31.5.18

Ana Pérez Cañamares (As poetas)





LAS POETAS



Nosotras no somos malditas
somos desgraciadas
depresivas, putas
suicidas, locas
reprimidas
alcohólicas
ignoradas

Nosotras no somos malditas
- que tiene un matiz heroico, romántico
que rima con rebelde y con elegido

Nosotras no somos malditas
tampoco podremos ser benditas

Nosotras somos la excepción
de la excepción
y todos los adjetivos
se quedan cortos
o pasan de largo


Ana Pérez Cañamares

[Las maneras de recogerse el pelo]




Nós não somos malditas
somos desgraçadas,
depressivas, putas
suicidas, loucas
reprimidas
alcoólicas
ignoradas

Nós não somos malditas
- que tem um matiz heróico, romântico
a rimar com rebelde e com escolhido

Nós não somos malditas
mas tão pouco seremos benditas

Nós somos a excepção
da excepção
e todos os adjectivos
ficam curtos
ou passam de largo


(Trad. A.M.)
.

30.5.18

Agustina Bessa-Luís (Maus poetas)






(Maus poetas)



Mas os maus poetas são em geral bons críticos; porque o que lhes impede a inspiração é a própria impertinência da justiça. (I)




AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)


.

29.5.18

Sara Mesa (Palavras)






PALABRAS



A través de tu lengua penetro
en tu azulado mundo,
ineludiblemente soldado a tus palabras
como las pardas hojas del otoño
al discurrir crujiente de los días.

Sara Mesa




Pela tua língua penetro
em teu azulado mundo,
cosido às tuas palavras
como as pardas folhas de outono
ao curso rangente dos dias.

(Trad. A.M.)

.

28.5.18

Alejandra Pizarnik (Encontro)





ENCUENTRO



Alguien entra en el silencio y me abandona.
Ahora la soledad no está sola.
Tú hablas como la noche.
Te anuncias como la sed.


Alejandra Pizarnik

[Apología de la luz]





Alguém entra no silêncio e me abandona.
Agora não está só a solidão.
Tu falas como a noite
E como a sede te anuncias.

(Trad. A.M.)

.

27.5.18

Vasco Graça Moura (No obscuro desejo)






no obscuro desejo,
no incerto silêncio,
nos vagares repetidos,
na súbita canção

que nasce como a sombra
do dia agonizante,
quando empalidece
o exterior das coisas,

e quando não se sabe
se por dentro adormecem
ou vacilam, e quando
se prefere não chegar

a sabê-lo, a não ser,
pressentindo-as, ainda
um momento, na aresta
indizível do lusco-fusco.


Vasco Graça Moura


.

26.5.18

Aldo Luis Novelli (Chamada)






CHAMADA



Um pássaro negro, pousado na lua,
chama por mim, na orla do deserto...

Vou beber com ele,
estrelas líquidas,
mulheres impossíveis.


Aldo Luis Novelli



.

25.5.18

Alberto Vega (Nocturno)






NOCTURNO



Esos días son reptiles que te asaltan.
Y vuelves, tú lo sabes, desgarrado,
con esa llama sutil de interrogantes
bailándote en los ojos.
Y apartas los libros casi a manotazos
—fiebre, ginebra insomne,
música helada y sábanas de olvido.
Y te hundes en la noche de tu cuarto
atroz y solitario
como un perro que se lame los testículos.

Alberto Vega




Estes dias são répteis que te assaltam.
E voltas, tu sabes, destroçado
com essa chama subtil inquisitiva
a bailar-te nos olhos.
E apartas os livros às palmadas
 - febre, genebra insone,
gelada música e lençóis de olvido.
E afundas-te na noite de teu quarto
atroz e solitário
como um cão a lamber os testículos.

(Trad. A.M.)

.

24.5.18

Agustina Bessa-Luís (Mulheres)






(Mulheres)


Elas amam a culpa.

Gostam de se sentir humilhadas, de dar à luz um bastardo, de ficar sempre com o pior bocado.

O sacrifício amadurece-as, dá-lhes uma aptidão para a maternidade mais precoce.

Por isso choram com humanas provas de amor, de justiça, de verdade.

