31.3.23

Ruy Belo (A primeira palavra)




A PRIMEIRA PALAVRA

 

Acompanhando a recente curvatura da terra 
o primeiro olhar descreveu a sua órbita 
sobre as oliveiras. Só mais tarde
a pomba roubaria o ramo
e iria de árvore em árvore propagar a primavera.
Foi então que os olhos se cruzaram
e estava dita a primeira palavra
à superfície do tempo

Ruy Belo

 .

29.3.23

Javier Cánaves (Dois)




DOS


Vivo en un segundo.
Trabajo en la segunda planta de un edificio horrible.
Tengo dos grandes amores, uno sano, el otro enfermo:
mi hija y la literatura.
Nací un dos de septiembre.
Puedo ser muchos pero básicamente soy dos:
el que trabaja en un banco y el otro.
Tuve dos novias que me quisieron mucho
y dos talones por supuesto de Aquiles:
las mujeres y las copas.
Jamás supe decir que no a una segunda.
Moriré un día dos.

Javier Cánaves

  

Vivo num segundo.
Trabalho num segundo andar de um edifício horrível.
Tenho dois grandes amores, um são, outro doente:
minha filha e a literatura.
Nasci num dois de Setembro.
Posso ser muitos, mas basicamente sou dois:
um que trabalha num banco e o outro.
Tive duas noivas que me queriam muito
e dois calcanhares, já se vê, de Aquiles:
as mulheres e os copos.
Jamais soube negar-me a uma segunda.
Hei-de morrer num dia dois.


(Trad. A.M.)


>>  Tu cita de los martes (blogue) / Al sur de todo mapa (2001) / Al fin has conseguido que odie el blues (2003) / El peso de los puentes (2006) / Desde la ciudad sin cines (recensão+poemas)

.

28.3.23

Virgilio Piñera (Testamento)




TESTAMENTO

 

Como he sido iconoclasta
me niego a que me hagan estatua:
si en la vida he sido carne,
en la muerte no quiero ser mármol.
Como yo soy de un lugar
de demonios y de ángeles,
en ángel y demonio muerto
seguiré por esas calles…
En tal eternidad veré
nuevos demonios y ángeles,
con ellos conversaré
en un lenguaje cifrado.
Y todos entenderán
el yo no lloro, mi hermano….
Así fui, así viví,
así soñé. Pasé el trance.


Virgilio Piñera

 

 

Como fui iconoclasta,
não aceito que me façam estátua:
já que em vida fui carne,
não quero na morte ser mármore.
Como eu sou de um lugar
de anjos e demónios,
como anjo e demónio morto
seguirei por essas ruas…
E na eternidade verei
novos anjos e demónios,
com eles conversarei
em linguagem cifrada.
E todos entenderão
o ‘eu não choro, meu irmão’…
Assim fui, assim vivi
e sonhei. Passei o transe.


(Trad. A.M.)

 .

26.3.23

Armando Silva Carvalho (Aqui)



AQUI

 
Aqui o inferno mata as profissões
que têm acesso ao ar.
Diz-se que deus se absteve
de criar servidores para os condenados
ao tédio.
Morre-se no emprego
com a garganta apertada por uma mão
sem ossos.
Aqui os anos crescem pouco ou nada.
Os dias e dias secam na raiz.
Não há horas felizes.
O sol sempre se deu bem com gente como esta
que salpica de chuva os seus pequenos
afazeres
para ficar em casa.
Gente com plenos poderes
para desmanchar a festa que se alonga
para lá da cabeça.
Diz um: eu sou o sábio de domingo.
Agora não me ocupo de dias úteis, de remendos d’alma,
de fragilidades.
Esperem por mim mas só depois
da missa.
Diz outro: a ética é grega de nascença
movemo-nos por números, já sentenciava Pitágoras.
Não cunhamos moeda, não sujamos as mãos
nos improvisados remos do naufrágio.
O nosso destino é perguntar.
Parece que deus quis que não nascesse a obra.
Nascer que nasça o sol
e é bastante.
Quem pergunta ao sonho pelo homem
de serviço?
Nos campos vicejam novamente as urtigas
são restauros agrícolas,
exemplos a seguir, ordens vindas de cima,
ao ouvido,
na sala dos banquetes.
O mar faz de cão velho e deixa-se ficar
à espera no patamar dos mitos.
Ninguém o suporta
nem ao seu uivar aos pés
da história.
Comovidos estamos, com um não sei quê,
um quanto, um como, uma dor
que levanta asas
e vai do vale à montanha
como vão os monges cavaleiros
à televisão.
Aqui a cidade abre-se para lá da noite
e é sempre belo ver a madrugada
a chorar os seus ídolos.
Aqui os que têm coração
têm desconto.


