardas avançadas da obscuridade que apaga o céu.

E, impalpável, invisível, na obscuridade das alcovas com as persianas fechadas, a areia invade tudo, aparece, como por magia, nas roupas há muito fechadas nos armários, insinua-se entre as páginas dos livros, deposita-se sobre os quadros e sobre as colheres.

Nas fechaduras e debaixo das unhas.

O ar soluça, vibra, seca as mucosas e injecta os olhos de sangue.



- LAWRENCE DURREL, Justine (3.ª parte), trad. Daniel Gonçalves.


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