Quando as coisas correm bem, mostram-se cépticas, quando um homem as deseja, acham que as ilude; quando triunfam nos negócios, pensam que fracassaram com o amante, ou que os amigos são interesseiros, ou que a família não as compreende.

Estão marcadas para o desespero mais cínico, porque prescinda da ciência e da razão.

Tudo é nelas sagacidade para a guerra a travar com a natureza entre o ventre fecundo e a dor, e tudo o mais que disso as distrai. (II)



AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)
.

23.5.18

Alberto Szpunberg (Todo poema)





(XXXIII)


Todo poema es una despedida
y un saludo. 

Acaso la vida no repare
en la nimiedad de las palabras 
con que el silencio querría,
por una única vez,
ser sólo silencio, 
como este río inmóvil 
bajo un aura leve de espejos temblorosos.

¿Por qué nos preguntamos por qué
si cualquier piedra arrojada contra el agua 
da en el centro mismo de ondas infinitas?


Alberto Szpunberg






Todo o poema é despedida
e saudação.

Não repara acaso a vida
na insignificância das palavras
com que o silêncio quereria,
por uma só vez,
ser apenas silêncio, 
como este rio imóvel
sob uma aura ligeira de espelhos tremidos.

Porque nos perguntamos porquê
se qualquer pedra atirada à água
dá no centro mesmo de infinitas ondas?

(Trad. A.M.)

.

22.5.18

Adolfo Cueto (Descargas eléctricas)





DESCARGAS ELÉCTRICAS



Las palabras producen
sacudidas eléctricas. Son
como enormes trallazos fustigándonos
dentro, fogonazos, calambres: son descargas de luz
que fulminan la nada. Ahora, a oscuras
de nuevo, como quien se zambulle, entro en ti,
muy despacio –otra vez
lentamente– para que me ilumines, para tocar el fondo
de las cosas. El todo que es colmo
de la nada; el incendio, el incendio:
nuestra vida una en llamas, sólo un
electroshock, un espasmo
sin fin, cables de alta tensión elevados al viento.

Somos estos que crujen
en palabras, palabras
que son campos minados, son neuronas
hirviendo, filamentos de lumbre, material
radiactivo que nos toca de frente.
El profundo sabor
de la carne a la brasa; esta luz que nos dice
y ha dejado una flor: deja flores de plástico
floreciendo entre escombros. En vida abierta,
vieja, herida
nuevamente, la palabra surgiendo, la palabra
nombrándonos, entre el ser y la nada, el ruido
y el silencio, la inexistencia y el vacío.


 Adolfo Cueto




As palavras produzem
choques eléctricos. São
como chicotadas a fustigar-nos por dentro,
chamaradas, espasmos: são descargas de luz
que fulminam o nada. Agora, às escuras
de novo, como quem se esconde, eu entro em ti,
devagarinho – outra vez
lentamente – para que me ilumines, para tocar
o fundo das coisas. O todo que é cume
do nada; o incêndio, o incêndio,
nossa vida em chamas, só um electro-choque,
um espasmo sem fim, cabos
de alta tensão erguidos ao vento.

Somos estes que crepitam
em palavras, palavras
que são campos minados, são neurónios
fervendo, filamentos de lume, material
radioactivo que nos toca de frente.
O profundo sabor
da carne esbraseada; esta luz que nos diz,
deixando uma flor, flores de plástico
florescendo entre escombros. Em vida aberta,
antiga, ferida novamente,
a palavra surgindo, a palavra
a nomear-nos, entre o ser e o nada, o ruído
e o silêncio, a inexistência e o vazio.

(Trad. A.M.)


.

21.5.18

Mark Strand (A colina)





THE HILL



I have come this far on my own legs,
missing the bus, missing taxis,
climbing always. One foot in front of the other,
that is the way I do it.
It does not bother me, the way the hill goes on.
Grass beside the road, a tree rattling
its black leaves. So what?
The longer I walk, the farther I am from everything.
One foot in front of the other. The hours pass.
One foot in front of the other. The years pass.
The colors of arrival fade.
That is the way I do it.