Armando Silva Carvalho

.

24.3.23

Angélica Morales (Lamber cravos)





LAMER CLAVOS

 

Dices: “Más sencilla, más sencilla,
que todo se ahogue en el silencio,
que no vengan las llagas a ensuciar lo limpio,
que el cielo siga siendo sólo cielo,
la distancia del prójimo sobre el corazón del pan,
un prado donde las mujeres bordan la madrugada y le dan de mamar al sueño”.
Y yo rompo los huesos del tiempo
y esparzo el polvo de una rosa a tus pies.
Yo, que conozco la guerra del hombre en la espalda de su animal,
la ambición de las piedras cuando el alba
derrama su sangre sobre lo pequeño
(hablo de un hogar donde tiemblan los retratos,
hablo de la infancia suave que se termina,
hablo de lluvia lamiendo el alcohol de una esperanza).
Pero insistes: “Más sencilla, más sencilla”,
como si el pecado necesitara la seda de un labio babilónico,
necesitara el rincón con sus arañas magníficas,
necesitara el tambor para anunciar su delirio.
Y yo busco,
remuevo la tierra con mis dientes,
peino el recuerdo de mis muertos,
clavo una cruz sobre el vacío
y bebo en el aire
el sudor desnudo de tu nombre.


Angélica Morales

 

 

Dizes: ‘Mais simples, mais simples,
que tudo se afogue no silêncio,
que as chagas não venham sujar o que está limpo,
que o céu seja ainda apenas céu,
 a distância do próximo no coração do pão,
um prado onde as mulheres tecem a madrugada
e dão de mamar ao sonho’.
E eu quebro os ossos do tempo,
espalhando a teus pés o pó de uma rosa.
Eu, que conheço a guerra do homem em cima do animal,
a ambição das pedras quando a aurora
derrama seu sangue sobre o pequeno
(falo de uma casa onde estremecem os retratos,
falo da infância suave que se vai,
falo da chuva lambendo o álcool de uma esperança).
Mas tu insistes: ‘Mais simples, mais simples’,
como se o pecado carecesse da seda de um lábio da Babilónia,
carecesse de um recanto com suas aranhas magníficas,
carecesse do tambor para anunciar seu delírio.
E eu busco,
removo a terra com os dentes,
penteio a memória de meus mortos,
espeto uma cruz no vazio
e bebo no vento
o suor nu de teu nome.

(Trad. A.M.) 

.

23.3.23

Ángel Manuel Gómez Espada (Parte da guerra)




PARTE DE GUERRA

 

Después del parte de guerra,
de las víctimas civiles,
del fuego amigo y el caos
en los mercados de Bagdad,
en las callejas de Faluya,
en los hospitales de Hama,
miramos, la mayoría atentos,
las noticias que trae la chica
del tiempo.
                 Este fin de semana,
en el que entra la primavera,
aún hará demasiado frío, o eso dicen,
para tumbarse al sol en nuestras playas.


Ángel Manuel Gómez Espada

 

 

Depois da parte da guerra,
das vítimas civis,
do fogo amigo e do caos
nos mercados de Bagdad,
nas ruelas de Faluya,
nos hospitais de Hama,
olhamos, com atenção,
para as notícias que traz a miúda
do tempo.
          Este fim de semana,
em que entra a Primavera,
ainda estará muito frio, dizem,
para nos estendermos ao sol nas praias.

(Trad. A.M.)

 .

21.3.23

Infância (CA-7)

 


INFÂNCIA


Uma mancha branca
no pano escuro da memória,
a infância.
Uma luzinha longe,
iluminando a distância.


(A.M.)

.


