30.7.22

José Luis Morante (Causas e efeitos)



CAUSAS Y EFECTOS


El centro del silencio me ha enseñado
a aceptar como un juego que la vida
es una sucesión aleatoria de causas y efectos
sobre las dunas de la realidad.
Aparecen las causas simultáneas,
inflexibles, anónimas,
y los efectos manan disueltos en los días,
con cauce renovado y variable,
cuyo curso ninguna voluntad puede eludir.

Cada mañana tiene leyes propias.
Es el azar la fórmula cifrada
que descubre sus vínculos.
Un extraño rumor nos configura,
encubre quiénes somos, quién seremos.

Causas y efectos pasan, se suceden.
Articulan el tiempo. Y eso es todo.

José Luis Morante

 

 

O centro do silêncio ensinou-me
a aceitar como um jogo ser a vida
uma sucessão aleatória de causas e efeitos 
sobre as dunas da realidade.
Aparecem as causas simultâneas,
inflexíveis, anónimas,
e os efeitos surgem dissolvidos nos dias,
num leito sempre novo e variável,
cujo curso ninguém consegue vencer.

Cada manhã tem suas próprias leis,
sendo o acaso a fórmula cifrada
que descobre seus vínculos.
Um estranho rumor nos conforma,
encobrindo quem somos e quem seremos.

Causas e efeitos passam, sucedem-se,
articulam o tempo. E nada mais.

 

(Trad. A.M.)

 .

29.7.22

Jesús Beades (Álbum)




ÁLBUM



Mira cómo nos miran
las figuras que somos en las fotos,
en fin de año, feria, recitales...
Esos grandes momentos que fueron, y que son
ya sólo unas escenas de un recuerdo.
De todo eso me queda este álbum
de fotos, un rumor de ecos, vasos...
Y también
la extraña sensación de estar viviendo
en una foto que veré algún día. 

Jesús Beades

 


Olha como olham para nós
as figuras que somos nas fotos,
em fim de ano, festas, recitais…
Esses grandes momentos de então,
hoje apenas cenas de recordação.
De tudo isso resta-me este álbum
de fotos, um rumor de ecos, copos…
E também a estranha sensação
de estar a viver agora
numa foto que hei-de ver
um dia mais tarde.


(Trad. A.M.)


>>   Jesus Beades (16p) / Jesus Beades (sítio of) / Crisis de papel (rec. antologia) / Nueva Revista (perfil)

.


27.7.22

Artur Cruzeiro Seixas (Quando eu morrer)




Quando eu morrer
ponham-me à janela como uma prostituta
a escrever poemas sobre poemas
até atingir a altura do Empire State Building.
E quero ainda construir labirintos de vidro
sobre estratégicos cavaletes de pintura.
Sob as carpetes das embaixadas
procurarei a sepultura de Gilgamesh
e então serei tão bom filho
como bom pai.
Comprarei o carro vermelho
em que todos me viram passar não passando
para o ir ver despir-se como um marinheiro
depois de percorridos
quilómetros e quilómetros de nuvens de algodão.

Escreverei a todos
ausentes e presentes
e reunirei no meu lar as mais repelentes moscas
com que passaremos agradáveis noites de candidatura
a consultar os mapas
beberricando whiskies.
Então conseguirei tempo para invejar este e aquele
e tomarei artísticas poses de bronze para dormir.
Das fomes e dos heroísmos contarei histórias de arrepiar
dando volta à arena enlouquecido
com dez farpas no cachaço,
aplaudido pelo povo.

Evidentemente que aos familiares e amigos
competirá dar ordem alfabética a este projecto festivo
que para provar a minha genialidade
um Gulbenkian qualquer
pode muito logicamente subsidiar.

 

Artur do Cruzeiro Seixas

 .

25.7.22

José Infante (A morte é que é o fim)




La muerte sí es el final por mucho
que intenten engañarnos con canciones,
con himnos, con plegarias y salmos.
Es la muerte el final y es justo
que así sea. Que no existan
ni premios ni castigos. Solamente
que nos dejen perdernos en la nada,
desde donde vinimos sin haber sido
previamente invitados.

