(Partida)
É um clássico da descrição dos dias das partidas.
Diz-se que estava um dia de chuva oblíqua que fazia os
homens vergarem a cabeça e caminharem com o tronco inclinado, ombros alçados, a
protegerem o pescoço.
Ou então que estava uma bela e radiosa manhã que contrastava
com o negrume envergado pela alma.
Ou então um dia abafado, com nuvens baixas e pastosas, que
rimava com o clima de opressão que se abatia sobre os desterrados.
No dia em que Joaquim embarcou no navio Luanda no Cais da
Rocha do Conde de Óbidos estava apenas um dia.
Os cais são saudades de pedra, diz-se, e estava deserto
nessa manhã (afinal sempre se anuncia o estado ainda matinal desse dia – é
inevitável).
Ninguém fala, as palavras são ingratas para uma ocasião em
que a irreversibilidade de uma ida sem volta é a hipótese mais consistente.
As palavras arranham a garganta de quem as diz, poluem os
ouvidos de quem as ouve.
Como num funeral.
De maneira que iam calados os homens e em fila indiana, a
subirem o passadiço para o navio.
Sem qualquer banda sonora intradiegética, a não ser as vozes
de comando e os miados das gaivotas.
Parece que, para além do intercâmbio vocabular, estas
ensinam felinos a voar.
Mas chega de preambular, que vão pesarosos os homens, é caso
para isso, e há, de súbito, um grito de mulher que não constava do guião. (11)
ANA MARGARIDA CARVALHO
Que importa a fúria do mar
(2013)
(2013)
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