11.2.15

António Lobo Antunes (Santa Margarida)





Conhece Santa Margarida?

Digo isto porque, às vezes, na messe dos oficiais decorada com o mau gosto obstinadamente impessoal da sala de espera de um dentista de Moscavide (flores de plástico, oleografias imprecisas cujos arabescos monótonos se confundem com o papel da parede, cadeiras hirtas semelhantes a quadrúpedes desirmanados pastando num acaso sem simetria as franjas gastas dos tapetes), os majores em reboliço abandonavam os copos de uísque, de cubos de gelo substituídos por dados de póquer, para, erectos como soldados de chumbo barrigudos, saudarem a entrada de uma senhora que qualquer coronel subitamente urbano comboiava, deixando atrás de si, perceptível na tremura dos galões, um rastro cochichado de cio de caserna, que se cristalizaria em esquemas explicativos no mármore venoso dos urinóis, destinado à alfabetização dos faxinas.

A masturbação era a nossa ginástica diária, êmbolos encolhidos nos lençóis gelados à maneira de fetos idosos que nenhum útero desibernaria, enquanto, lá fora, os pinheiros e a névoa se confundiam numa trama inextricável de sussurros húmidos, sobrepondo à noite a noite pegajosa dos seus troncos, açucarados do algodão de feira popular da bruma.


ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Os cus de Judas
(1979)

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