José Infante

 

 

A morte é que é o fim, por muito
que tentem enganar-nos com canções,
com hinos, com salmos e orações.
O fim é a morte e é justo
que assim seja. Que não haja 
nem prémios nem castigos. Apenas
que nos deixem perder-nos no nada.
donde viemos um dia sem ter sido
previamente consultados.

(Trad. A.M.)

 .

24.7.22

Octavio Paz (Disparo)




DISPARO 



Salta la palabra 
adelante del pensamiento 
adelante del sonido 
la palabra salta como un caballo 
adelante del viento 
como un novillo de azufre 
adelante de la noche 
se pierde por las calles de mi cráneo 
en todas partes las huellas de la fiera 
en la cara del árbol el tatuaje escarlata 
en la frente del torreón el tatuaje de hielo 
en el sexo de la iglesia el tatuaje eléctrico 
sus uñas en tu cuello 
sus patas en tu vientre 
la señal violeta 
el tornasol que gira hasta el blanco 
hasta el grito hasta el basta 
el girasol que gira como un ay desollado 
la firma del sin nombre a lo largo de tu piel 
en todas partes el grito que ciega 
la oleada negra que cubre el pensamiento 
la campana furiosa que tañe en mi frente 
la campana de sangre en mi pecho 
la imagen que ríe en lo alto de la torre 
la palabra que revienta las palabras 
la imagen que incendia todos los puentes 
la desaparecida en mitad del abrazo 
la vagabunda que asesina a los niños 
la idiota la mentirosa la incestuosa 
la corza perseguida 
la mendiga profética 
la muchacha que en mitad de la vida 
me despierta y me dice acuérdate 


Octavio Paz 

[La ceniza]

 

 

Salta a palavra
à frente do pensamento
à frente do som
a palavra salta como um cavalo
à frente do vento
como um toiro sulfuroso
à frente da noite
perde-se nas ruas da minha cabeça
em todo o lado o rasto da fera
a tatuagem escarlate no rosto da árvore
na frente do torreão a tatuagem de gelo
no sexo da igreja a tatuagem eléctrica
suas unhas no teu gasnete
as patas no teu ventre
o sinal violeta
o girassol que roda até ao branco
até ao grito até ao basta
o girassol que gira como um ai desolado
a rubrica do sem nome ao longo da tua pele
em todo o lado o grito que cega
a maré negra que cobre o pensamento
a campainha furiosa que toca na minha testa
a campainha de sangue em meu peito
a imagem rindo no alto da torre
a palavra que rebenta as palavras
a imagem que incendeia as pontes
a desaparecida a meio do abraço
a vagabunda que mata as crianças
a idiota a mentirosa a incestuosa
a corça perseguida
a mendiga profética
a rapariga que a meio da vida
me desperta e me diz: lembra-te


(Trad. A.M.)

.

22.7.22

Ferreira Gullar (Redundâncias)




REDUNDÂNCIAS

 

Ter medo da morte
é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida

Ter apego ao mundo
é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos

E ninguém vive a morte
quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo

 

Ferreira Gullar

[ Acontecimentos]

 .

20.7.22

Francisco Brines (Nascimento)



NACIMIENTO

 

Hay viento, y el silencio
Lo acuna:
Es algo que quiere ser nacido.
 

Pues no puedes dormir 
Abandona la cama.
Asómate al cristal:
La habitación y el mundo a oscuras.
 
Arriba, en el mural del cielo ,
Se desborda el osario
Y nada allá , ni aquí, palpita.
 
El Niño ha sollozado.

 

Francisco Brines

[Revista Turia]

 

 

Há vento, e o silêncio 
embala-o:
Algo está para nascer.

Já que não dormes, 
ergue-te da cama.
Vai à janela, 
a casa e o mundo, 
tudo às escuras.

Acima, no mural do céu,
transborda o ossário
e nada palpita, lá ou aqui.

O Menino soluçou.


(Trad. A.M.)

.

