31.8.24

Ana Pérez Cañamares (A pergunta)




LA PREGUNTA

               (Para David González)


Cuando era pequeña
en la hora del recreo
iba hacia el arenero
y me ponía a escarbar
mis manos dos zarpas
cavando el hoyo
para llegar hasta el diablo

el pelo pegado a la frente
por el sudor
escarbaba y escarbaba
durante media hora
cada día
de vez en cuando se acercaba alguien
me echaba una mano
y luego se iba
todos se acababan cansando
menos yo

no sé lo que esperaba
tenía miedo
pero el miedo me hacía escarbar
más y más deprisa
adelantando el momento del encuentro
el momento en que el diablo
agarrara mi muñeca
y me dijera a la cara
de una vez por todas
si existía el infierno y
si iba o no a llevarme

 
ANA PÉREZ CAÑAMARES
La alambrada de mi boca
Baile del Sol
(2007)

 

Quando eu era pequena
na hora do recreio
ia para o areeiro
e punha-me a escavar
as mãos como garras
cavando o buraco
para chegar até ao diabo 

o cabelo colado na testa
pelo suor
escavava escavava
meia hora por dia
de vez em quando alguém se chegava
deitava-me uma mão
e depois ia embora
todos acabavam por se cansar
menos eu 

não sei o que esperava
tinha medo
mas o medo fazia-me escavar
mais e mais depressa
antecipando o momento do encontro
o momento em que o diabo
me agarrasse no pulso
e me dissesse na cara
de uma vez por todas
se o inferno existia e
se ia ou não ia levar-me 

(Trad. A.M.)

.

30.8.24

Amalia Bautista (O incrédulo)




EL INCRÉDULO 

 

Me dice que no estoy enamorada,
y a veces me dan ganas de jurarle
que olvidaría el sol entre sus brazos,
o que quisiera estar besando siempre
sus labios, o que no me importa el tiempo
cuando me mira oscuro, fijo y loco.
Pero, ¿De qué me serviría tanto?
Sé que jamás creería una palabra.
 

Amalia Bautista 

[Emma Gunst]

 

 

Diz que não estou apaixonada
e a mim às vezes dão-me ganas de jurar-lhe
que eu esqueceria o sol nos seus braços,
ou que gostava de estar sempre a beijar-lhe
os lábios, ou que o tempo não me importa
quando me fita sombrio, parado e louco.
Mas de que me serviria isso,
nunca me ia acreditar?


(Trad. A.M.)

.

28.8.24

Nuno F. Silva (Dano colateral)




DANO COLATERAL

 

Um dia,
talvez este corpo
avariado

já não saiba
dar sinais.

Talvez a fome
se confunda
com saudade

E o sangue queira
nicotina
na ausência da paixão

A sonolência
não será mais
que uma secreta vontade
de abandono.


Nuno F. Silva

[Meia noite todo dia]

 

>>  Banquete poético (5p) / Jornal Tornado (5p)

.

26.8.24

Álvaro Mutis (Invocação)




INVOCACIÓN

 

¿Quién convocó aquí a estos personajes?
¿Con qué voz y palabras fueron citados?
¿Por qué se han permitido usar
el tiempo y la substancia de mi vida?
¿De dónde son y hacia dónde los orienta
el anónimo destino que los trae a desfilar frente a nosotros?

Que los acoja, Señor, el olvido.
Que en él encuentren la paz,
el deshacerse de su breve materia,
el sosiego a sus almas impuras,
la quietud de sus cuitas impertinentes.
No sé, en verdad, quiénes son,
ni por qué acudieron a mí
para participar en el breve instante
de la página en blanco.
Vanas gentes estas,
dadas, además, a la mentira.
Su recuerdo, por fortuna,
comienza a esfumarse
en la piadosa nada
que a todos habrá de alojarnos.
Así sea.