Mark Strand

[Canopic Jar]




Cheguei até aqui nas minhas próprias pernas,
depois de perder autocarros e táxis,
sempre a subir. Um pé, depois outro,
é assim que eu faço.
Não me incomoda, a colina estar lá.
Há ervas na berma da estrada, uma árvore que sacode
as suas folhas negras. E depois?
Quanto mais eu ando, mais longe estou de tudo.
Um pé, depois outro. As horas passam.
Um pé, depois outro. Passam os anos.
As cores da chegada desaparecem.
É assim que eu faço.

(Trad. A.M.)

.

20.5.18

José Villa (Último poema)





ÚLTIMO POEMA



En la pensión donde vivo
no hace mucho
se ahorcó un cabrón
era poeta
y estaba viejo
y nunca soltaba
el whisky
hasta esa noche
cuando su cuello
se cruzó en el caminho
de aquella cuerda
lo encontraron
2 días después
apestaba
lo bajaron
se lo llevaron
en la mesa
dejó un poema
dedicado a
"la muy
puta"

el cuarto
que ocupo
era el suyo
yo también
soy poeta
igual de mierda
y de borracho
pero no estoy
viejo
o no mucho
y si en una
de esas
decido ir
y colgarme
no pienso
escribirle
un último
poema
a la perra
aquella
no se merece
ni siquiera
eso
la muy

puta.


José Villa



Na minha pensão
não há muito
enforcou-se um cabrão
era poeta
e estava velho
e nunca largava
o uísque
até àquela noite
quando o pescoço
se cruzou com aquela corda
no caminho
encontraram-no
2 dias depois
tresandava
desceram-no
e levaram-no
em cima da mesa
deixou um poema
dedicado à
‘grande puta’

o quarto
que eu ocupo
era o dele
eu também
sou poeta
da mesma igualha
de merda e bêbedo
mas não estou
velho
ou não muito
e se numa
destas noites
me resolver a ir
pendurar-me
não tenciono
escrever-lhe
um último
poema
àquela cadela
que não merece
isso sequer
a grande

puta.

(Trad. A.M.)

.

19.5.18

Joaquín Beníto de Lucas (Sem tristeza)





SIN  TRISTEZA



Yo no sé por qué tengo que estar triste.
El mar es grande, la esperanza espera,
el día se hace largo en los veranos
y las noches inventan nuevas formas de vida.

Pero hoy, es decir, esta mañana
del mes de mayo, cuando los rosales
dejan caer los pétalos
de su primera floración,
me acuerdo de la gente que se ha ido
- y es primavera - de los que dijeron
adiós y ya no están
como mis padres, como mis hermanos
y como yo que un día
no muy lejano cerraré los ojos,
dejaré descansar la pluma con que escribo
e iré a su encuentro. Temo
que no me reconozcan, que no sepan
quien soy, yo que he cantado su vida en muchos versos,
y su muerte también, que ellos no habrán leído.
Mas creo que podrán reconocerme
por el olor que deja cada lágrima
vertida en su memoria mientras estaban vivos.


Joaquin Beníto de Lucas





Eu não sei porque tenho de estar triste,
o mar é largo, a esperança espera,
o dia faz-se longo de Verão
e as noites inventam novas formas de vida.

Mas hoje, quer dizer, nesta manhã
do mês de Maio, quando as roseiras
deixam cair as pétalas
da primeira floração,
lembram-me as pessoas que se foram
- e é Primavera - os que disseram
adeus e já cá não estão,
como meus pais, meus irmãos
e como eu que um dia
não muito distante fecharei os olhos,
deixarei em repouso a pena com que escrevo
e irei ao encontro deles. Temo
que não me reconheçam e não saibam
quem eu sou, eu que lhes cantei a vida em muitos versos,
e a morte também, que eles por certo não leram.
Mas poderão reconhecer-me, creio eu,
pelo cheiro de cada lágrima
vertida em sua memória enquanto vivos.


(Trad. A.M.)
.

18.5.18

Aquilino Ribeiro (Uma semana)






(Uma semana)


Um dia não era cabonde; mas uma semana.

Se fosse rei uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal.

Uma fogueira em cada outeiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte.

Para estes decretava ainda cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado lhes pôr um matacão em cima.

Uma choldra de ladrões!

Imaginem Vossorias que um pobre já nem uma bestinha pode  ter!

Muito tempo conservei aquele cavalito fouveiro – lembram-se? – para me ajudar  a espairecer saudades dos tempos em que corria de almocreve Ceca e Meca e olivais de Santarém.

