4.1.17

João Guimarães Rosa (Frior, friúme, friagem)





A mor, bem na descida, avante, branquejavam aqueles grossos de ar, que lubrinam, que corrubiam.
Dos marimbus, das Veredas-Mortas.
Garoa da madrugada.
E, a bem dizer por um caminho sem expedição, saí, fui vindo m’embora.
Eu tinha tanto friúme, assim mesmo me requeimava forte sede.
Desci, de retorno, para a beira dos buritis, aonde o pano d’água.
 A claridadezinha das estrelas indicava a raso a lisura daquilo.
Ali era bebedouro de veados e onças.
Curvei, bebi, bebi.
E a água até nem não estava de frio geral: não apalpei nela a mornidão que devia-de, nos casos de frio real o tempo estar fazendo.
Meu corpo era que sentia um frio, de si, frior de dentro e de fora, no me rigir.
Nunca em minha vida eu não tinha sentido a solidão duma friagem assim.
E se aquele gelado inteiriço não me largasse mais.


JOÃO GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas
(1956)