28.2.19

José Hierro (Luz de tarde)




LUZ DE TARDE



Me da pena pensar que algún día querré
ver de nuevo este espacio,
tornar a este instante.
Me da pena soñarme rompiendo mis alas
contra muros que se alzan e impiden
que pueda volver a encontrarme.

Estas ramas en flor que palpitan y rompen alegres
la apariencia tranquila del aire,
esas olas que mojan mis pies de crujiente hermosura,
el muchacho que guarda en su frente la luz de la tarde,
ese blanco pañuelo caído tal vez de unas manos,
cuando ya no esperaban que un beso de amor las rozase…

Me da pena mirar estas cosas, querer estas cosas,
guardar estas cosas.
Me da pena soñarme volviendo a buscarlas,
volviendo a buscarme,
poblando otra tarde como esta de ramas que guarde en mi alma,
aprendiendo en mí mismo que un sueño
no puede volver otra vez a soñarse.

José Hierro



Dá-me pena pensar que um dia quererei
ver de novo este espaço,
tornar a este instante.
Dá-me pena sonhar que parto as asas
contra muros que se erguem
e não me deixam voltar a encontrar-me.

Estes ramos em flor que rasgam alegres
a aparência tranquila do ar,
essas ondas que me molham os pés de beleza,
o moço que guarda na fronte a luz da tarde,
esse lenço branco caído talvez de umas mãos,
quando não esperavam já o toque de um beijo de amor…

Dá-me pena olhar estas coisas, querer estas coisas,
guardar estas coisas.
Dá-me pena sonhar que volto a buscá-las,
que volto a buscar-me,
povoando outra tarde como esta de ramos que guarde na alma,
aprendendo em mim mesmo que um sonho
não pode voltar outra vez a sonhar-se.

(Trad. A.M.)



27.2.19

Adélia Prado (Missa das 10)





MISSA DAS 10



Frei Jácomo prega e ninguém entende.
Mas fala com piedade, para ele mesmo
e tem mania de orar pelos paroquianos.
As mulheres que depois vão aos clubes,
os moços ricos de costumes piedosos,
os homens que prevaricam um pouco em seus negócios
gostam todos de assistir a missa de frei Jácomo,
povoada de exemplos, de vida de santos,
da certeza marota de que ao final de tudo
urna confissão "in extremis" garantirá o paraíso.
Ninguém vê o Cordeiro degolado na mesa,
o sangue sobre as toalhas,
seu lancinante grito,
ninguém.
Nem frei Jácomo.


Adélia Prado

[Antonio Miranda]

.


26.2.19

Sara Zapata (O essencial)





LO ESENCIAL



Nos empeñamos en entenderlo todo,
en etiquetar cuanto nos rodea,
aquí un árbol, un vaso, un puente,
aquí costumbre, alegría, amor, sexo.
Todo bien marcado,
estableciendo límites difusos
para darle sentido al absurdo de la vida.
Pero no todo se entiende;
yo no entiendo el canto de los pájaros,
el sonido del río,
el lenguaje de tus abrazos,
no los entiendo y, sin embargo,
me llenan de calma.
Hoy a ti en algún lugar
te brotaron lágrimas
y yo, a kilómetros de distancia,
me empapé de llanto.
Debe ser eso que llaman
"efecto mariposa",
y que tampoco entiendo,
pero siento.
Quizá fuera mejor
entender menos
y sentir más.

Sara Zapata




Empenhamo-nos em entender tudo,
etiquetar quanto nos rodeia,
aqui uma árvore, um copo, uma ponte,
aqui costume, alegria, amor e sexo.
Tudo bem enquadrado,
desenhando limites difusos
para dar um sentido ao absurdo da vida.
Mas nem tudo se entende;
eu não entendo o canto dos pássaros,
o murmúrio do rio,
a linguagem dos teus abraços,
não entendo e, todavia,
enchem-me de calma.
Hoje a ti algures
saltaram-te as lágrima
e eu, a quilómetros de distância,
fiquei enchumbada de pranto.
Deve ser isto que chamam
‘efeito borboleta’,
e que eu tão pouco entendo,
mas sinto.
Melhor seria talvez
entender menos
e sentir mais.

