16.9.23

Cesário Verde (Lúbrica)





LÚBRICA

 

Mandaste-me dizer, 
No teu bilhete ardente, 
Que hás de por mim morrer, 
Morrer muito contente.  

Lançaste, no papel 
As mais lascivas frases; 
A carta era um painel 
De cenas de rapazes!  

Ó cálida mulher, 
Teus dedos delicados 
Traçaram do prazer 
Os quadros depravados!  

Contudo, um teu olhar 
É muito mais fogoso, 
Que a febre epistolar 
Do teu bilhete ansioso:  

Do teu rostinho oval 
Os olhos tão nefandos 
Traduzem menos mal 
Os vícios execrandos. 

Teus olhos sensuais, 
Libidinosa Marta, 
Teus olhos dizem mais 
Que a tua própria carta.  

As grandes comoções 
Tu neles, sempre, espelhas; 
São lúbricas paixões 
As vívidas centelhas...  

Teus olhos imorais, 
Mulher, que me dissecas, 
Teus olhos dizem mais 
Que muitas bibliotecas! 
 

Cesário Verde

 .