(Um lençol esburacado)
O monte lembrava um lençol esburacado.
Se a neve derretera aqui, conservava-se emaçarocada além, à
volta de sargaços e tojeiras e onde quer que houvesse farfalha.
O sol, às vezes, vinha uma nuvem e cobria-se.
Mas ele voltava a correr alegre e ruivo pelo mundo, mais
bonito que o novilho duma vaca ratinha, ainda mamão, a pinchar no prado.
As águas desciam dos altos tagarelas como nunca, e pelas
eiras os passarinhos debicavam, muito grulhas, as espigas esbanjadas pelos
palheireiros.
Havia nuvens e mais nuvens no céu, brancas, rebolonas, em
bandos.
Tocava-as um ventinho repontão, e davam ideia de belros de
ovelha, carmeados, antes de enfardar.
O mundo era como Lázaro ao atirar com a mortalha aos quintos.
Por toda a parte, caminhos, matos e árvores, a neve
derretia.
Pinheiros e carvalhos, se do lado do poente continuavam
cabisbaixos e oprimidos pelo seu peso, à outra banda erguiam já ramos
desembaraçados.
A morte branca rodara por esta vez.
AQUILINO RIBEIRO
O Malhadinhas
(1958)
O Malhadinhas
(1958)
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