(Trad. A.M.)



>>  Poetas siglo XXI (10p) / Se canta lo que se pierde (blogue)

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25.2.19

José Emilio Pacheco (Outra homenagem ao mau gosto)





OTRO HOMENAJE A LA CURSILERÍA



Me preguntas por qué de aquellas tardes
en que inventamos el amor no queda
un solo testimonio, un triste verso.
(Fue en otro mundo: allí la primavera
lo devoraba todo con su lumbre.)
Y la única respuesta es que no quiero
profanar el amor invulnerable
con oblicuas palabras, con ceniza
de aquella plenitud, de aquella lumbre.

José Emilio Pacheco




Perguntas-me porque não resta
um só indício, um triste verso,
daquelas tardes em que inventámos o amor.
(Foi noutro mundo, onde a Primavera
tudo devorava com seu fogo).
E a resposta é que eu não quero
profanar esse amor invulnerável
com oblíquas palavras, com a cinza
dessa plenitude, desse fogo.

(Trad. A.M.)


24.2.19

Giuseppe Ungaretti (Despedida)





COMMIATO



Gentile 
Ettore Serra
poesia
è il mondo l’umanità
la propria vita
fioriti dalla parola
la limpida meraviglia
di un delirante fermento

Quando trovo
in questo mio silenzio
una parola
scavata è nella mia vita
come un abisso

Giuseppe Ungaretti




Gentil
Ettore Serra
poesia
é o mundo a humanidade
a própria vida
enfeitados da palavra
a límpida maravilha
de um delirante fermento

Quando acho
em meu silêncio 
uma palavra
ela é escavada na vida minha
como um abismo

(Trad. A.M.)





>>  Escritas (muitos p/ orig.>trad.) / Escamandro (idem) / Modo de usar (alguns p/ orig.>trad.) / Club (18p) / Poesie d'autore (10p)

.

23.2.19

José Daniel Espejo (Tu contra os Beatles)




TÚ CONTRA LOS BEATLES


Ama tu vida. Ama tu trabajo.
Ama la libertad. Ama (ésta sí que es buena)
la literatura. Ama las puestas de sol.
Ama algo. La Cámara de Comercio
de Nueva York tuvo un eslogan
muy parecido, buy something,
en un período de recesión. Ama,
esto o lo otro. Ámalo todo, dicen
un poco como Moisés
cuando bajó de las alturas. Pero resulta
que amar una cosa implica odiar otra,
que nunca es gratis. A mí me pasa
cuando me miro al espejo
y noto el desequilibrio, el vaso
que se vacía sobre otro
que ya estaba lleno. Y no te cuento
lo que pasaba, cuando te quería
con esa misma imagen. Pero está bien:
el amor, el odio, dibujando
figuras en blanco y negro
cuando son de verdad, tatuando
frases para siempre en la fina piel
de nuestro corazón, que es el único
autorizado para dar consejos
tipo ama el bosque, ama tu ciudad
etcétera, etcétera. Y que apenas los da
porque sabe de lo que habla.


José Daniel Espejo

[Insolitos]




Ama tua vida. O teu trabalho.
Ama a liberdade. Ama (esta é boa)
a literatura. Os pôres do sol.
Ama algo. A Câmara de Comércio de
Nova Iorque teve um lema
algo parecido (compre alguma coisa)
num período de recessão. Ama,
isto ou aquilo. Ama tudo, dizem
como Moisés quando desceu do alto.
Só que amar uma coisa implica odiar
outra, que nunca é grátis. A mim acontece-me
quando me miro ao espelho
e reparo no desequilíbrio, o copo
que se vasa em outro
já cheio. E nem te conto
o que se dava, quando te amava
com essa mesma imagem. Mas está bem,
o amor, o ódio, desenhando
figuras a preto e branco
quando são de verdade, tatuando-nos
frases para sempre na fina pele
do coração, único autorizado
a dar conselhos
tipo ama a floresta, ama a tua terra,
etc. etc. E que só os dá
porque sabe do que fala.


