31.8.11

José Pedroni (A velha devota)






LA VIEJA DEL VOTO



Antes que apunte el día
y antes que el sol se acueste,
va solita a la iglesia
con su manto celeste.


José Pedroni




Antes que o dia desponte
e antes que o sol se deite,
vai à igreja sozinha
com seu manto celeste.


(Trad. A.M.)



>>  José Pedroni (blogue) / José Pedroni (sítio) / Los poetas (8p) / Wikipedia

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Angel Petisme (Aceitação)






ACEPTACIÓN



La tristeza es un virus extraño,
aparte de un pecado capital.
Me contagio de todo por estar informado:
de espanto, de utopía, de almorranas.

Tuve una amante llamada Vanidad,
era muy buena entre las sábanas
pero siempre que nos veíamos
me pasaba ladillas, un gonococo nuevo,
sífilis, blenorragia, anticuerpos...
Vanidad era un zoo de amor.
Una tarde tuve que decirle por teléfono
como Paul Rée a Lou Andreas Salomé:
Ten compasión, no me busques.

Me acepto como soy: difícil por sencillo, vulnerable,
sonámbulo, sin chaleco antibalas.
Mi madre escribió en mis genes una canción de amor.

No escondo mi talento bajo tierra,
ni entrego mi dinero a los banqueros.
El talento se oxida cuando no se comparte,
el dinero te calla la boca.

A veces interpreto al hombre que tú me crees.
Me aburro como un guisante.
Abandonado, como tu abuelo en la gasolinera,
no llego ni al final del primer acto.

Me acepto como soy: con vida de juguete,
sabio cuando me callo y escucho la tormenta...

No estoy solo en el mundo.
La tristeza es un virus extraño
y yo vivo en la casa de la Necesidad.
Sé que el amor se parece a la muerte.


Angel Petisme






A tristeza é um vírus estranho,
além de um pecado capital.
Eu contagio-me de tudo para estar informado,
de espanto, de utopia, de almorreimas.

Tive uma amante chamada Vaidade,
muito boa entre os lençóis,
mas sempre que nos víamos
pegava-me chatos, um novo gonococo,
anti-corpos, sífilis, blenorragia...
Era assim um zoo de amor, a Vaidade.
Um dia tive que dizer-lhe por telefone
como Paul Rée a Lou Andreas Salomé:
Não me procures, tem dó.

Eu aceito-me como sou, difícil por simples, vulnerável,
sonâmbulo, sem colete anti-balas.
Minha mãe escreveu em meus genes uma canção de amor.

Meu talento não o escondo debaixo da terra,
nem meu dinheiro entrego aos banqueiros.
O talento oxida se não se partilha,
enquanto o dinheiro tapa-te a boca.

Às vezes interpreto o homem que tu me crês.
E aborreço-me como uma ervilha.
Abandonado, como teu avô na bomba de gasolina,
não chego sequer ao fim do primeiro acto.

Aceito-me como sou, com vida de brinquedo,
sábio quando me calo e escuto a tempestade...

Não estou só neste mundo.
A tristeza é um vírus estranho
e eu vivo em casa da Necessidade.
O amor sei que é parecido com a morte.


(Trad. A.M.)



>>  Angel Petismel (sítio>tudo+algo) / Petisme (blogue)

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30.8.11

Ver(74)








Montalcino > Itália



[El hilo invisible]


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Vicente Gallego (Profissão de fé)






PROFESIÓN DE FE




Quizá debiera hoy felicitarme,
recibir mi cordial enhorabuena
por tantos equilibrios, por estar
aquí, sencillamente,
sencillamente pero nada fácil
habitar esta tarde, haberla conquistado
a través de batallas,
caídas, días grises, desamores, olvidos,
pequeños triunfos, muertes
muy pequeñas también,
pero también muy grandes.
Haber llegado aquí, hasta esta luz
que anoto para luego,
para acordarme luego, cuando sea difícil
admitir la existencia de esta tarde
a la que llego solo, disponible,
sano, joven aún, y decidido incluso
a olvidar el cansancio, la experiencia,
convencido de nuevo de que sí,
de que a partir de hoy, acaso, todo
lo que tanto he soñado, todavía,
pudiera sucederme.



