11.4.16

Alexandre Pinheiro Torres (O rio)





Vislumbra, lá em baixo, os baixios afogados a jusante, logo a seguir um recôncavo de laranjais, mais adiante os pesqueiros submersos, ou o promontório a montante da sua ilha, onde a água ferve altíssima.

Faz um gesto com o braço enroupado e logo tudo ressuscita.

Destapa córregos e socalcos, valeiros, ribanceiras, resvaladouros.

Uma água em cachão que fura os fraguedos chistosos com coragem de berbequim novo.

O ruído que lhe chega aos ouvidos é o de uma imensa oficina mecânica: fitas de serra a abrir, velocíssimas, troncos a pulsar de viço, uma chuva de serrim, o sangue das árvores e das pedras ainda quente do entusiasmo das veias a chispar no rio, metal ao rubro na água de têmpera do ferreiro.

O que ali está é uma forja.

Não lhe falta mesmo o sopro do fole: o vento desabrido que vem do nascente, no sentido do talvegue. (n. 28)



ALEXANDRE PINHEIRO TORRES
Espingardas e Música Clássica
(1987)
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