(Trad. A.M.)


22.2.19

José Corredor-Matheos (Carta a Li Po)




CARTA A LI PO
        (fragmento)


Escribir un poema
que nada signifique.
Salir a la terraza,
respirar en la noche,
no esperar que alguien vuelva,
no desear ya nada.
Abrir sólo las manos
y que de entre los dedos
alcen el vuelo, mudas,
asombradas palabras.


José Corredor-Matheos

[Apología de la luz]



Escrever um poema
que nada signifique.
Sair para o terraço,
a respirar na noite,
não esperar que alguém volte
não desejar nada já.
Abrir só as mãos
e que de entre os dedos
ergam voo, mudas,
assombradas palavras.

(Trad. A.M.)


21.2.19

A.M.Pires Cabral (Hora do poente)





HORA DO POENTE



Na hora do poente
há mais melancolia e mais sigilo
no quase nocturno voo das aves.

Como se a penumbra
lhes censurasse as asas.

Como se a grande apoteose do ocaso
fosse um presságio do fim
de todas as coisas.

Como se a noite fosse ainda mais escura
do que a escuridão em que se enrola.

Como se o dia desembocasse
na morte directamente,
sem passar primeiro pelos portais da noite.


A.M.PIRES CABRAL
Gaveta do Fundo
(2013)

20.2.19

Pablo Albornoz (O hóspede)






EL HUÉSPED



Me pide que escriba
que haga algo
con las palabras
que no duermen
de noche

Pablo Albornoz




Diz-me que escreva
que faça algo
com as palavras
que não dormem
de noite

(Trad. A.M.)



.

19.2.19

José Antonio Labordeta (Os caminhos)





LOS CAMINOS



Los caminos se hacen vertiginosos
los días en que el viejo patriarca
deambula por los largos pasillos
de la casa arruinada.
Como puros fantasmas
los hijos contemplamos
la terrible debacle de la historia.
Ni una pequeña alegría
en el destartalado balcón
de los vecinos.
Solo el tiempo victorioso
en los ojos amargos del recuerdo.

José Antonio Labordeta




Os caminhos tornam-se vertiginosos
nos dias em que o velho patriarca
deambula pelos longos corredores
da casa arruinada.
Como puros fantasmas
nós filhos contemplamos
a terrível derrocada da história.
Nem uma alegriazita
na desconjuntada varanda
dos vizinhos.
Só o tempo vitorioso
nos olhos amargos da memória.

(Trad. A.M.)

18.2.19

Ana Hatherly (O coração)





O coração é como um fruto
cresce
amadurece
mas não cai.
Se alguém o quiser
não morre


Ana Hatherly

.

17.2.19

José Antonio Fernández Sánchez (Esta luz)





ESA LUZ



Llega al fin esa luz que es del otoño:
es un legado en su actitud más pura.

No sé de tiempo más feliz que ahora,
cuando lo vegetal adquiere el tono
degradado, rendido a la intemperie;
esa tonalidad de tierra muerta,
como óxido teñido que la lluvia
maneja a su manera.

Pronto vendrán caminos cargados de hojas secas
y un aire fresco exacto y diferente.

El sol ya apenas hiere, y los sonidos
que vienen de la calle son más lentos;
llevan un ritmo acorde con la vida.

Trae el otoño luz.
Luz transitoria. Luz anunciadora.
Hondo recinto al cual el fiel se acoge.


José Antonio Fernández Sánchez

[Susana Benet]




Chega por fim essa luz do outono,
um legado em sua atitude mais pura.

Não sei de tempo mais feliz que este,
quando o vegetal adquire um tom
degradado, como rendido à intempérie;
essa tonalidade de terra morta,
como óxido tingido que a chuva
leva à sua maneira.

Breve virão os caminhos coalhados de folhas secas
e um arzinho fresco, diferente.

O sol já mal fere, e os sons
que chegam da rua são mais lentos;
ganham um ritmo conforme com a vida.

Traz o outono sua luz,
luz transitória, luz anunciadora.
Fundo recinto a que o fiel se acolhe.