 
Álvaro Mutis 

[Tiberiades]

 

 

Quem chamou aqui estas personagens?
Com que voz e palavras foram citadas?
Porque se permitiram usar
o tempo e a substância da minha vida?
Donde são e para onde as leva
o anónimo destino que as traz a desfilar à nossa frente?
Que as receba, Senhor, o esquecimento,
que nele encontrem a paz,
o desfazer de sua breve matéria,
o sossego de suas almas impuras,
a quietude de suas coitas impertinentes.
Não sei, em verdade, quem são,
nem porque vieram a mim
a participar no breve instante 
da página em branco.
Gente vã esta,
dada ademais à mentira.
Sua lembrança, por sorte,
começa já a esfumar-se
no piedoso nada
que nos alojará a todos.
Assim seja.
 

(Trad. A.M.)

 .

25.8.24

Álvaro Cunqueiro (Dentro do peito)



En medio de su pecho los veleros habían armado una red tímida
que tenía una voz llena de lámparas y eclipses
y un párpado tejido por los vientos.

Ella seguía siendo universal y nítida.

Una garganta llena de distancias
era la flauta que encantaba los ecos olvidados
en el fondo de las corrientes marinas,
penetradas de cauces desde las islas negras de sus ojos.

Ella estaba lejos de todo. Todo estaba al lado suyo.

Álvaro Cunqueiro



Dentro do peito ela tinha uma rede tímida armada pelos veleiros
e uma voz cheia de lâmpadas e eclipses
e uma pálpebra tecida pelos ventos.

Continuava universal e nítida, ela.

Uma garganta cheia de distâncias
era a flauta que encantava os ecos olvidados
no fundo das correntes marinhas,
penetradas por leitos das ilhas negras de seus olhos.

Ela estava longe de tudo. Tudo estava à beira dela.


(Trad. A.M.)

.


23.8.24

Andrea Cohen (Silêncio)



SILENCE

 

Not an absence
of blackbirds

singing, but
na abundance

of blackbirds
listening.


Andrea Cohen

 


Não uma ausência
de melros

a cantarem, mas
uma abundância

de melros
a escutarem.


(Trad. FJCC)

.

21.8.24

Alfredo Buxán (Claro que)

 



Claro que se puede ser feliz y estar muy triste.
Como se puede ser el primero y llegar tarde.
Hablar al silencio y esperar una respuesta.
No dormir porque en el pecho hay pájaros con frío.
 

Alfredo Buxán 

[Palabras mal dichas]

  

Claro que se pode ser feliz e estar muito triste.
Como se pode ser o primeiro e chegar tarde.
Falar ao silêncio e esperar uma resposta.
Não dormir por ter dentro do peito pássaros com frio.
 

(Trad. A.M.)

 .

20.8.24

Aldo Luis Novelli (Sonho de mariposas)


 

SUEÑO DE MARIPOSAS

 

no soy Chuang-Tzú
soñando ser una mariposa
ni la increíble mariposa que sueña
ser Chuang-Tzú. 

soy el sapo que se comió la mariposa
en el instante onírico que se tocaron ambos seres
y de esa forma
le he evitado horas de diván a Chuang-Tzú
y serios problemas de identidad
a incalculables mariposas. 
 

Aldo Luis Novelli 

 

eu não sou Chuang-Tzú
sonhando ser mariposa
nem a incrível mariposa que sonha
ser Chuang-Tzú. 

eu sou o sapo que comeu a mariposa 
no instante onírico em que os dois seres se tocaram
e dessa forma
evitei horas de divã a Chuang-Tzú
e sérios problemas de identidade
a incontáveis mariposas. 

(Trad. A.M.)

 .

18.8.24

Paul Bailey (Herança)




INHERITANCE

 

Despair’s a curious thing to give a child.
It was my father’s gift to me
times beyond numbering.

He gave it casually, in frowns and sighs,
with never any cause for decoration
or fancy wrapping.

His silences were like fugues to me,
their resonance composed of other silences
too terrible for voicing.

That was his way with his youngest son
who had battled for life at the age of four
and was still surviving.

He’d earned his gloom in Flanders, in the mud.
This much I learned on his last night alive
when he couldn’t stop talking.