Vicente Gallego






Talvez devesse hoje felicitar-me,
receber meus parabéns
por tanto equilíbrio, por estar
aqui, singelamente,
singelamente mas nada fácil
habitar esta tarde, conquistá-la
através de batalhas,
quedas, dias cinzentos, desamores, esquecimentos,
pequenos triunfos, mortes
muito pequenas também,
mas também muito grandes.
Chegar aqui, a esta luz
que anoto para depois,
para recordar depois, quando for difícil
admitir a existência desta tarde
a que aporto sozinho, disponível,
são, ainda jovem e decidido mesmo
a olvidar o cansaço, a experiência,
convicto novamente de que sim,
a partir de hoje, porventura, tudo
aquilo que sonhei, ainda,
poderá me acontecer.


(Trad. A.M.)

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29.8.11

Carlos de Oliveira (Elegia de Coimbra)






ELEGIA DE COIMBRA




Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casas e os homens
nas colinas da vida.

Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.

Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.


Carlos de Oliveira


[Poemas da lusofonia]


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28.8.11

Rosario Castellanos (Meditação no umbral)






MEDITACIÓN EN EL UMBRAL (*)

              (Fragmento)



No, no es la solución tirarse bajo un tren como
la Ana de Tolstoi ni apurar el arsénico de Madame
Bovary ni aguardar en los páramos de Ávila la visita
del ángel con venablo antes de liarse el manto a
la cabeza y comenzar a actuar.
Ni concluir las leyes geométricas contando las vigas
de la celda de castigo, como lo hizo Sor Juana.
No es la solución escribir, mientras llegan las visitas,
en la sala de estar de la familia Austen
ni encerrarse en el ático de alguna residencia
de la Nueva Inglaterra y soñar, con la Biblia de los Dickinson
debajo de una almohada de soltera.
Debe haber otro modo que no se llame Safo ni Mesalina
ni María Egipciaca ni Magdalena ni Clemencia Isaura.
Otro modo de ser humano y libre.
Otro modo de ser.



Rosario Castellanos






Não, a solução não é atirar-se para debaixo dum comboio como
a Ana de Tolstoi nem apurar o arsénico de Madame
Bovary nem aguardar nos páramos de Ávila a visita
do anjo antes de atar o manto
à cabeça e começar a agir.
Nem concluir as leis da geometria contando as vigas
da cela do castigo, tal como Sor Juana.
Não é solução escrever, à espera das visitas,
na sala de estar da família Austen
nem fechar-se no sótão de alguma casa
da Nova Inglaterra e sonhar, com a Bíblia dos Dickinson
por baixo da travesseira de donzela.
Deve haver outro modo que não se chame Safo nem Messalina
nem Maria nem Madalena nem Clemência Isaura.
Outro modo de ser humano e livre.
Outro modo de ser.



(Trad. A.M.)





(*) Atribuído a Rosalía de Castro:  A media voz
E a Rosario Castellanos (a quem pertence, parece): A media voz


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27.8.11

José Rentes de Carvalho (O Porto já não é)






Escuro, pitoresco, desleixado, o Porto já não é a metrópole que foi na minha infância.

As pontes e a estação, o palácio do bispo, a Sé, a Torre dos Clérigos, tudo isso se mantém, e vista da margem esquerda a paisagem da cidade continua esplêndida.

Mas nos rostos das pessoas há mais sombras que sorrisos, o ar de algumas ruas é de mau agouro.

O rio lá está, quase sem movimento, com pouca vida, só de longe a longe um ou outro naviozito se arrisca a passar por entre as línguas de areia que lhe assoreiam a foz.

Os rabelos envernizados que agora o navegam são falsificações da publicidade e na beira-rio lodosa de Gaia, que conheci cheia de bulício, a ferver de agitação, deitaram placas de cimento e fizeram esplanadas onde os turistas se sentam a beber cerveja, de costas para a cidade para melhor tomarem o sol.

Passo, olho, vou adiante e minto a mim próprio, dizendo-me que é absurdo carregar o peso morto do passado.


- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 16.