Vai senão quando, António Malhadas, salta de lá com nove tostões de sumptuária.

Irra, novecentos réis por um cavalicoque, um chincaravelho que não valia, a bem dizer, os guizos dum gato!

Raios partam o Governo mailos governados, raios partam tanto tributo com que a gente de bem tem de ustir para andar aí meia dúzia de figuröes, de costa direita, mais farófias que pitos calçudos!

Raios partam!

O governo é um corpo da guarda que nos defende ou é a quadrilha do olho vivo que não faz senão roubar?

Quem lhe encomenda o sermão?



AQUILINO RIBEIRO
O Malhadinhas
(1958)

______________________

(*) Há outros extractos aqui, do Malhadinhas: 

Um glossário da mesma obra, útil, apesar de alguns erros: 

.

17.5.18

Evaristo Carriego (O teu segredo)





TU SECRETO



¡De todo te olvidas! Anoche dejaste
aquí, sobre el piano, que ya jamás tocas,
un poco de tu alma de muchacha enferma:
un libro vedado, de tiernas memorias.
Íntimas memorias. Yo lo abrí, al descuido,
y supe, sonriendo, tu pena más honda,
el dulce secreto que no diré a nadie:
a nadie interesa saber que me nombras.
….Ven, llévate el libro, distraída, llena
de luz y de ensueño. Romántica loca…
Dejar tus amores ahí, sobre el piano!
De todo te olvidas, cabeza de novia!


Evaristo Carriego




De tudo te esqueces! Ontem deixaste
aqui em cima do piano, que já nunca tocas,
um pouco da tua alma de menina enferma:
um livro secreto, de ternas memórias.
Íntimas memórias. Abri-o, por descuido,
e descobri, sorrindo, a tua pena mais funda,
o doce segredo que não contarei a ninguém:
a ninguém interessa saber que me nomeias.
… Anda, leva o livro, distraída, cheia
de luz e de sonho. Romântica tonta…
Deixares os teus amores por aí, em cima do piano!
De tudo te esqueces, cabeça de noiva!

16.5.18

Manuel Vilas (Ode a Marte)





ODA A MARTE



Veo fotos de Marte en internet. Y me pongo a llorar.
Marte me recuerda a mi infancia, cuando miraba al cielo en
las noches estrelladas y sentía que la vida sólo era futuro.
Quizá Marte sea el futuro. Yo creo haber estado en Marte,
haber cogido alguna de esas piedras marcianas y haberla
arrojado contra el cielo. No me es desconocido Marte. Marte
me devuelve la fe en la vida, en mi vida.
Es una prueba de que
existen la grandeza y el silencio. Grandes avenidas de Marte,
con sus rascacielos de frío. Marte muerto porque nadie lo
contempla, pero tan vivo en esa muerte. Porque los hombres
no contemplan simplemente, sino que devoran. Así que es
mejor, querido Marte, que hagas lo posible por alejarte unas
cuantas órbitas de nosotros, o te invadiremos. Y lo que hoy
es silencio y pesadilla del no-ser, a lo mejor se convierte en
New Marte, en ciudades con casinos, en autopistas, en
aeropuertos, en hoteles, en centros comerciales, en rascacielos,
en casas de pisos, en subterráneos heladores, en cementerios,
en pistas de tenis, en piscinas cubiertas, en campos de golf, en
basureros florecientes, en naves industriales, en fábricas, en
zoos, en cárceles. Oh, Marte, llévame contigo ahora que
todavía no hay nadie en ti, déjame pasear por tu cuerpo sin
caminos, déjame volver a la tierra antes del mundo, a la tierra
quinientos mil años antes de Cristo. Pisar Madrid entonces.
Pisar Nueva York entonces. Pisar París entonces. Pisar el
viento. Las cuevas. Las colinas. Las piedras. Marte, te quiero.
Cásate conmigo, yo también soy un ángel que vaga en este
cosmos enamorado. Marte, amado mío, lárgate de aquí.
Lárgate, tío, ahí tan cerca peligras.