19.7.22

Vicente Luis Mora (Para uma nova estética)



PARA UNA NUEVA ESTÉTICA 

 

La fresa es más exacta que la rosa
la puedes disfrutar en tu interior 

la rosa es un retrato un bodegón
naturaleza muerta si se corta 

la fresa es un paisaje con sus puntos
de líquido amarillo sobre rojo 

como conchas de soles caracoles
en arcilla esponjosa y sonrosada 

o débiles estrellas despuntando
en el solar del cielo que atardece

 la rosa es gusto extático tão frío

la fresa se hace forma entre tus dientes
desenvolviendo a lágrimas su gusto 

y su belleza sabe a hielo dulce 

la fresa es más exacta que la rosa


Vicente Luis Mora

 

A frésia é mais exacta que a rosa
podes desfrutá-la por dentro

a rosa é um retrato uma tasca
natureza morta depois de cortada

a frésia é uma paisagem com pontinhos
de líquido amarelo sobre vermelho

como conchas de caracóis 
de argila esponjosa e rosada

ou estrelas débeis a despontar
no arco do céu que entardece

a rosa é um gosto estático tão frio

a frésia ganha forma nos teus dentes
soltando seu gosto com lágrimas 

e a sua beleza sabe a gelo doce

a frésia é mais exacta que a rosa


(Trad. A.M.)

 . 

17.7.22

Nuno Júdice (De novo, as palavras)




De novo: as palavras... 
Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa. 

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras. 

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo. 

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Nuno Júdice

 .

15.7.22

Vicente Gallego (Hino)



EL HIMNO 



Hay un himno en la noche más oscura   
 que no todos consiguen entender;   
 pero no hay que entenderlo: el himno suena.   
 Hay un himno en el grito, en el dolor;   
 sus desgarradas notas   
 se escuchan en el baile de los huesos,   
 descarnados y rotos, que arrastra el huracán,   
 en el pico del buitre   
 y en las vigas quebradas del hogar destruido.   
 
  Hay un canto sutil en la barbarie,   
 un salvaje concierto en la agonía,   
 un compás obstinado en el terror.   
 Hay un coro triunfal   
 que no apaga la muerte, porque siguen cantando   
 en él las voces secas de los muertos.   
 Hay un himno en la vida que es la vida,   
 su terca pervivencia más allá de nosotros,   
 el desolado acorde estremecido   
 de un cielo imperturbable que contempla   
 la sucesión precisa de la fiesta y el luto.   
 
  Hay un himno en el caos, y hay después   
 ese salmo que clama por el mundo   
 desde el alma arrasada de nuestro mundo exhausto.   
 No es sencillo entenderlo: el himno suena   
 sin contar con nosotros, en el centro sin luz   
 del extraño destino de la carne.   
 
  Dichoso el que en su noche,   
 rodeado de frío y de tinieblas,   
 cierra con fe los ojos y es capaz de escucharlo. 


Vicente Gallego




Há um hino na noite mais escura
que nem todos conseguem entender,
mas não há que entender: o hino soa.
Há um hino no grito, na dor; suas notas rasgadas
ouvem-se no baile dos ossos,
arrastados pelo furacão,
no bico do abutre,
nas vigas quebradas do lar destruído.

Há um canto subtil na barbárie,
um selvagem concerto na agonia,
um compasso obstinado no terror.
Há um coro triunfal
que a morte não apaga,
por cantarem ainda as vozes secas dos mortos.
Há um hino na vida que é a vida,
pervivência teimosa para lá de nós mesmos,
desolado acorde estremecido
de um céu imperturbável que contempla
a sucessão precisa da festa e do luto.

Há um hino no caos e há depois
esse salmo clamando pelo mundo
lá da alma arrasada de nosso mundo exausto.
Não é simples entendê-lo, o hino soa
sem contar connosco, no centro sem luz
do estranho destino da carne.

Ditoso o que em sua noite,
cercado de frio e de trevas,
fecha os olhos com fé e é capaz de escutá-lo.


(Trad. A.M.)

.

14.7.22

José Luis Morante (Autobiografia)



AUTOBIOGRAFÍA


También soy yo
por la fidelidad a mis contradicciones,
por permitir gozoso,
cuando las plazoletas solitarias
reivindican el silencio y la sombra,
que un recuerdo me asalte en el espejo
como un rastro de luz
e inicie una liturgia
de nombres, fechas, gestos
y túmulos de sueños
nadando el mar oscuro
de una cronología sospechosa.

Tanta dulce mentira
advierte que soy otro.