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José Luis Hidalgo (Chega-te)






Acércate. Más, más,
hasta palpar mis sueños.
No, todavía no...
Aún más y más, sin miedo:
como el agua del mar
a su fondo de cieno,
como se acerca a Dios
todo el azul del cielo.

Como me acerco a ti
cuando digo: te quiero.


José Luis Hidalgo






Chega-te. Mais, mais,
até tocar nos meus sonhos.
Não, ainda não...
Mais ainda, e mais, sem medo,
como a água do mar
ao seu fundo de lodo,
como se chega a Deus
o azul todo do céu.
Como eu me chego a ti
quando te digo: amo-te.

(Trad. A.M.)



>>  JoséLuisHidalgo (sítio) / Amediavoz (21p) / Cervantes (anto+perfil+biblio)

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25.8.11

Rui Pires Cabral (Entretanto)






ENTRETANTO





Não há que ter ilusões:
nós também somos

o fim da nossa estrada.
Com estas mãos,

com este mesmo coração
é que chegamos

ao cabo do futuro,
à extrema situação

de que partimos.
Mas, entretanto,

escrevamos.


Rui Pires Cabral


[Hospedaria Camões]


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Alejandro Céspedes (Também eu fui um deus jovem)






XIV


Yo también fui un dios joven
y aprendí a caminar sobre las aguas.

Pero a aquella inocencia
la sujetaba un nudo de promesas.
No existía el recuerdo
y la memoria era
esplendor en la hierba todavía.

La vida era ilusoria.
Después se hizo real, y ahora ya es cíclica.
Paloma mensajera
que únicamente sabe
volver, una vez suelta, hacia el origen.

Lo mismo que el recuerdo,
ya no sabe avanzar, sólo regresa
y me arrastra con él.
En su obsesión repite:
son los seres que fui los que me aguardan.
El recuerdo es un viento
que erosiona la magia de los días.

He aprendido muy tarde
cuánto reseca el sol de la memoria,
cómo eclipsa su óxido
la luz de la mirada,
con qué zarzas restriega nuestros labios.

Se va agostando todo
y se arruga el deseo entre las horas.
Maquillar las palabras,
recomponer caricias,
no acallará los ecos del pasado.

Del tiempo somos huéspedes,
él edifica nuestra anatomía
con sueños anudados
sobre la piel profundas cicatrices.

Emigran a la infancia
los pájaros que anhelan paraísos.

Sólo queda la ausencia.
Recolectar los astros luminosos
y azulejar con ellos
los sueños extinguidos
no tapará las grietas de la vida.

Después llega el recuerdo
ajado del continuo manoseo.
Como un perro perdido
yo me afano y me obceco
relamiendo unas latas ya vacías.

El agua hunde mis pasos.
Se nubla el esplendor que hubo en la hierba.
Palomas mensajeras
vuelven hacia el pasado
para llevar semillas de memoria.


ALEJANDRO CÉSPEDES
Las palomas mensajeras sólo saben volver
Hiperión, Madrid
(1994)


[Apología de la luz]







Também eu fui um deus jovem
e aprendi a caminhar sobre as águas.

Mas aquela inocência
um nó de promessas a segurava.
Não havia lembrança
e a memória era ainda
esplendor na relva.

A vida era ilusória.
Depois tornou-se real e agora é cíclica.
Um pombo-correio
que sabe apenas voltar,
uma vez solto, à origem.

Tal como a lembrança,
não sabe avançar, só volta para trás,
arrastando-me também.
E repete na sua obsessão:
são os seres que fui os que me esperam.
A lembrança é um vento
erodindo a magia dos dias.

Bem tarde aprendi
quanto resseca o sol da memória,
como eclipsa seu óxido
a luz do olhar,
com que garras esfrega nossos lábios.

Tudo vai murchando
e o desejo enruga-se entre as horas.
Maquilhar as palavras,
ou recompor carícias,
não calará o eco do passado.

Do tempo somos hóspedes,
que edifica nossa anatomia
com sonhos atados,
profundas cicatrizes na pele.

Emigram para a infância
os pássaros que anelam paraísos.

Resta só a ausência.
Colher os astros luminosos
e revestir com eles
os sonhos extintos
não tapará as fissuras da vida.