Paul Bailey



O desespero é algo curioso para oferecer a uma criança.
Foi, vezes inúmeras, a prenda
que o meu pai me deu.

Casualmente, franzindo a testa e suspirando,
não havendo razão nenhuma para enfeites
ou fazer um embrulho vistoso.

Os seus silêncios eram fugas para mim,
de ressonância composta por outros silêncios
demasiado terríveis para terem voz.

Tratava assim o seu filho mais novo
que aos quatro anos estivera a morrer
e andava ainda a sobreviver.

O pessimismo viera-lhe da Flandres, da lama.
Isso soube eu na última noite da sua vida
quando não conseguia deixar de falar.


(Trad. FJCC)

 

>>  Poetry Soup (4p) / Wikipedia

.


16.8.24

Alfonso Brezmes (Aqui)



 AQUI


Para llegar a este lugar,
a esta página,
tanto ha debido suceder
– sueños, sangre, dinastías,
palabras, armisticios, el amor
y el desamor, Shakespeare,
naves, luz, constelaciones-
que cuesta imaginarlo.
 
Cierra los ojos. Estás aquí.
Y basta.

Alfonso Brezmes

 

Para chegar a este lugar,
esta página,
tanto teve que acontecer
- sonhos, sangue, dinastias,
palavras, armistícios, o amor
e o desamor, Shakespeare,
naves, luz, constelações -
que até custa imaginar.

Fecha os olhos. Estás aqui.
E basta.


(Trad. A.M.)

.

15.8.24

Alberto Szpunberg (RALBN relê O Capital)




REB ARIEH LEIB BEN NAFTULE REPASA EL CAPITAL

 

Ahora me doy cuenta de que todo es como el movimiento del ojo en la lectura:
cuando se cierra a las letras, se abre a las palabras,
cuando se cierra a las palabras, se abre a la evidencia,
como un río que sólo permanece en tanto fluye:
al dar vuelta la página, el sentido de la escritura comienza:
no hay más victoria que los nuevos frentes que se abren,
no hay más respuesta que una nueva pregunta.

Alberto Szpunberg 

  

Agora me dou conta que tudo é como o olho na leitura,
quando se fecha às letras, abre-se às palavras,
quando se fecha às palavras, abre-se à evidência,
como um rio que só permanece enquanto flui;
ao virar a página, o sentido da escrita começa;
não há mais vitórias que as frentes novas que se abrem;
não há mais resposta que uma nova pergunta.


(Trad. A.M.)

.

13.8.24

Alexandre O' Neill (Animais doentes)




ANIMAIS DOENTES

 

Animais doentes as palavras
Também elas
Vespas formigas cabras
De trote difícil e miúdo
Gafanhotos alerta
Pombas vomitadas pelo azul
Bichos de conta bichos que fazem de conta
Pequeníssimas pulgas uma sílaba só
Lagartos melancólicos
Estúpidas galinhas corriqueiras
Tudo tão doente tão difícil
De manejar de lançar de provocar
De reunir
De fazer viver

Ou então as orgulhosas
Palavras raras
Plumas de cores incandescentes
Altos gritos no aviário
E o branco sem uso
Imaculado
De certas aves da solidão

Para dizer
Queria palavras tão reais como chamas
E tão precárias
Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte
No discurso de fogo
Logo extintas na combustão das próximas
Palavras que não esperassem
Em sal ou em diamante
O minuto ridículo precioso raro
De sangrar a luz a gota de veneno
Cativa das entranhas ociosas.

 

Alexandre  O’Neill

 .

11.8.24

Abelardo Linares (Além-túmulo)




TRASMUNDO



Más allá del deseo y su luz torpe,
más allá de la risa, al otro lado
de ese instante sin tiempo o la nostalgia,
lejos de la razón, de la locura,
más allá de mí mismo, de la vida,
tan inútil, tan vieja conocida,
más allá de estos sueños, de esta muerte:
tras de la sombra en llamas de tus ojos.