(Trad. A.M.)

16.2.19

José Ángel Valente (Um canto)




UN CANTO


Quisiera un canto
que hiciera estallar en cien palabras ciegas
la palabra intocable.
Un canto.
Mas nunca la palabra como ídolo obeso,
alimentado
de ideas que lo fueron y carcome la lluvia.

La explosión de un silencio.

Un canto nuevo, mío, de mi prójimo,
del adolescente sin palabras que espera ser
nombrado,
de la mujer cuyo deseo sube
en borbotón sangriento a la pálida frente,
de éste que me acusa silencioso,
que silenciosamente me combate,
porque acaso no ignora
que una sola palabra bastaría
para arrasar el mundo,
para extinguir el odio
y arrasarnos…


José Ángel Valente

[Life vest under your seat]




Queria um canto
que fizesse a palavra intocável
explodir em cem palavras cegas.
Um canto.
Mas nunca a palavra como ídolo obeso,
alimentado
de ideias que a chuva carcome.

A explosão de um silêncio.

Um canto novo, meu, próximo,
do adolescente sem palavras que espera ser
nomeado,
da mulher cujo desejo sobe
em borbotões de sangue à pálida fronte,
desse que me acusa em silêncio,
que silenciosamente me combate,
porque acaso não ignora
que uma só palavra bastaria
para arrasar o mundo,
para extinguir o ódio
e nos arrasar.


(Trad. A.M.)


15.2.19

Jaime Salazar Sampaio (Evasão)





EVASÃO



abriu uma porta. dava perigosamente para a rua.
como não queria sair, tornou a fechá-la
com o maior cuidado.
e durante anos andou a dizer aos amigos,
pelos cafés:
- ar livre! eu tenho necessidade de ar livre.


JAIME SALAZAR SAMPAIO            
O Viajante Imóvel
Plátano Editora (1979)

 .

14.2.19

José Alcaraz (Poema estampado)





POEMA TROQUELADO



Si oyes un ruido como de lluvia en la ventana,
si cruje la madera de la puerta
y una luz temblorosa se filtra por debajo,
si hace frío de pronto alrededor,
soy yo de nuevo
queriendo entrar, el pelma ese de la tristeza,
de la muerte y la vida solitaria;
y, para colmo, en verso.
No me eches;
no puedes, ni siquiera parando tu lectura:
por mucho que apartases la mirada,
jamás te negaría la palabra, ya escrita
sin remisión aquí.
Porque aun marchándote
lejos de este poema, yo ―vitalista, eufórico, imparable―
diría, como ves, que en todo adiós hay muerte,
tristeza y soledad.
Y es que además
seguiría la lluvia llamando a tu ventana,
seguiría el crujido de la puerta,
seguiría filtrándose una luz,
seguiría este frío,
seguiría escribiendo.

José Alcaraz





Se ouvires um barulho como de chuva nos vidros,
se a madeira da porta ranger
e uma luz trémula se coar por debaixo,
se fizer feio em volta de repente,
sou eu de novo
querendo entrar, o chato da tristeza,
da morte e da vida solitária;
e para cúmulo em verso.
Não me ponhas fora;
não podes, nem mesmo que pares de ler:
por muito que afastasses o olhar,
jamais te negaria a palavra, escrita já
sem remissão aqui.
Porque mesmo fugindo para longe
deste poema, eu diria - vitalista, eufórico, imparável -
como vês, que em todo o adeus há morte,
tristeza e solidão.
E além disso
a chuva continuaria a chamar nos vidros,
assim como o ranger da porta,
e a luz a coar-se,
continuaria este frio
e eu continuaria a escrever.

(Trad. A.M.)


13.2.19

Juan Manuel Bonet (Espera em Wilanow)





ESPERA EM WILANOW



Por el canal entre hojas muertas
se desliza el cielo de octubre,
tan alto como el sonido
de tus pasos dentro de mí.
En la otra ribera, una carreta
avanza. Un pájaro pesca.
Mientras te espero, retengo
en mis ojos los elementos
que hoy, después de tanto tiempo,
componen este poema.

