7.5.10

Manoel de Barros (Línguas)






LÍNGUAS




Contenho vocação pra não saber línguas cultas.
Sou capaz de entender as abelhas do que alemão.
Eu domino os instintos primitivos.


A única língua que estudei com força foi a portuguesa.
Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.


A língua dos índios Guatós é múrmura: é como se ao
dentro de suas palavras corresse um rio entre pedras.


A língua dos Guaranis é gárrula: para eles é muito
mais importante o rumor das palavras do que o sentido
que elas tenham.
Usam trinados até na dor.


Na língua dos Guanás há sempre uma sombra do
charco em que vivem.
Mas é língua matinal.
Há nos seus termos réstias de um sol infantil.


Entendo ainda o idioma inconversável das pedras.
É aquele idioma que melhor abrange o silêncio das
palavras.


Sei também a linguagem dos pássaros – é só cantar.



MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007


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