Manuel Vilas





Vejo fotos de Marte na internete. E ponho-me a chorar.
Marte lembra-me a infância quando olhava para o céu em
noites estreladas e sentia que a vida era só futuro.
Talvez Marte seja o futuro. Eu creio que estive em Marte,
apanhei uma dessas pedras marcianas e atirei-a
contra o céu. Marte não me é desconhecido, Marte
restitui-me a fé na vida, na minha vida. É uma prova
de que a grandeza e o silêncio existem. Grandes avenidas de Marte,
com seus arranha-céus de frio. Marte morto porque ninguém o
contempla, mas nessa morte tão vivo. Porque os homens
 não contemplam apenas, antes devoram. Daí que seja
melhor, querido Marte, fazeres o possível por te afastar de nós
umas quantas órbitas, ou vamos-te invadir. E aquilo que hoje
é silêncio e pesadelo do não-ser pode converter-se em
New Marte, com cidades de casinos, auto-estradas
aeroportos, hotéis, centros comerciais, arranha-céus,
casas de andares, subterrâneos, cemitérios,
pistas de ténis, piscinas cobertas, campos de golfe,
lixeiras florescentes, naves industriais, fábricas, zoos,
cadeias. Oh, Marte, leva-me contigo, agora
que não tens ainda ninguém, deixa-me passear por teu corpo
sem caminhos, voltar à terra antes do mundo, à terra
de quinhentos mil anos antes de Cristo. Pisar Madrid de então,
Nova Iorque de então, Paris de então, pisar o vento,
as grutas, as colinas, as pedras. Marte, amo-te,
casa comigo, também eu sou um anjo vagando neste
cosmos enamorado. Marte, meu amigo, manda-te daqui.
Manda-te, pá, aí tão perto corres perigo.

(Trad. A.M.)
.

15.5.18

Helder Moura Pereira (Vejo daqui a ponte)





Vejo daqui a ponte que atravessa
o rio da expressão verdadeira
e comum do amor. No leito desse
rio amor e desejo coincidem.
O problema são as margens, há
a margem da insinuação, um
extremo, uma sugestão que conta
com a perspicácia alheia, coisa
que pode dar muito mau resultado.
E há, do outro lado, a margem
da súplica, que é quando falta
um só passo para a dor se tornar
crónica e o desânimo ficar
definitivo. De ambas as margens
se vê, nítido, o rio da certeza.


HELDER MOURA PEREIRA
Golpe de Teatro
Assírio & Alvim (2016)


.

14.5.18

Vicente Huidobro (Filha)





HIJA



Tengo tu rostro entre las manos
Oh aire dulce retrato de aire
Anillo del mundo y del pasado
Tu rostro de silencio
Rostro de lámpara tierna
Con qué facilidad te formas en mis ojos
Cómo vuelves alegrando la negrura
Miseria del recuerdo
En el umbral del frío la selva se hace sueño
Se desprenden las hojas
Se mueren las miradas gota a gota


Vicente Huidobro





Tenho teu rosto entre as mãos
oh ar doce retrato de ar
anel do mundo e do passado
teu rosto de silêncio
rosto de lâmpada suave
com que facilidade te formas em meus olhos
como voltas alegrando a escuridão
Miséria da lembrança
no umbral do frio se faz sonho a selva
desprendem-se as folhas
morrem os olhares gota a gota

(Trad. A.M.)
 .

13.5.18

Berta Piñán (Esta casa)





ESTA CASA



Esta casa también es mi casa,
la memoria confiada de las cosas que quise
y rápidamente olvidé.
Pocas son las cosas que viajan conmigo:
lugares tan "breves" como plumas
y esos otros donde dejé los "besos"
prendidos para siempre de algún labio.
Todo eso, palacios de agua del jardín del deseo,
todo eso y tú, es mi casa.

Berta Piñán




Esta casa é também minha casa,
memória confiada das coisas que desejei
e rapidamente esqueci.
Poucas as coisas que viajam comigo,
lugares tão 'breves' como plumas
e outros onde deixei os 'beijos'
presos para sempre de algum lábio.
Isso tudo, palácios de água do jardim do desejo,
tudo isso e tu, eis a minha casa.

(Trad. A.M.)

.

12.5.18

Agustina Bessa-Luís (Fortunas)




(Fortunas) 



A fortuna que não é ganha com as mil peripécias do trabalho que encobrem a sordidez da ambição, parece conter um destino malicioso, que é o de aspirar a novas experiências que a consagrem como um direito. (II)


AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)
.