José Luis Morante 

 

 

Eu também sou eu
por fidelidade às minhas contradições,
por permitir de boamente,
quando as pracetas solitárias
reclamam o silêncio e a sombra,
que uma lembrança me assalte no espelho 
como um rasto de luz
e inicie um ritual de
nomes, datas, gestos
e túmulos de sonhos
a nadar no mar escuro 
de uma suspeita cronologia.

Tanta doce mentira
adverte que eu sou outro.

(Trad. A.M.)

 

>>  Puentes de papel (blogue) / Casa Bukowski (10p) / Letralia (9p) / Revista Altazor (5p) / Zenda (5p) / Wikipedia

-

12.7.22

Paulo Henriques Britto (À margem do Douro)



À MARGEM DO DOURO

 

Não espero nada, e já me satisfaço
com a consciência de ainda estar em mim
e não de volta ao nada de onde vim.
Por ora, ao menos, ainda ocupo espaço,
junto a uma mesa no Cais da Ribeira;
permito-me, sem culpa, desfrutar
de pão, e queijo, e vinho, e vista, e ar,
todo o entorno da minha cadeira.
Que os dias que me restam não me tragam
apenas a miséria de contá-los
pra ao fim ver que as contas não fecham. Peço
demais? Eu, que não sou desses que tragam
a vida num só gole e no gargalo,
sem ter nem mesmo perguntado o preço.


Paulo Henriques Britto

 .

10.7.22

Vanesa Pérez-Sauquillo (A cilada do telefone)



LA TRAMPA DEL TELÉFONO

 

Éste es mi contestador automático.
Para herir, simplemente, marque 1.
Para contar mentiras que me crea, marque 2.
Para las confesiones trasnochadas, marque 4.
Para interpretaciones literarias
producto del alcohol, marque 6.
Para poemas, marque almohadilla.
Para cortar definitivamente la comunicación,
no marque nada, pero tampoco cuelgue,
titubee en el teléfono
(a ser posible durante varios meses)
hasta que note que voy abandonando el aparato
a intervalos de tiempo cada vez más largos.
No desespere. Aguante.
Espere a que sea yo la que se rinda.
Le evitará cualquier remordimiento.
Gracias.
 

Vanesa Pérez-Sauquillo

[Emma Gunst]

 

  

Aqui fala o meu atendedor automático.
Para magoar, apenas, marque 1,
para contar mentiras que eu creia, marque 2,
para as confissões tresnoitadas, marque 4,
para interpretações literárias
fruto do álcool, marque 6.
Para poemas, marque cardinal.
Para cessar a comunicação,
não marque nada, mas não desligue,
titubeie ao telefone
(por vários meses, se possível)
até notar que eu vou deixando o aparelho
por períodos cada vez mais longos.
Não desespere, aguarde.
Espere que seja eu a render-me,
evitará qualquer remorso.
Bem haja.

 
(Trad. A.M.)


9.7.22

Valeria Pariso (Aos que caem no silêncio)



A los que caen en el silencio porque ninguna palabra es posible.
A los que encuentran la palabra justa y la pueden escribir.
A los que no encuentran la tela del abrigo.
A los que sueñan con el calor en medio de la nieve.
A los que son felices toda la vida porque tuvieron cinco minutos inolvidables.
A los que son infelices toda la vida porque no tuvieron cinco minutos inolvidables.
A los desamparados de toda sombra.
A los que caen.
A los que se levantan.
A los que sonríen de ojos cuando se acuerdan.
A los que lloran de corazón cuando se acuerdan.
A los pobres que nunca vieron el mar.
A los ricos que nunca verán el mar.
A los que creen que la poesía salva.
A los que intuyen.
A los que dudan.
A los que intentan.
A cada uno, salud.


Valeria Pariso

 


Aos que caem no silêncio porque nenhuma palavra é possível.
Aos que topam a palavra justa e a conseguem escrever.
Aos que não encontram a capa do abrigo.
Aos que no meio da neve sonham com o calor.
Aos que são felizes a vida toda porque tiveram cinco minutos inolvidáveis.
Aos que são infelizes a vida toda porque não tiveram cinco minutos inolvidáveis.
Aos desamparados de qualquer sombra.
Aos que caem.
Aos que se levantam.
Aos que sorriem nos olhos quando recordam.
Aos que choram no coração quando recordam.
Aos pobres que nunca viram o mar.
Aos ricos que nunca o mar verão.
Aos que crêem que a poesia salva.
Aos que intuem.
Aos que duvidam.
Aos que tentam.
A todos, saúde, a cada um.


