11.8.17

Mário de Carvalho (A sala magenta)




Dantes, tudo era um peso ancestral de quietação e vagar pelas matas de sobreiral e pinho em redor das águas represadas a que chamam Lagoa Moura, havendo perto umas ruínas que a memória popular não assinala além dos mouros. 

Então, carregavam-se de silêncio as formas, pasma­vam lassos os ramos, pendiam restos de carumas, tombavam as pinhas de velhas, empastavam-se as folhas mortas, deixavam-se as portadas entreabertas. 

Em chegando a noite, com o rarear dos pássaros, alteavam-se as sombras, delineavam-se os contornos, adensava-se o espaço, vibrava subtilmente o ar e milhentos pequenos rumores emergiam do solo num restolhar de sobrevivência.

Na dobra do século, as brisas, mais rijas de ano para ano, entraram a balancear as copas, a revolver os gravetos, a frisar as águas, a desinquietar o silêncio e a fazer a demonstração prática e local de que o clima desvariava.


MÁRIO DE CARVALHO
A Sala Magenta-I
(2008)


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