11.5.18

Vicente Gallego (As tardes)





 LAS TARDES



Ya casi no recuerdo las mañanas,
su tiempo azul y claro,
lejos quedan, perdidas en colegios
o en piscinas extrañas e indolentes.

Porque sentimos duro el despertar
retrasamos ahora
la luz que nos fatiga los despegados ojos.
Y es un destino oscuro el de las tardes,
en ellas aprendí que llegará la noche,
y que es inútil
cualquier esfuerzo por burlar la historia
equivocada y triste de los años.
He vivido en la espera absurda de la vida,
cuando he gozado
ha sido con reservas; amé creyendo en el amor
que habría luego de venir, y que faltó a la cita,
y renuncié al placer por la promesa
de una dicha más alta en el futuro incierto.

Pero los días, al pasar, no son
el generoso rey que cumple su palabra,
sino el ladrón taimado que nos miente.
Con su certeza
nos convierte la edad en más mezquinos,
nos enseña a amar lo que nos duele,
las cosas más pequeñas, aquello que ahora somos
y tenemos: la música suave, nuestros cuerpos,
el calor de la estancia y el cansancio.
Buscamos la derrota de las tardes, su tregua
en la exigencia vana de una gloria
que ya no nos seduce. Nos convierte
la edad en más obscenos, y aceptamos
cualquier regalo aunque parezca pobre:
esa boca gastada por el uso, tan dulce aún,
el fuego antiguo y leve de la carne,
los viejos libros, los amigos justos,
un poema mediocre, pero nuestro,
y la costumbre extraña
de ser al fin felices en la sombra.

Es un destino oscuro el de las tardes,
pero también hermoso
y breve como el paso de los hombres.

Vicente Gallego





Quase não me lembram já as manhãs,
o tempo azul e claro,
longe estão, perdidas em colégios
ou em piscinas estranhas e indolentes.

Porque sentimos duro o despertar
atrasamos agora
a luz que nos fatiga os olhos descolados.
E o das tardes é um destino escuro,
onde aprendi que a noite virá,
sendo inútil todo o esforço de enganar
a história equivocada e triste dos anos.
Vivi na espera absurda da vida,
e quando gozei
foi sem reservas; amei crendo no amor
que havia de vir depois, mas faltou ao encontro,
e renunciei ao prazer pela promessa 
de mais alta ventura no incerto futuro.

Mas os dias, ao passar, não são
o rei generoso que cumpre a palavra,
antes o ladrão arteiro que nos mente.
Na sua certeza
a idade faz-nos mais mesquinhos,
ensina-nos a amar o que nos dói,
as coisas mais pequenas, aquilo que agora
somos e temos, a música suave, os corpos,
o calor de casa e o cansaço.
Buscamos a derrota das tardes, sua trégua
na exigência vã de uma glória
que já não nos seduz. A idade
faz-nos mais obscenos, e qualquer presente
aceitamos, mesmo que pobre: aquela boca
gasta pelo uso, mas tão doce ainda,
o fogo antigo e leve da carne,
os velhos livros, os amigos justos,
um poema medíocre mas nosso,
e o costume estranho
de sermos enfim felizes na sombra.

É um destino obscuro o das tardes,
mas também belo,
e breve como a passagem dos homens.

(Trad. A.M.)

.

10.5.18

Vanesa Pérez-Sauquillo (No quarto amarelo)






(VIII)

en el cuarto amarillo
los amantes encienden las palabras.
Qué importa lo que duren, si prenden rápido,
si se tiñe la cama de reflejos de plata, azul, rojo,
naranja, si no suena otra cosa, si los miedos
se escapan y florecen
las quemaduras de la sábana.
Las palabras se afilan
con fuego de palabras.
Los amantes ensayan.


Vanesa Pérez-Sauquillo




no quarto amarelo
acendem as palavras os amantes.
Que importa o que durem, se pegam rápido,
se a cama se tinge de reflexos de prata, azul,
roxo, laranja, se não soa outra coisa,
se os medos se escapam e florescem
as queimaduras no lençol.
As palavras afiam-se
com fogo de palavras.
Os amantes ensaiam.

(Trad. A.M.)


