29.11.22

Egito Gonçalves (Um dia não estarei)




Um dia não estarei. Custa 
escrever isto. A cidade ter-me-á
perdido, as coisas que chamei minhas 
estarão dispersas,
algumas viverão ainda amadas
por quem amei. Penso nisso quando sei
que não subiria hoje as escadas
do Barredo. Nem sequer as da Vitória,
parando no patamar para um mergulho
na paisagem que o rio anima, o que 
fiz tanta vez sem perder o fôlego. 
Nem me proporia atravessar o Montemuro
para um cozido enxundioso na Gralheira. 
Um dia não estarei. É o normal!
O meu lugar no café, o olhar 
ausente da paisagem, deixarei
umas cartas, alguns inéditos
no Compaq (em tempos ficariam
na gaveta), coisas sem importância
que só para mim a teriam. Estarei
em lugar nenhum, serei um retrato
na parede e não haverá lugar 
para qualquer dor, ó Drummond!

Egito Gonçalves

[Um reino maravilhoso]

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