Depois vem a lembrança
corrompida de tanto uso.
Como um cachorro perdido
eu me afadigo e obceco
a lamber latas vazias.

A água me afoga os passos.
E nubla-se o esplendor que dantes havia na relva.
Pombos-correio
regressam ao passado
levando sementes de memória.


(Trad. A.M.)


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24.8.11

Olhar (102)








Roma < Capela Sistina


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Roque Dalton (O presunçoso)






EL VANIDOSO




Yo sería un gran muerto.
Mis vicios entonces lucirían como joyas antiguas
con esos deliciosos colores del veneno.
Habría flores de todos los aromas en mi tumba
e imitarían los adolescentes mis gestos de júbilo,
mis ocultas palabras de congoja.


Tal vez alguien diría que fui leal y fui bueno.
Pero solamente tú recordarías
mi manera de mirar a los ojos.


Una de las caras del amor es la muerte,
en el humo de esta época eternamente juvenil.
¿Qué me queda ante ti sino la perplejidad de los reyes,
los gestos del aprendizaje ante la crecida del río,
las huellas de la caída de bruces entre la ceniza?
La propia juventud decrece
y trota la melancolía como una mula.



Roque Dalton


[Balconcillos]





Eu seria um grande morto.
Meus vícios luziriam então como jóias antigas
com essas cores preciosas do veneno.
Haveria flores em meu caixão de todos os aromas
e os adolescentes imitariam meus gestos de júbilo,
minhas ocultas palavras de angústia.


Acaso alguém diria como fui leal e fui bom.
Mas tu somente recordarias
meu modo de olhar nos olhos.


Uma das faces do amor é a morte,
no fumo desta época eternamente juvenil.
O que me resta frente a ti senão a perplexidade dos reis,
os gestos da aprendizagem ante a subida do rio,
as marcas da queda de bruços sobre a cinza?
A própria juventude decai
e trota a melancolia aí como uma mula.


(Trad. A.M.)


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23.8.11

Pedro Mexia (Domingo)






DOMINGO





Não há pessoas normais
mas se houvesse seriam
muito parecidas a estes
e estas colegas de liceu
ou faculdade que passeiam,
conjugais, aos domingos,
sem nunca terem visto
de perto o medo ou o céu
que não nos protege.



Pedro Mexia



[A rua do silêncio]


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22.8.11

Roger Wolfe (Piscar)






PARPADEO





Pedro Salinas
dice en un poema
que no quiere dejar de sentir
el dolor de la ausencia
de la mujer a la que ama
porque eso es lo único
que le queda de ella:
el dolor.
No recuerdo sus palabras exactas.
Él lo dice mejor que yo.
Eran otros tiempos.
Salinas está muerto.
La mujer a la que amaba también.
Pronto lo estaremos todos.
La vida es un mero parpadeo.
Abre los ojos
y ciérralos.


ROGER WOLFE
Poemas dispersos
(2008)



[Neorrabioso]





Pedro Salinas
diz num poema
que não quer deixar de sentir
a dor da ausência
da mulher amada
por isso ser só
o que lhe resta dela:
a dor.
Não me lembro das palavras exactas,
ele di-lo melhor do que eu.
Eram outros tempos,
Salinas está morto,
a mulher que amava também,
em breve estaremos todos.
A vida é um piscar, apenas,
abre os olhos
e fecha.


(Trad. A.M.)



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21.8.11

Coitado do Jorge (74)






A MARRADA






(SMS) O dia está a correr bem desde que ligaste.

Ainda não dei nenhuma topadela.

Antes, dei duas.

Para não falar da marrada, ontem.

Deitei abaixo a parede da cozinha...


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Piedad Bonnett (Assédio)






ASEDIO





No me culpes.
Por rondar tu casa como una pantera
y husmear en la tierra tus pisadas.
Por traspasar tus muros,
por abrir agujeros para verte soñar.
Por preparar mis filtros vestida de hechicera,
por recordar tus ojos de hielo mientras guardo
entre mis ropas un punzón de acero.
Por abrir trampas
y clavar cuchillos en todos tus caminos.
Por salir en la noche a la montaña
para gritar tu nombre
y por manchar con él los blancos paredones
de las iglesias y los hospitales.
Hay en mí una paloma
que entristece la noche con su arrullo.
Mi noche de blasfemias y de lágrimas.