.

9.5.18

Camilo Pessanha (Quem poluiu, quem rasgou)






Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Nem te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.


Camilo Pessanha


.

8.5.18

Jesús Aguado (Tudo o que dizemos)






Todo lo que decimos inaugura distancias,/
estructura de modo distinto lo
que somos/ y nuestra relación
con lo que existe,/ cambia  de
decorado y cambia de guión,/
modifica el sentido de las
leyes/ y nos hace asumir
actitudes y fines/ que antes  ni
siquiera imaginábamos.

Por eso las palabras nos
escriben,/ es decir,  nos
tornean, nos labran,  nos
dibujan./ Para ser más
exactos:  las palabras,/  lejos de
ser  pasivos  instrumentos/   en
nuestras   manos,  son  gigantas
poderosas/ (desde aquí puedo
ver el grosor de sus músculos,/ sus ojos
inyectados, la determinación/
que demuestran   sus   gestos)
que nos usan/ como  materia
prima para hacerse sus casas.

Las palabras  nos hablan, las
palabras/ nos habitan.  Por eso
decir lo que nos  dice/ (o
hablar lo que nos  habla, callar
lo que nos calla,/ escribir lo
que escribe nuestra vida)/ es
mucho más que un acto/  de
aceptación de la existencia;
es/ poner una semilla  en la
palabra/  para que diga lo que
somos; es/ seducir la palabra y
penetrarla/ para que  nos
alumbre y nos lleve a su casa:/
y  nos lleve a una casa que es la
nuestra.

Frente a todos aquellos/ que
están donde no están y  no
están donde están,/ frente  a
todos aquellos que al  vivir/ en
una  casa ajena en realidad/
habitan una cárcel,/ la poesía
y el amor nos hacen/   libres
para elegir una casa y un
mundo/ y nos dejan abiertos
para ser elegidos/  por la casa y
el mundo que elegimos.

Y cuando  afirmo «todo lo   que
decimos» quiero/  decir la que
decimos  con sentido:/  aquello
que se dice por medio de
nosotros/  (la poesía y  el amor,
la luz/  y los  bosques  y  el mar,
la nada y el  olvido...),/ aquello
que bautiza  las medidas del
mundo/ (rediseña la planta de
la  casa),/ aquello que le da al
mundo otra  apariencia/  sin
por ello impedir que siga
intacto,/ aquello, en fin, que
afirma la que es/  en vez de
destrozarlo,  de ignorarlo,/ de
pasar a su lado con  los ojos
borrándose.

Jesús Aguado



Tudo o que dizemos inaugura distâncias,/
estrutura de outro modo aquilo que somos/
e a nossa relação com aquilo que existe,/
muda a decoração e muda o guião,/
modifica o sentido das leis/ e faz-nos
assumir atitudes e fins/ que antes nem
sequer imaginávamos.

Por isso as palavras nos escrevem,/
quer dizer, nos torneiam, nos lavram,
nos desenham./ Mais precisamente,
as palavras,/ longe de serem passivos
instrumentos/ nas nossas mãos,
são gigantes poderosos/ (posso ver-lhes
daqui a espessura dos músculos,/
os olhos injectados, a determinação/
que exibem nos gestos) que nos usam/
como matéria-prima para fazer as casas.

As palavras falam-nos, as palavras/
habitam-nos. Por isso dizer o que nos diz/
(ou falar o que nos fala,/ escrever o que
nos escreve a vida)/ é muito mais do que um acto/
de aceitação da existência; é/ pôr uma semente
na palavra/ para que diga aquilo que somos; é/
seduzir a palavra e penetrá-la/ para que
nos ilumine e leve a casa.

Face a todos aqueles/ que estão
onde não estão e não estão onde estão,/
face a todos aqueles que ao viver/
numa casa alheia na verdade/ vivem
numa prisão, / a poesia e o amor fazem-nos/
livres para escolher uma casa e um mundo/ e
deixam-nos abertos para sermos escolhidos/
pela casa e pelo mundo que escolhemos.