Abelardo Linares

  

Para além do desejo e da sua luz,
para além do riso, do outro lado
desse instante sem tempo ou saudade,
longe da razão, da loucura,
para além de mim mesmo, da vida,
tão inútil, tão velha conhecida,
para além dos sonhos, desta morte,
atrás da sombra em chamas de teus olhos.

(Trad. A.M.)

 .

10.8.24

Luis Ramos (Assim o silêncio)




Así el silencio,
libre ya de la voz,
entregado a la espuma de su mar,
                                                  dándose.

Ángel impar a la espera,
horizonte adentro,
más allá del sonido de otra orilla.


Luis Ramos

 

Assim o silêncio,
livre já da voz,
rendido à espuma do mar seu,
                                              a dar-se.

Anjo ímpar à espera,
horizonte adentro,
para além do som da outra margem.


(Trad. A.M.)


>>  Voces del extremo (11p) / Vallejo (7p) / Voces del extremo-2 (4p) / Moribundia (blogue) /Wikipedia


.

 


8.8.24

A.M. Pires Cabral (Musa de braço ao peito)




MUSA DE BRAÇO AO PEITO 

 

A minha musa anda de braço ao peito.
Tropeçou numa metáfora imprevista,
estatelou-se, fracturou um braço.
Por azar, o direito.

 O que quer dizer
que terá de passar a masturbar-me
com a mão esquerda. 

O que não sei se será a mesma coisa.

Um azar do caraças.


A.M.Pires Cabral

[Gazeta de poesia inédita]

 .

6.8.24

Adolfo González (Propõe Março)




PROPONE MARZO 

 

Escoger al azar un rayo de sol
y extender el brazo,
como el yonki ante la jeringuilla,
para inyectárselo en vena.
Dejar
que por dentro corra la luz
confundida con la sangre.
Que la luz y la sangre sean una misma cosa.
Y así —pura unidad—
sentir la vida.
………………Sentirla
como una inmensa, profunda, intensa felicidad.

 

Adolfo González

  

Escolher ao acaso um raio de sol
e estender o braço
como o drogado com a seringa
para meter para a veia.
Deixar
que por dentro corra a luz
misturada com o sangue.
Que a luz e o sangue sejam uma mesma coisa.
E assim – unidade pura –
sentir a vida.
               Senti-la
como imensa, profunda, intensa felicidade.

(Trad. A.M.)

.

5.8.24

Francisca Aguirre (A ordem)

 



EL ORDEN

 

Deberíamos hacer algo que no fuera morir,
pero a menudo se nos viene la muerte tan callando
que hasta pasado un tiempo no sabemos
que estamos habitando nuestro propio cadáver.
Si nos hubieran advertido,
si un gesto por lo menos nos hubiera indicado
la descomposición que nos poblaba,
tal vez hubiéramos luchado contra el lento enemigo.
Pero había un silencio como el orden,
un retirarse para volver luego,
un fluir de marea mesurada.
Nadie nos quiso dar la mala nueva,
nadie quiso advertirnos del desastre.
Tal vez porque la muerte me fue volviendo extraña
y las viejas palabras no bastaron
y sólo fue posible mirar, mirar cómo avanza la muerte.
Y ahora, del otro lado del silencio
yo contemplo también esa mirada,
ese ver que no pide sino asiste,
ese futuro sin futuro
y me pongo a llorar sobre la vida
diciéndome: Penélope,
deberíamos hacer algo que no fuera morir.

Francisca Aguirre

[Trianarts]

 

Deveríamos fazer algo que não fosse morrer,
mas vem-nos a morte amiúde tão calada
que até um tempo depois não sabemos
que estamos habitando o nosso próprio cadáver.
Se nos tivessem avisado,
se um gesto ao menos nos tivesse indicado
a decomposição que nos ameaçava,
talvez nós lutássemos contra o lento inimigo.
Mas havia um silêncio como ordem,
um retirar para voltar depois.
um fluir de maré comedida.
Ninguém nos quis dar a má nova,
ninguém quis avisar-nos do desastre.
Talvez porque a morte me foi tornando estranha
e as palavras antigas não bastaram
e só foi possível observar,
observar como a morte avança.
E agora, do outro lado do silêncio,
eu contemplo também esse olhar,
esse ver que não pede mas conforta,
esse futuro sem futuro,
e ponho-me a chorar sobre a vida,
dizendo para mim mesma: Penélope,
deveríamos fazer algo que não fosse morrer.