Juan Manuel Bonet




Pelo canal entre folhas mortas
desliza o céu de outubro,
tão alto como o som
de teus passos dentro de mim.
Na outra margem, uma carreta
avança. Um pássaro pesca.
Enquanto te espero, retenho
em meus olhos os elementos
que hoje, passado tanto tempo,
compõem este poema.

(Trad. A.M.)


>>  Cervantes (bio) / Crisis de papel (crítica) / Wikipedia



12.2.19

Almada Negreiros (Momento de poesia)




MOMENTO DE POESIA



Se escrevo ou leio ou desenho ou pinto,
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar pra diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito.
(Tão gémeos são
a fadiga e a satisfação!)
Em troca, se vou por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo tão bem o que não me diz respeito,
sinto-me tão chefe do que está fora de mim,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos de uma aflição que não é minha,
que, sinceramente, não sei qual é melhor:
se estar sozinho em casa a dar à manivela da vida,
se ir por aí a ser o Rei de tudo o que não é meu.



Almada Negreiros

[Otra iglesia]


11.2.19

José Agustín Goytisolo (Assim são)





ASÍ SON



Su profesión se sabe es muy antigua
y ha perdurado hasta ahora sin variar
a través de los siglos y civilizaciones.
No conocen vergüenza ni reposo
se emperran en su oficio a pesar de las críticas
unas veces cantando
otras sufriendo el odio y la persecución
más casi siempre bajo tolerancia.
Platón no les dio sitio en su República.
Creen en el amor
a pesar de sus muchas corrupciones y vicios
suelen mitificar bastante la niñez
y poseen medallones o retratos
que miran en silencio cuando se ponen tristes.
Ah curiosas personas que en ocasiones yacen
en lechos lujosísimos y enormes
pero que no desdeñan revolcarse
en los sucios jergones de la concupiscencia
sólo por un capricho.
Le piden a la vida más de lo que ésta ofrece.
Difícilmente llegan a reunir dinero
la previsión no es su característica
y se van marchitando poco a poco
de un modo algo ridículo
si antes no les dan muerte por quién sabe qué cosas.
Así son pues los poetas
las viejas prostitutas de la Historia.

José Agustín Goytisolo




A profissão é muito antiga, como se sabe,
e perdura até hoje sem grandes mudanças
por séculos e civilizações.
Não conhecem vergonha nem repouso,
agarram-se ao ofício apesar das críticas
umas vezes cantando
outras sofrendo ódios e perseguições,
mas quase sempre à sombra da tolerância.
Platão não lhes deu lugar na República.
Crêem no amor
apesar de seus vícios e corrupções,
em geral mitificam a infância
e usam medalhões e retratos
que contemplam silenciosos quando ficam tristes.
Ah, curiosas pessoas que se deitam às vezes
em leitos enormes e de grande luxo,
mas não desdenham revolver-se
nas enxergas infectas da concupiscência
por mero capricho.
À vida pedem mais do que ela oferece,
não chegando a juntar dinheiro,
por falta de previsão,
vão murchando pouco a pouco
se a morte não os atinge primeiro numa curva qualquer.
Assim são os poetas,
essas velhas prostitutas da História.

(Trad. A.M.)
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10.2.19

Montserrat Álvarez (Para saber andar)





PARA SABER ANDAR



Anda como anda el maestro, maestro del andar
procura no mostrar tu casta lengua
Anda como anda el maestro
no agaches ante nada la cabeza
Anda como anda el maestro
guárdate tus palabras mientras puedas
si no lo hicieres, pisa igual con fuerza
Anda como anda el maestro
miedo rabia temor no te detengan
alta la frente ligeras las piernas
mira adelante ten la espalda enhiesta
El odio sonreirá si le sonríes
Los hombres necesitan la belleza
Anda como anda el maestro
que no te haga flaquear ninguna ofensa
Anda como anda el maestro, maestro del andar
No dejes que te pisen,
pero no odies jamás.