19.3.23

Ángel González (Fica quieto)




QUÉDATE QUIETO

  

Deja para mañana
lo que podrías haber hecho hoy
(y comenzaste ayer sin saber cómo).

 Y que mañana sea mañana siempre;
que la pereza deje inacabado 
lo destinado a ser perecedero;
que no intervenga el tiempo,
que no tenga materia en que ensañarse. 

Evita que mañana te deshaga
todo lo que tu mismo
pudiste no haber hecho ayer.
 

Ángel González 

 

Deixa para amanhã 
o que podias fazer hoje
(e que começaste ontem sem saber como). 

E que amanhã seja sempre amanhã; 
que a preguiça deixe por acabar
o que está destinado a perecer;
que o tempo não intervenha,
que não tenha matéria em que se assanhe. 

Evita que amanhã desfaça
tudo aquilo que tu mesmo
pudeste ontem não fazer.
 

(Trad. A.M.)

 .

18.3.23

Ángel Guinda (Caixas)




CAJAS



Lo diría una indígena y tendría razón.
‘Ustedes tienen la vida organizada en cajas.
Nacen y les depositan en una cajita,
su casa es una caja, y las habitaciones
son cajas más pequeñas.
Suben a la casa en una caja.
Bajan a la calle en una caja.
Viajan en una caja.
Duermen y hacen el amor sobre una caja.
A través de una caja ven el mundo.
Cambian de casa: lo meten en cajas.
Los Bancos y las Cajas hacen caja.
Y cuando mueren
los introducen también en una caja’.
Todo está hecho para que encajemos.
Nos encajan la vida.
Algunos no encajamos, y nos desencajamos.


Ángel Guinda

[Apología de la luz]

 

 

Uma índia diria e com razão:
‘Vocês têm a vida organizada em caixas.
Nascem e põem-nos numa caixita,
a casa é uma caixa e os quartos
são caixas mais pequenas.
Sobem para casa numa caixa,
descem à rua numa caixa,
viajam numa caixa,
dormem e amam sobre uma caixa.
Por uma caixa vêem o mundo,
mudam de casa, metem tudo em caixas,
os Bancos e as Caixas fazem caixa.
E quando morrem
metem-nos também numa caixa’.
Está tudo feito para encaixarmos,
encaixam-nos a vida.
Alguns de nós não encaixamos
e aí desencaixamo-nos.


(Trad. A.M.)

.

15.3.23

Roberto Fernández Retamar (Felizes os normais)




FELICES LOS NORMALES



Felices los normales, esos seres extraños,
Los que no tuvieron una madre loca, un padre borracho, un hijo delincuente,
Una casa en ninguna parte, una enfermedad desconocida,
Los que no han sido calcinados por un amor devorante,
Los que vivieron los diecisiete rostros de la sonrisa y un poco más,
Los llenos de zapatos, los arcángeles con sombreros,
Los satisfechos, los gordos, los lindos,
Los rintintín y sus secuaces, los que cómo no, por aquí,
Los que ganan, los que son queridos hasta la empuñadura,
Los flautistas acompañados por ratones,
Los vendedores y sus compradores,
Los caballeros ligeramente sobrehumanos,
Los hombres vestidos de truenos y las mujeres de relámpagos,
Los delicados, los sensatos, los finos,
Los amables, los dulces, los comestibles y los bebestibles.
Felices las aves, el estiércol, las piedras.

Pero que den paso a los que hacen los mundos y los sueños,
Las ilusiones, las sinfonías, las palabras que nos desbaratan
Y nos construyen, los más locos que sus madres, los más borrachos
Que sus padres y más delincuentes que sus hijos
Y más devorados por amores calcinantes.
Que les dejen su sitio en el infierno, y basta.


Roberto Fernández Retamar

  

 

Felizes os normais, esses estranhos seres,
os que não tiveram uma mãe louca, um pai borracho, um filho delinquente,
uma casa em parte nenhuma, uma doença desconhecida,
os que não foram calcinados por um amor devorante,
os que viveram os dezassete rostos do sorriso e mais um pouco,
os cheios de sapatos, os arcanjos de chapéu,
os satisfeitos, os gordos, os lindos,
os rintintim e seus sequazes, os que como não, por aqui,
os que ganham. Os que são queridos até ao punho,
os flautistas seguidos por ratos,
os vendedores e seus compradores,
os cavalheiros ligeiramente sobre-humanos,
os homens vestidos de trovão e as mulheres de relâmpago,
os delicados, os sensatos, os finos,
os amáveis os doces, os comestíveis e os bebestíveis.
Felizes as árvores, o esterco, as pedras.