(Trad. A.M.)

.

3.8.24

Andrea Cohen (Epicentro)




EPICENTER

 

The statues were inconsolable.
Someone had taken

their heads, and they
coudn’t – in the grim

light see – wich way
they ‘d taken.

Andrea Cohen

 

As estátuas estavam inconsoláveis.
Alguém lhes levara

as cabeças e elas
não conseguiam – à luz

triste – ver por onde
tinham desaparecido.


(Trad. FJCC)


>>  Andrea Cohen (sítio) / Poetry Foundation (9p) / Poets (4p)

1.8.24

Raúl González Tuñón (A lua com gatilho)




LA LUNA CON GATILLO


Es preciso que nos entendamos.
Yo hablo de algo seguro y de algo posible.
Seguro es que todos coman
y vivan dignamente
y es posible saber algún día
muchas cosas que hoy ignoramos.
Entonces, es necesario que esto cambie.

El carpintero ha hecho esta mesa
verdaderamente perfecta
donde se inclina la niña dorada
y el celeste padre rezonga.
Un ebanista, un albañil,
un herrero, un zapatero,
también saben lo suyo.

El minero baja a la mina,
al fondo de la estrella muerta.
El campesino siembra y siega
la estrella ya resucitada.
Todo sería maravilloso
si cada cual viviera dignamente.

Un poema no es una mesa,
ni un pan,
ni un muro,
ni una silla,
ni una bota.

Con una mesa,
con un pan,
con un muro,
con una silla,
con una bota
no se puede cambiar el mundo.

Con una carabina,
con un libro,
eso es posible.

¿Comprendéis por qué
el poeta y el soldado
pueden ser una misma cosa?

He marchado detrás de los obreros lúcidos
y no me arrepiento.
Ellos saben lo que quieren
y yo quiero lo que ellos quieren:
la libertad, bien entendida.

El poeta es siempre poeta
pero es bueno que al fin comprenda
de una manera alegre y terrible
cuánto mejor sería para todos
que esto cambiara.

Yo los seguí
y ellos me siguieron.
¡Ahí está la cosa!

Cuando haya que lanzar la pólvora
el hombre lanzará la pólvora.
Cuando haya que lanzar el libro
el hombre lanzará el libro.
De la unión de la pólvora y el libro
puede brotar la rosa más pura.

Digo al pequeño cura
y al ateo de rebotica
y al ensayista,
al neutral
al solemne
y al frívolo,
al notario y a la corista,
al buen enterrador,
al silencioso vecino del tercero,
a mi amiga que toca el acordeón:
-Mirad la mosca aplastada
bajo la campana de vidrio.

No quiero ser la mosca aplastada.
Tampoco tengo nada que ver con el mono.
No quiero ser abeja.
No quiero ser únicamente cigarra.
Yo soy un hombre o quiero ser un verdadero hombre
y no quiero ser, jamás,
una mosca aplastada bajo la campana de vidrio.

Ni colmena, ni hormiguero,
no comparéis a los hombres
nada más que con los hombres.

Dadle al hombre todo lo que necesite.
Las pesas para pesar,
las medidas para medir,
el pan ganado altivamente,
la flor del aire,
el dolor auténtico,
la alegría sin una mancha.

Tengo derecho al vino,
al aceite, al Museo,
a la Enciclopedia Británica,
a un lugar en el ómnibus,
a un parque abandonado,
a un muelle,
a una azucena,
a salir,
a quedarme,
a bailar sobre la piel
del Último Hombre Antiguo,
con mi esqueleto nuevo,
cubierto con piel nueva
de hombre flamante.