Montserrat Álvarez




Anda como anda o mestre, mestre de andar
tenta não mostrar a língua
Anda como o mestre
náo baixes a cabeça a nada
Anda como anda o mestre
poupa as palavras o mais que possas
senão pisa na mesma com força
Anda como anda o mestre
medo raiva e temor não te detenham
testa ao alto as pernas ligeiras
olhar em frente as costas direitas
O ódio sorrirá se tu lhe sorrires
Os homens precisam da beleza
Anda como anda o mestre
sem fraquejar com ofensas
Anda como anda o mestre, mestre de andar
Não te deixes pisar,
mas não odeies nunca.


(Trad. A.M.)



>>  Dama satan (blogue) / Emma Gunst (tag) / Taringa (7p) / Poetas siglo XXI (16p) / Cuadernos  (enquadramento) / Cervantes (idem)

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9.2.19

João Cabral de Melo Neto (Tecendo a manhã)





TECENDO A MANHÃ



Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

[Trianarts]



8.2.19

Jorge Teillier (Blue)




BLUE



Veré nuevos rostros
Veré nuevos días
Seré olvidado
Tendré recuerdos
Veré salir el sol cuando sale el sol
Veré caer la lluvia cuando llueve
Me pasearé sin asunto
De un lado a otro
Aburriré a medio mundo
Contando la misma historia
Me sentaré a escribir una carta
Que no me interesa enviar
O a mirar los niños
En los parques de juego.
Siempre llegaré al mismo puente
A mirar el mismo rio
Iré a ver películas tontas
Abriré los brazos para abrazar el vacío
Tomaré vino si me ofrecen vino
Tomaré agua si me ofrecen agua
Y me engañaré diciendo:
“vendrán nuevos rostros
vendrán nuevos días”.

Jorge Teillier

[Life vest under your seat]




Verei novas caras
Verei novos dias
Serei esquecido
Terei recordações
Verei aparecer o sol quando estiver sol
Verei cair a chuva quando chover
Passearei sem assunto
de um lado para o outro
Chatearei meio mundo
contando a mesma história
Sentar-me-ei a escrever uma carta
que não me interessa enviar
ou a contemplar as crianças
nos parques infantis.
Irei sempre à mesma ponte
observar o mesmo rio
Irei ver filmes tontos
Abrirei os braços para abraçar o vazio
Tomarei vinho se vinho me oferecerem
tomarei água se água me derem
e iludir-me-ei dizendo:
‘virão novas caras
virão novos dias’.


(Trad. A.M.)
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7.2.19

Jacobo Rauskin (Confissão)




CONFESIÓN



Soñar es dulce;
no amar amargo.
Por eso, yo no quiero
vivir sino en la periferia
confusa de mi sueño.
Rozando, a veces, la vigilia
y, a veces, algún cuerpo.

Jacobo Rauskin



Sonhar é doce
e amargo não amar.
Por isso, eu não quero
viver senão na borda
confusa de meu sonho.
Às vezes, roçando a vigília,
outras vezes, algum corpo.

(Trad. A.M.)




>>  Portal guarani (tudo+algo) / Escritura y Pensamiento (15p) / Circulo de poesia (11p) / La poesia (7p) / Wikipedia

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6.2.19

Adélia Prado (Ensinamento)




ENSINAMENTO



Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.


Adélia Prado

5.2.19

Jorge Riechmann (Elogio da recém-nascida)





ELOGIO DE LA RECIENNACIDA



Pájaro que se deja caer como una piedra
Piedra que se echa a volar como un pájaro

El aire es tan tenue como la esperanza:
te sostiene

Vas a volar muy adentro
Vas a ser la más amada.


Jorge Riechmann

[Apología de la luz]




Pássaro que se deixa cair como pedra
Pedra que se põe a voar como pássaro

O ar tão ténue como a esperança:
sustém-te

Hás-de voar muito adentro
Hás-de ser a mais amada.

(Trad. A.M.)

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4.2.19

Jorge Luis Borges (Arte poética)






ARTE POÉTICA



Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.

Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.

Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años
en una música, un rumor y un símbolo.

