8.2.15
Joan Brossa (Tu)
TU
Se fosses onda, eras a minha brincadeira preferida.
Se me amasses sempre, eras a plenitude.
Se fosses um modo de falar, eras o diálogo.
Se inquieta chorasses, buscava-te e não te encontrava.
Se fosses um pôr do sol, eras o mais belo de todos.
Se fosses uma árvore, eras um cedro.
Se tivesses cores, eras branca e vermelha.
Se fosses a neve, passavas mais além.
Se fosses uma substância, eras o bálsamo.
Se fosses trocada, eras a madeira da coluna.
Se eu fosse barco, levava-te à frente mesmo da proa.
Se não fosses rapariga, eras uma rosa silvestre.
Se invisível estrela fosses, eras o mútuo amor.
Se me abraçasses e te delisses, eras o orvalho da noite que as árvores molha.
Se desmaiasses, eras um escudo partido.
Se fosses uma flor, jamais te apagarias.
Se relampejasses, eras como pedra da cor do fundo do mar.
Se eu te visse onde fosse, a ti te apontava.
Se fosses indiferente, eras o crepúsculo.
Se me olhasses distraída, eras a minha esperança.
Tua presença para mim é a forma mais prazenteira da harmonia mesma.
Se tu invadisses a música, um acorde soaria grave e queixoso.
Se fosses um trevo, eras a chave da aurora.
Se fosses a suavidade, eras o peso da água.
Se a tristeza fosses, eras o tempo e os dias.
Se fosses um desejo, eras paixão derrocada.
Se fosses a lua, eras uma asa.
Se fosses relógio, eras um círculo profundo.
Se fosses o espaço, eras sua metade e seu centro.
Se não fosses uma estrela favorável, eras uma rocha a defender um território.
Se te escondesses de mim para sempre, eras a noite em redor.
Se um caminho fosses, eras a beira do mar.
Se fosses um jardim, eras um astro de flores.
Se fosses a paisagem. eras o bosque respirando.
Se fosses um anel, eras sempre inquebrável.
Se fosses a sombra densa, eras um caminho entre os astros diáfanos.
Se fosses uma tarde, eras um dia.
Se um ano fosses, eras um século.
Se fosses um ruído, eras de uns passos ressoando em segredo.
Se fosses um pedestal, eras uma ilha azulada.
Se o mundo se partisse em bocados, tu eras o seu silêncio.
Se inclinasses mais a fronte, o coração bateria sereno.
Se suspiras, o tempo que passa torna-se doce.
Se te elevas no céu, na meditação te encontro.
Se uma bolinha fosses, serias uma simples gota de água.
Vives no sentido da chama, não é no da cinza.
Se fosses um número, serias uma quantidade interminável.
Se mudasses de forma, montanha serias escura e aprazível.
Se fosses o vento terral, dormirias num rabo de cores.
Se a chuva te conhecesse, cairia onde dissesses.
Se tentasses salvar alguém, enchê-lo-ias de espigas.
Se fosses uma parede, as árvores te guardariam.
Se a luz tombasse, serias a taça de cada dia.
Cobririas a juventude, se fosses a madrugada.
Se o Outono passasse, tu serias a Primavera iminente.
Se uma cor fosses, serias a alegria do sol sobre a erva.
Se fosses uma voz, terias a cor dum perfume.
Se fosses um perfume, terias a voz da cor que te usasse.
Se um vidro fosses, apagarias os suspiros.
Se fosses um deserto, ondearias sem limites.
Se fosses uma palavra, seria amar-se.
Se fosses um ídolo, eu oficiaria a adoração nos santuários.
Se fosses suave claridade, de rebanhos te rodearias.
Se fosses uma gota de sangue, darias luz.
Se o mundo dos vivos fosse só caos e solidão,
teu destino seria manifestares-te.
Se o mundo fosse brumosa caverna,
tu abrangerias os infinitos.
Tu és o mais belo reflexo da Imagem primordial
que se multiplica para além dos tempos
sem poder expressar-se.
Joan Brossa
(Trad. A.M.)
- Sobre versão Alfonso Alegre/ Victoria Padilla
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