(Trad. A.M.)

.

7.7.22

W. B. Yeats (Rumo a Bizâncio)




RUMO A BIZÂNCIO

 

I
Este país não é para velhos. Jovens
abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
cascatas de salmões, mares de cavalas,
peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
os monumentos de intemporal saber. 

II
Um velho é coisa sem valor,
um andrajo apoiado num bordão, a não ser que
a alma aplauda e cante, e cante mais alto
cada farrapo da sua mortal veste.
Nem há escola de canto somente o estudo
dos monumentos de seu próprio esplendor;
por isso cruzei os mares e cheguei
à sagrada cidade de Bizâncio. 

III
Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
qual dourado mosaico sobre um muro,
vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
e sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
e atado a um animal agonizante
ele não sabe o que é; juntai-me
ao artifício da eternidade. 

IV
Da natureza liberto jamais de natural coisa
retomarei minha forma, meu corpo,
mas formas outras como as que o ourives grego
em ouro forja e esmalta em ouro
para que o sonolento Imperador não adormeça;
ou em dourado ramo pousado, cantarei
Para damas e senhores de Bizâncio
cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá.

 

W.B. Yeats

(Trad. J.A. Baptista)

.

5.7.22

Santiago Aguaded Landero (O vagabundo celeste)



LE CLOCHARD CÉLESTE

 

ESCRUTAR el silencio y la palabra.

Escrutar la luz en la luna y la sombra en la semilla. Siempre en fuga. En fuga del silencio y de las palabras... en fuga del poder... en fuga de amor, porque esas aguas las he probado y las encontré amargas. ¿Para qué decir si frente al Carrefour de la pubertad no hay más ángel que el de la Ausencia? Huir, huir de todo y de uno mismo, porque el poema es imposible, no está aquí en las letras, en el verbo, ni siquiera en el arma/adjetivo. No, nunca será suficiente. Nunca habrá suficiente fuego, sol o conocimiento para empezar de nuevo.  Pour voler le feu, comme l’ombretensaré los cordones de mis sandalias cansadas, junto a mi corazón/rodilla deshauciado/a.


Santiago Aguaded Landero

 

 

Escrutar o silêncio e a palavra.

Escrutar a luz na lua e a sombra na semente. Sempre em fuga. Em fuga do silêncio e das palavras… em fuga do poder… em fuga de amor, porque essas águas provei-as e achei-as amargas. Para quê dizer, se face ao Carrefour da puberdade não há outro anjo senão o da Ausência? Fugir, fugir de tudo e de si mesmo,m porque o poema é impossível, não está aqui nas letras, no verbo, tão pouco na arma/adjectivo. Não, nunca será suficiente. Nunca haverá fogo bastante, sol ou saber para começasr de novo. Pour voler le feu, comme l’ombre, esticarei os cordões destas sandálias cansadas, ao pé do meu coração/joelho, despejando-o.


(Trad. A.M.)

.

4.7.22

Rosario Castellanos (Valium 10)



VALIUM 10


A veces (y no trates
de restarle importancia
diciendo que no ocurre con frecuencia)
se te quiebra la vara con que mides,
se te extravía la brújula
y ya no entiendes nada.

El día se convierte en una sucesión
de hechos incoherentes, de funciones
que vas desempeñando por inercia y por hábito.

Y lo vives. Y dictas el oficio
a quienes corresponde. Y das la clase
lo mismo a los alumnos inscritos que al oyente.
Y en la noche redactas el texto que la imprenta
devorará mañana.
Y vigilas (oh, sólo por encima)
la marcha de la casa, la perfecta
coordinación de múltiples programas
—porque el hijo mayor ya viste de etiqueta
para ir de chambelán a un baile de quince años
y el menor quiere ser futbolista y el de en medio
tiene un póster del Che junto a su tocadiscos

Y repasas las cuentas del gasto y reflexionas,
junto a la cocinera, sobre el costo
de la vida y el ars magna combinatoria
del que surge el menú posible y cotidiano.

Y aún tienes voluntad para desmaquillarte
y ponerte la crema nutritiva y aún leer
algunas líneas antes de consumir la lámpara.