Ver en la muerte el sueño, en el ocaso
un triste oro, tal es la poesía
que es inmortal y pobre. La poesía
vuelve como la aurora y el ocaso.

A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.

Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Ítaca
verde y humilde. El arte es esa Ítaca
de verde eternidad, no de prodigios.

También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable.


Jorge Luis Borges





Olhar o rio feito de tempo e água
e lembrar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que também os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha não sonhar e que a morte
que a nossa carne teme é essa morte
de cada noite, chamada sonho.

Ver no dia ou ano um símbolo
dos dias do homem e de seus anos,
fazer do ultraje dos anos
uma música, um símbolo, um rumor,

Ver na morte o sonho, no ocaso
um ouro triste, tal a poesia
que é imortal e pobre. A poesia,
que volta como o ocaso e a aurora.

Às vezes de tarde uma cara
olha para nós do vidro de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela a nossa própria cara.

Dizem que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao avistar sua Ítaca
humilde e verde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, não de prodígios.

E é também como o rio interminável
que passa e fica e é espelho de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e outro, como o rio interminável.


(Trad. A.M.)

.





3.2.19

Luís Filipe Castro Mendes (Camões na Índia-2)




CAMÕES NA ÍNDIA-2


Penso nele sem acrimónia.
O mundo que o português criou
foi tão mau ou tão bom como o mundo
que o resto da Humanidade foi criando.

Sonharmo-nos Império?
Mas todos os grandes o fizeram:
o Camões, o Vieira, o Pessoa,
até Cesário de um certo modo,
nas nossas ruas ao anoitecer...

Só Pessanha viu ao certo o que finalmente ficou de nós:
pedras, conchinhas, pedacinhos de osso...


Luís Filipe Castro Mendes


2.2.19

José A. Ramírez Lozano (Gelado de lágrimas)





HELADO DE LÁGRIMAS



Hay que ir guardando las lágrimas
durante todo el invierno en dos frasquitos.
En uno pondremos las lágrimas del llanto;
en otro, las de la risa.
No os fiéis de los que venden en las heladerías;
son de lágrimas falsas, importadas de Egipto,
lágrimas de cocodrilo.

Mejores son las caseras:
las de la abuela
cuando cumple años,
o las de papá
cuando corta cebolla.

Batir luego con azucar
y aguardar a que cuajen en el congelador.

El helado de lágrimas de risa
sabe a sombrilla mandarina.

El de lágrimas de llanto, a flor de penumbra.


José A. Ramírez Lozano

[Trianarts]




Temos de ir guardando no Inverno
as lágrimas em dois frascos;
num põem-se as lágrimas do pranto,
noutro as do riso.

Mas não vos fieis daquilo que vendem
nas gelatarias;
são de lágrimas falsas, que vêm do Egipto,
lágrimas de crocodilo.

São melhores as caseiras,
as da avó,
quando faz anos,
ou as do papá
quando parte cebola.

Batem-se depois com açúcar
e espera-se que coalhem no congelador.

O gelado de lágrimas de riso
sabe a tangerina.

O de lágrimas de pranto
a flor de penumbra.

(Trad. A.M.)



>> José A. Ramirez Lozano (blogue)  Wikipedia

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1.2.19

Hilario Barrero (Final)




FINAL


Carbonizados,
algunos morirán consumidos de fuego,

cegados por las algas de la noche,
otros verán en la profundidad del mar,

los elegidos, ceniza numerada,
arderán para siempre
porque el amor borró sus nombres,

tú y yo que hemos sido agua,
viento y fuego enamorado
seremos un olvido.
Solo uno.

Hilario Barrero



Carbonizados,
alguns morrerão consumidos por fogo,

cegados pelas algas da noite,
outros verão lá no fundo do mar,

os eleitos, cinza numerada,
arderão para sempre
porque o amor apagou-lhes os nomes,

tu e eu que fomos água,
vento e fogo apaixonado
seremos um olvido.
Um só.

(Trad. A.M.)


>>  Hilario Barrero (blogue) / La ultima mirada / Repoelas (8p) /Circulo de poesia (13p) / Wikipedia

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