E quando eu afirmo ‘tudo o que dizemos’
quero/ dizer o que dizemos com sentido:/
aquilo que se diz por meio de nós/
(a poesia e o amor, a luz/ e os bosques
e o mar, o nada, o esquecimento…),/
aquilo que baptiza as medidas do mundo/)
redesenha a planta da casa),/ aquilo que dá
outra aparência ao mundo/ sem impedir
com isso continuar intacto,/ aquilo, enfim,
que afirma aquilo que é/ em vez de o destroçar,
de o ignorar,/ de lhe passar ao lado
cerrando os olhos.

(Trad. A.M.)
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7.5.18

Antonio Cabrera (Ideia)






IDEA                  



He anotado esta idea: El silencio no existe.

La he descubierto en mí mientras miraba
unas fotografías
que alguien tomó en un paisaje nórdico.
Podía ver en ellas la rara condición
de una llanura en soledad,
y en soledad también un poste ensimismado
y un asfalto remoto.
Bajo la luz raptada, parecía
que estuvieran presentes en su abandono estricto,
en el légamo claro de cuando nadie mira.

El silencio no existe
¿Cómo podría haberlo
si todo tiene vibración y luce
y restalla por dentro más allá
de su apariencia muda?
En donde estemos ¿no escuchamos siempre
su murmullo o su pálpito?

El silencio no existe.

(Noto cómo la idea extrae de mí
las líneas de un sentido,
y busca su espesor, y al mismo tiempo
apunta al blanco en sombra
donde está su verdad.)

Quizá silencio es sólo un nombre,
un nombre acostumbrado aunque inexacto,
una palabra errónea que habla, en realidad,
del sonido terrestre
que está perdido
en un espacio ajeno y despoblado
donde nadie lo escucha.

El silencio no existe.

(La idea
ya es un dardo que está cruzando el aire.
Su vuelo es pensamiento.
Mis palabras lo empujan y lo frenan.)

Antonio Cabrera




Apontei esta ideia, que o silêncio não existe.

Descobri-o a olhar para algumas fotos
que alguém tirou numa paisagem nórdica.
Nelas podia ver a raridade
de uma planície solitária
com um poste ensimesmado
e uma estrada ao longe.
A uma luz sumida, dir-se-iam apanhados
em seu abandono solitário
de quando ninguém está a olhar.

O silêncio não existe,
como poderia existir
se tudo é luz e vibração
e implode por dentro, para lá
da sua muda aparência?
Onde estivermos, não escutamos sempre
sua palpitação ou murmúrio?

O silêncio não existe.

(Reparo como a ideia tira de mim mesmo
as linhas de um sentido,
ganha espessura e ao mesmo tempo
aponta ao alvo na sombra
onde reside sua verdade.)

Talvez o silêncio seja apenas uma palabra,
uma palabra conhecida mas inexacta,
um termo erróneo que fala, na realidade,
do som terrestre perdido
num espaço alheio e despovoado
sem ninguém para o escutar.

O silêncio não existe.

(A ideia
é já um dardo a cruzar a atmosfera.
Seu voo é pensamento
e minhas palabras tanto o empurram como o retêm.)

(Trad. A.M.)

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6.5.18

Aquilino Ribeiro (Um lençol esburacado)






(Um lençol esburacado)


O monte lembrava um lençol esburacado.

Se a neve derretera aqui, conservava-se emaçarocada além, à volta de sargaços e tojeiras e onde quer que houvesse farfalha.

O sol, às vezes, vinha uma nuvem e cobria-se.

Mas ele voltava a correr alegre e ruivo pelo mundo, mais bonito que o novilho duma vaca ratinha, ainda mamão, a pinchar no prado.

As águas desciam dos altos tagarelas como nunca, e pelas eiras os passarinhos debicavam, muito grulhas, as espigas esbanjadas pelos palheireiros.

Havia nuvens e mais nuvens no céu, brancas, rebolonas, em bandos.

Tocava-as um ventinho repontão, e davam ideia de belros de ovelha, carmeados, antes de enfardar.
O mundo era como Lázaro ao atirar com a mortalha aos quintos.

Por toda a parte, caminhos, matos e árvores, a neve derretia.

Pinheiros e carvalhos, se do lado do poente continuavam cabisbaixos e oprimidos pelo seu peso, à outra banda erguiam já ramos desembaraçados.

A morte branca rodara por esta vez.

AQUILINO RIBEIRO
O Malhadinhas
(1958)
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