No puedo cruzarme de brazos
e interrogar ahora al vacío.
Me rodean la indignidad
y el desprecio;
me amenazan la cárcel y el hambre.
¡No me dejaré sobornar!

No. No se puede ser libre enteramente
ni estrictamente digno ahora
cuando el chacal está a la puerta
esperando
que nuestra carne caiga, podrida.

Subiré al cielo,
le pondré gatillo a la luna
y desde arriba fusilaré al mundo,
suavemente,
para que esto cambie de una vez.

Raúl González Tuñón



Vamos lá entender-nos,
eu falo de algo seguro e de algo possível.
Seguro é que todos comam
e vivam dignamente,
possível saber um dia
coisas que hoje ignoramos.
Então, isto tem de mudar.

O carpinteiro fez esta mesa
rigorosamente perfeita
onde a nina dourada se inclina
e o pai do céu rezinga.
Um marceneiro, um pedreiro,
um ferreiro, um sapateiro,
também sabem do seu ofício.

O mineiro desce à mina,
ao fundo da estrela morta.
O camponês semeia e sega
a estrela ressuscitada.
Tudo seria maravilhoso
e cada um vivesse dignamente.

Um poema mesa não é,
nem um pão,
nem um muro, 
nem cadeira,
nem uma bota.

Com uma mesa,
um pão, um muro,
uma cadeira,
uma bota,
não se pode mudar o mundo.

Com uma carabina,
com um livro,
sim, é possível.

Estais a ver por que
o poeta e o soldado
podem ser a mesma coisa?

Pus-me a andar atrás dos operários
e não estou arrependido.
Eles sabem aquilo que querem
e eu quero o que eles querem,
a liberdade bem entendida.

O poeta é sempre poeta
mas é bom que comoreenda
de um modo alegre e terrível
quão melhor seria para todos
que tudo isto mudasse.

Eu segui-os a eles
e eles seguiram-me a mim, 
lá está!

Quando tiver de lançar a pólvora
o homem lançará a pólvora.
Quando houver de lançar o livro
o homem lançará o livro.
Da união da pólvora e livro
pode brotar a rosa mais pura.

Digo ao pequeno cura
e ao ateu de botica
e ao ensaísta,
ao neutral
ao solene 
e ao frívolo,
ao notário e à corista,
ao bom coveiro,
ao vizinho calado do terceiro,
à minha amiga que toca acordeão:
- Olhai para a mosca esmagada
debaixo do sino de vidro.

Eu não quero ser a mosca esmagada,
nem tenho sequer nada a ver com o macaco,
não quero ser a abelha,
nem tão somente a cigarra.
Eu sou um homem e quero ser
um verdadeiro homem
e não quero ser, jamais,
uma mosca esmagada debaixo do sino de vidro.

Nem colmeia, nem formigueiro,
não compareis os homens
a não ser com os homens.

Dai ao homem o que precise,
os pesos para pesar,
as medidas para medir,
o pão ganho altivamente,
a flor do vento,
a dor autêntica,
a alegria sem mancha.

Tenho direito ao vinho,
ao azeite, ao Museu,
â Enciclopédia Britânica,
a um lugar no autocarro,
a um parque abandonado,
a um cais,
a uma açucena,
a sair,
a ficar,
a bailar sobre a pele
do Último Homem Antigo,
com meu esqueleto novo,
coberto de pele nova
de homem flamante.

Não posso cruzar os braços
e interrogar o vazio.
Cercam-me a indignidade
e o desprezo;
ameaçam-me a fome e o cárcere.
Não me deixarei subornar!

Não, não se pode ser livre inteiramente
nem estritamente digno, agora
que o chacal está à porta
esperando
que a nossa carne caia, apodrecida.

Hei-de subir ao céu,
armar o gatilho à lua,
e lá de cima fuzilarei o mundo,
suavemente,
para que isto mude de uma vez.

(Trad. A.M.)

.