Piedad Bonnett





Não me acuses.
Por rondar tua casa como pantera
e farejar as tuas pegadas na terra.
Por azangar teus muros,
e abrir buracos para ver-te sonhar.
Por preparar meus filtros vestida de feiticeira,
e lembrar teus olhos de gelo escondendo
por baixo da roupa um espeto de aço.
Por fazer armadilhas
e cravar facas nos teus caminhos.
Por sair à noite para o monte
a gritar teu nome
e escrevê-lo nos muros brancos
de igrejas e hospitais.
Há uma pomba em mim
que entristece a noite com seu arrulho.
Minha noite de blasfémias
e de lágrimas.


(Trad. A.M.)

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20.8.11

Paulo Leminski (Limites ao léu)






LIMITES AO LÉU




POESIA: "words set to music" (Dante
via Pound), "uma viagem ao
desconhecido" (Maiakovski), "cernes e
medulas" (Ezra Pound), "a fala do
infalável" (Gothe), "linguagem
voltada para a sua própria
materialidade" (Jakobson),
"permanente hesitação entre som
e sentido" (Paul Valery), "fundação do
ser mediante a palavra" (Heidegger),
"a religião original da humanidade"
(Novalis), "as melhores palavras na
melhor ordem" (Coleridge), "emoção
relembrada na tranquilidade"
(Wordsworth), "ciência e paixão"
(Alfred de Vigny), "se faz com
palavras, não com ideias"
(Ricardo Reis/Fernando Pessoa), "um
fingimento deveras" (Fernando
Pessoa), "criticism of life" (Mattew
Arnold), "palavra-coisa" (Sartre),
"linguagem em estado de pureza
selvagem" (Octavio Paz), "poetry is to
inspire" (Bob Dylan), "design de
linguagem" (Decio Pignatari), "lo
imposible hecho posible" (Garcia
Lorca), "aquilo que se perde na
tradução" (Robert Frost), "a liberdade
da minha linguagem" (Paulo
Leminski)...



Paulo Leminski


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Pepe Ramos (Ausência de ti n.º 22)






AUSENCIA DE TI Nº22




Es sólo una mala racha,
es sólo una mala racha,
repito mi mantra a diario
como un vulgar salvapantallas.
Suenan sirenas de silencio.
Borro tu nombre del victimario.
Sino cruel; ¿a qué has venido? (*)
reza la letra de un tango.
Fumo mucho, bebo demasiado.
Suelto tacos, protesto:
hoy me acuesto ya cansado
de cerrar los ojos y ver tu cara,
de abrirlos y no ver nada.

Pepe Ramos






É só uma onda ruim,
é só uma onda ruim,
repito meu mantra diário
como um vulgar salva-pantalha.
Soam sirenes de silêncio.
Apago teu nome do rol de vítimas.
Sino cruel; a qué has venido? (*)
reza a letra dum tango.
Fumo muito, bebo demais.
Solto pragas e protesto:
hoje deito-me cansado já
de fechar os olhos e ver teu rosto,
e de os abrir e não ver nada.

(Trad. A.M.)



(*) Informação especializada, de boa reputação, corrige o original: "China cruel, a qué has venido".
      E junta prova: Todo tango (Gracias, Milka)

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19.8.11

Mark Strand (Clube da meia-noite)






THE MIDNIGHT CLUB




The gifted have told us for years that they want to be loved
for what they are, that they, in whatever fullness is theirs,
are perishable in twilight, just like us. So they work all night
in rooms that are cold and webbed with the moon’s light;
sometimes, during the day, they lean on their cars,
and stare into the blistering valley, glassy and golden,
but mainly they sit, hunched in the dark, feet on the floor,
hands on the table, shirts with a bloodstain over the heart.