Y ya en la oscuridad, en el umbral del sueño,
echas de menos lo que se ha perdido:
el diamante de más precio, la carta
de marear, el libro
con cien preguntas básicas (y sus correspondientes
respuestas) para un diálogo
elemental siquiera con la Esfinge.

Y tienes la penosa sensación
de que en el crucigrama se deslizó una errata
que lo hace irresoluble.

Y deletreas el nombre del Caos. Y no puedes
dormir si no destapas
el frasco de pastillas y si no tragas una
en la que se condensa,
químicamente pura, la ordenación del mundo.

Rosario Castellanos

[Life vest under your seat]

 

 

Às vezes (e não tentes
tirar-lhe importância
dizendo que não é frequente)
parte-se-te a vara de medição,
perdes a bússola
e já não entendes nada.

O dia torna-se uma série
de factos incoerentes, de funções
que vais exercendo por hábito, por inércia. 

E vive-lo. E ditas a carta
a quem compete. E dás a aula
à mesma aos alunos inscritos e ao voluntário.
E à noite rediges o artigo que a imprensa
amanhã vai devorar.
E vigias (oh, muito por cima)
o andamento da casa, a perfeita
coordenação de diferentes programas
- porque o filho mais velho já veste de cerimónia
para ir a um baile de quinze anos,
o mais novo quer ser futebolista
e o do meio tem um póster do Che
ao pé do gira-discos.

E revês as contas de despesa e reflectes,
com a cozinheira, sobre o custo
da vida e a arte magna de que surge
o menú possível e quotidiano.

E tens ainda disposição para tirar a maquilhagem
e pôr o creme de noite e ler ainda
algumas linhas antes de apagar a luz.

E já no escuro, às portas do sono,
sentes falta do que se perdeu,
o diamante mais caro, a carta
de marear, o livro
com cem perguntas básicas (e respectivas
respostas) para um diálogo elementar
até mesmo com a Esfinge. 

E tens a penosa sensação
de que há um erro no crucigrama
que o torna irresolúvel.

E soletras o nome do Caos. E não
consegues dormir sem destapar
o frasco das pastilhas e engolir uma
em que se condensa,
quimicamente pura, a ordenação do mundo.

(Trad. A.M.)

 .

2.7.22

Cesare Pavese (Também tu és colina)


 

Anche tu sei collina
e sentiero di sassi
e gioco nei canneti,
e conosci la vigna
che di notte tace.
Tu non dici parole.

C’è una terra che tace
e non e’ terra tua.
C’è un silenzio che dura
sulle piante e sui colli.
Ci son acque e campagne.
Sei un chiuso silenzio
che non cede, sei labbra
e occhi bui. Sei la vigna.

E’ una terra che attende
e non dice parola.
Sono passati giorni
sotto cieli ardenti.
Tu hai giocato alle nubi.
E’ una terra cattiva
la tua fronte lo sa.
Anche questo è la vigna.

Ritroverai le nubi
e il canneto, e le voci
come un’ombra di luna.
Ritroverai parole
oltre la vita breve
e notturna dei giochi,
oltre l’infanzia accesa.
Sarà dolce tacere.
Sei la terra e la vigna.

Un acceso silenzio
brucerà la campagna
come i falò la sera.

 

Cesare Pavese

[Trianarts]

 

 

Também tu és colina
e caminho de pedras
e brincadeira dos canaviais,
e conheces a vinha
que de noite se cala.
E tu não dizes palavra.

Há uma terra que se cala
e não é terra tua.
Há um silêncio que perdura
sobre plantas e montes.
Há levadas e cortinhas.
Tu és um cerrado silêncio
que não cede, és lábios
e olhos escuros, és a vinha.

É uma terra que espera
e não diz palavra.
Dias e dias são corridos
sob ardentes céus,
e tu a brincar com as nuvens.
É terra ruim, sabe-lo bem,
e também isto é a vinha.

Voltarás às nuvens,
ao canavial, às vozes
qual sombra de luar.
Voltarás às palavras,
para além da vida breve
e nocturna das brincadeiras,
para além da infância acesa.
Calares-te será fácil,
pois és a terra e és a vinha.

Um silêncio aceso
incendiará os campos
tal como as fogueiras incendeiam a noite.


(Trad. A.M.)

.