Mark Strand







Os dotados dizem-nos há anos que querem ser amados
por aquilo que são, e que na sua acaso plenitude
são vulneráveis ao crepúsculo, tal como nós. Por isso trabalham
toda a noite em quartos frios e enredados de luar;
de dia, por vezes, encostam-se aos carros
e olham para o vale tórrido, apático e dourado,
mas normalmente sentam-se, curvados no escuro,
de pés no chão, as mãos em cima da mesa,
uma mancha de sangue na camisa, no lugar do coração.


(Trad. A.M.)


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17.8.11

Alejandro Céspedes (A inocência vencida)






XIV




Vencida la inocencia,
nuestra inmoralidad domesticada,
recogida en un día
la cosecha de todas las edades,
en un instante sólo,
sin aviso,
como una aparición, de pronto somos
conscientes de los años que pasaron
y que fuimos dejando resbalar
por nuestra piel aún joven
cuando éramos nosotros,
no la historia, no el tiempo, no los dogmas,
los dueños de la vida.
Ahora somos mortalmente conscientes
de que sólo nos queda
aquello que se sabe ya perdido.
Hemos ganado el miedo.



ALEJANDRO CÉSPEDES
Hay un ciego bailando en el andén
Hiperión, Madrid
(1998)






A inocência vencida,
a imoralidade domesticada,
apanhada num dia
a colheita de todas as idades,
num só instante,
sem aviso,
como uma aparição, de repente
tomamos consciência dos anos que passaram
e que nós fomos deixando resvalar
pela pele ainda jovem
quando éramos nós,
não a história, não o tempo, não os dogmas,
os donos da vida.
Agora somos mortalmente conscientes
de que nos resta apenas
o que sabemos já perdido.
Ganhámos o medo.


(Trad. A.M.)




>>  Alejandro Céspedes (sítio>tudo+algo) / Cátedra M.Delibes (bio+biblio+linques) / Wikipedia



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16.8.11

Mario Quintana (Interrogações)






INTERROGAÇÕES





Nenhuma pergunta demanda resposta.
Cada verso é uma pergunta do poeta.
E as estrelas...
as flores...
o mundo...
são perguntas de Deus.



Mario Quintana


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15.8.11

Marcos Tramón (Atrás)






ATRÁS




Para trás ficaram os dias felizes,
os dias em que a vida,
cínica e poderosa,
nos declarava uma trégua.
E tu, antes tão vital,
agonizas agora lentamente.
Convertes-te, pouco a pouco,
numa recordação sem vida.



MARCOS TRAMÓN
Desgana
Gijón (2010)


(Trad. A.M.)

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14.8.11

Aquilino Ribeiro (O chiadoiro alanceado)






Os outros almocreves, entrementes, tinham saltado das tarimbas e acudido à berrata.

O sol ainda não era nado.

Ouvia-se para o fundo do povo o chiadoiro alanceado dum bácoro na matança.

As vacas, jungidas para a jornada, retraçavam a erva solta no chão, alagando a manhã com o tinir das campainhas.

Acabara de tanger o sino do orago e dava gana de ir à santa missa, com o ar lá dentro morno do bafejo de meio povo, os santos, as velas e o latim incompreensível a falarem do Deus que não tem princípio nem termo, reparte a vida e morte, nanja de pegar logo de madrugada em despique e consumições.


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, I.


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13.8.11

Óscar Hahn (Paisagem ocular)






PAISAJE OCULAR



Si tus miradas
salen a vagar por las noches
las mariposas negras huyen despavoridas
tales son los terrores
que tu belleza disemina en sus alas


Oscar Hahn






Se teu olhar
anda por aí à noite a vaguear
as borboletas negras fogem espavoridas
tal o terror
que a tua beleza lhes põe nas asas

(Trad. A.M.)


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12.8.11

Manuel António Pina (Na hora do silêncio supremo)





NA HORA DO SILÊNCIO SUPREMO



Não haveria roubo, e há só o roubo,
há só a música, é lá que tudo ondeia...
Já li tudo, já fiz tudo (quem?).
Regresso, pois, à minha solidão.


Ouvir-me-ei até ao infinito.
Nós só falamos para nós próprios
e o tempo não existe, nem os outros.


Porque está tudo parado e aquele que escreve
é também eternamente escrito.
O seu passado é o Futuro de tudo,
ele a sombra de tudo o que há-de vir.


Manuel António Pina


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10.8.11

José Rentes de Carvalho (Relâmpagos de memória)






Relâmpagos de memória.

Tão vivos como se os factos acabassem de acontecer.

Por vezes incómodos, feitos juízes, opondo-se aos arranjos que inconscientemente propomos para moldar as versões do passado.

Desagradáveis também, recusando sumir no fundo para onde os queremos empurrar.

Ou meigos como ternuras de amante, embelecendo a lembrança, colorindo e tornando duradouro o que foi cinzento, o que foi fugaz.

A memória que nos põe em palcos onde nunca estivemos, fazendo-nos ouvir o aplauso nunca recebido.

A memória, com seus sobressaltos e mistérios, as suas sombras, cheia de ziguezagues, reviravoltas, impasses.

Cheia também de armadilhas em que de boa vontade caímos, a tecer a interminável teia do que não foi mas podia ter sido, da ficção tornada real à força de sonhada.

A memória e o seu comparsa, o esquecimento.



- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 15.


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9.8.11

Juan Bonilla (Epitáfio do enamorado)






EPITAFIO DEL ENAMORADO




Si alguien quiere escribir mi biografia
no hay nada más sencillo.
Dispone de dos fechas solamente:
la del dia en que te conocí
y la del que te fuiste.
Entre una y outra transcurrió mi vida.
Lo que ocurriera antes, lo olvide.
Lo que suceda ya, carece de importancia.


JUAN BONILLA
El Belvedere
(2001)





Se alguém quiser escrever a minha biografia
não há nada mais simples.
Tem só duas datas:
o dia em que te conheci
e o dia em que te foste.
Entre um e outro discorreu minha vida.
O que se passou antes, esqueci-o.
O que venha depois, carece de importância.


(Trad. A.M.)



>>  Outra versão:  Do trapézio (L.P.)
      No original, o pastiche de Alberto Caeiro parece evidente: Balconcillos

.

8.8.11

Manoel de Barros (Vento)






VENTO




Se a gente jogar uma pedra no vento
Ele nem olha para trás.
Se a gente atacar o vento com enxada
Ele nem sai sangue da bunda.
Ele não dói nada.
Vento não tem tripa.
Se a gente enfiar uma faca no vento
Ele nem faz ui.
A gente estudou no Colégio que vento
é o ar em movimento.
E que o ar em movimento é vento.
Eu quis uma vez implantar uma costela
no vento.
A costela não parava nem.
Hoje eu tasquei uma pedra no organismo
do vento.
Depois me ensinaram que vento não tem
organismo.
Fiquei estudado.



MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

.

7.8.11

Miguel d'Ors (Singular coisa ser poeta)






Es una cosa extraña ser poeta,
es una cosa extraña sentir la propia vida
llena de muchedumbres,
escuchar en el propio canto todos los cantos
y cotidianamente
morir un poco en todo lo que muere.

Es una cosa extraña ser poeta;
es sorprender al niño en los ojos del viejo,
es oír los clamores del bosque en la semilla,
adivinar que hay una primavera dormida
bajo cada nevada,
partir el pan y ver los segadores.

Es una cosa extraña: ser poeta
es convertirse en tierra para entender la lluvia,
es convertirse en hoja para saber de otoños,
es convertirse en muerto para aprender la ausencia.



Miguel d’Ors






Singular coisa ser poeta,
singular coisa sentir a sua vida
cheia de multidões,
escutar em seu canto todos os cantos
e diariamente
morrer um pouco em tudo o que morre.

Singular coisa ser poeta;
é surpreender a criança nos olhos do velho,
é ouvir na semente os clamores do bosque,
adivinhar que há uma primavera dormida
debaixo de cada nevada,
partir o pão e ver os segadores.

Singular coisa: ser poeta
é converter-se em terra para entender a chuva,
é converter-se em folha para saber de outonos,
é converter-se em morto para aprender a ausência.


(Trad. A.M.)

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6.8.11

Adolfo Casais Monteiro (Balanço)






BALANÇO





Afinal, toda a minha poesia era verdade...
A noite é infindável, e os dias
são a mesma vastidão de carne apodrecida
morrendo sem saber de que morria.
Os rios são os mesmos, ou as ruas,
que só levam lá de onde não saí.
O silêncio é sempre a única resposta.

Se não pedi, que haviam de me dar?


Adolfo Casais Monteiro


[Poemas da lusofonia]


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5.8.11

José Ángel Valente (O amor está no que estendemos)






El amor está en lo que tendemos
(puentes, palabras).

El amor está en todo lo que izamos
(risas, banderas).

Y en lo que combatimos
(noche, vacío)
por verdadero amor.
El amor está en cuanto levantamos
(torres, promesas).

En cuanto recogemos y sembramos
(hijos, futuro).

Y en las ruinas de lo que abatimos
(desposesión, mentira)
por verdadero amor.


José Ángel Valente





O amor está no que estendemos
(pontes, palavras).

O amor está no que erguemos
(risos, bandeiras).

E naquilo que combatemos
(noite, vazio)
por verdadeiro amor.

O amor está em quanto levantamos
(torres, promessas).

Em quanto colhemos e semeamos
(filhos, futuro).

E nas ruínas do que derrubamos
(mentira, usurpação)
por verdadeiro amor.



(Trad. A.M.)

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4.8.11

Luís de Camões (Verdes são os campos)






Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.


Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.


Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.



Luís de Camões



>>  José Afonso:Verdes são os campos (YouTube)


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3.8.11

Marcos Tramón (Razão de vida)






RAZÃO DE VIDA




Não por teres
a vida toda pela frente.
Não por ser
mais fácil o abraço
outonal das mulheres.
Não por medo da morte
nem por temeres a velhice.
Nem sequer por sentires
a ameaça do amor a teu lado,
porque não amas ninguém.
Mas por isso tudo
– pela lúcida vertigem
de te sentires vivo –
que é parte da vida
de que tu és parte.



MARCOS TRAMÓN
Desgana
Gijón (2010)


(Trad. A.M.)




>>  Puentes de papel (José Luis Morante>nota a ‘Desgana’)



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2.8.11

Um verso (98)






Um verso de José Alberto Oliveira
(há mais dois, pelo menos, poetas homónimos):




A luz inclina-se nos telhados de Lisboa


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Mario Benedetti (Amores penitentes)






AMORES PENITENTES




Os sacerdotes não costumam
enamorar-se das modelos
nem das nadadoras de umbigo


os sacerdotes gostam mais
de enamorar-se das monjas
em homenagem / dizem / à virgem maria


ah mas as monjas
quando se enamoram dum sacerdote
não pensam em qualquer homenagem
mas no sacerdote propriamente dito


os sacerdotes e as monjas
quando se enamoram
adquirem o hábito de ler a dois
o fervoroso
penitente
e divertido
cântico dos cânticos



MARIO BENEDETTI
El mundo que respiro
(2001)


(Trad. A.M.)

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1.8.11

Olhar (101)





Aquém-Doiro

Além-Doiro


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Jaime Sabines (Teu nome)






TU NOMBRE




Trato de escribir en la oscuridad tu nombre.
Trato de escribir que te amo.
Trato de decir a oscuras esto.
No quiero que nadie se entere,
que nadie me mire a las tres de la mañana
paseando de un lado a otro de la estancia,
loco, lleno de ti, enamorado.
Iluminado, ciego, lleno de ti, derramándote.
Digo tu nombre con todo el silencio de la noche,
lo grita mi corazón amordazado.
Repito tu nombre, vuelvo a decirlo,
lo digo incansablemente,
y estoy seguro que habrá de amanecer.


Jaime Sabines



[Poli del Amor]







Procuro escrever no escuro teu nome.
Procuro escrever que te amo.
Procuro dizer isto às escuras.
Não quero que ninguém saiba,
ninguém me veja às três da manhã,
passeando no quarto de cá para lá,
louco, cheio de ti, apaixonado.
Cego, iluminado, cheio de ti, a transbordar.
Digo teu nome com todo o silêncio da noite,
grita-o meu coração amordaçado.
Repito teu nome, volto a dizê-lo,
digo-o incansavelmente,
e estou certo que há-de amanhecer.


(Trad. A.M.)

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