Mas que dêem passagem aos que fazem os mundos e os sonhos,
as ilusões, as sinfonias, as palavras que nos desbaratam
e nos constroem, os mais loucos que as mães, os mais borrachos
que os pais e mais delinquentes que os filhos
e mais devorados por amores calcinantes.
Que lhes deixem seu sítio no inferno, e basta.


(Trad. A.M.)

.

14.3.23

Virgilio Piñera (Quando vierem buscar-me)




CUANDO VENGAN A BUSCARME

 

Cuando vengan a buscarme      
para ir al baile de los cojos,    
diré que no uso muletas,          
que mis piernas están intactas.

Bailaré cha-cha-cha y son      
hasta caerme en pedazos,          
pero ellos insistirán            
en llevarme a ese baile extraño.  

Con dos hachazos estaré listo,    
con dos muletas iré remando,      
y cuando entre por esa puerta    
me pondrán una coja en los brazos. 

Ella me dirá: ¡Amor mío!,       
yo le diré: ¡Mi adorada!,        
¿cómo fue lo de tus piernas?  
¡cuéntame, que estoy sangrando! 

 Ella, con gran seriedad,    
me contará que fue a palos,      
pero haciendo de sus tripas      
corazón como un brillante,    
lanzará una carcajada        
que retumbará en la sala.  

 Después, daremos las vueltas      
de estos casos obligados,        
saludaremos a diestra, a siniestra 
y a muletazos.                 

Y cuando nadie lo espere,
a las dos de la mañana,          
vendrá el verdugo de los cojos    
para que no queden rastros.


VIrgilio Piñera

 

Quando vierem buscar-me
para ir ao baile dos coxos,
direi que não uso muletas,
e minhas pernas estão intactas.

Dançarei o cha-cha-cha e son 
até me cair ao pedaços,
mas eles hão-de insistir
levar-me ao estranho baile.

Com duas espadeiradas ficarei pronto,
com as muletas irei remando,
e quando entrar por essa porta
quero uma coxa em meus braços.

Ela me dirá: Amor meu!
E eu: Ó minha adorada!
como foi isso das pernas?
diz-me, que eu estou sangrando!

Ela, então, muito séria,
me dirá que foi à paulada,
mas fazendo já das tripas
coração como um brilhante,
lançará uma gargalhada
que soará na sala toda.

Depois daremos as voltas
destes casos obrigados,
saudando a um lado, a outro
e a passes de muleta

E quando ninguém o esperar,
lá pras duas da manhã,
virá o carrasco dos coxos
para se apagarem os rastos.


(Trad. A.M.)

 

>>  Virgilio P (sítio/tudo+algo) / Una broma colosal (blogue dedicado/ 2007-11 / Poeticous (12p)/ Circulo de poesia (6p) / Zenda (5p) / Zenda-2 (5p) / Wikipedia

.

12.3.23

Eduardo Guerra Carneiro (Fragmentos de uma elegia)




FRAGMENTOS DE UMA ELEGIA

(6)

Sei que me ouves na tempestade
e nas gotas que ficam nas folhas,
a brilhar. Sei nas ondas ouvir
teus mergulhos de sereia
e nos gritos dos golfinhos
entender teus recados. Percebo
no trinar dos pássaros outro
som - a tua voz. Assim, quando
em tempo de solidão e desamor,
em momentos de vazio e medo
mergulho em trevas de terror,
quase me apetece desistir, como tu
desististe. Mas procuro-te na vida
e na vida luto contra a morte.

Eduardo Guerra Carneiro

.

10.3.23

Mario Benedetti (Epílogo)




EPÍLOGO (*)

 

Antes de seu fim imerecido
Luz abriu os olhos uma última vez
e o seu olhar era uma despedida
jamais poderei esquecer 
aqueles olhos tão meus
a resumir uma vida
dando um amor derradeiro 
mais ou menos consciente 
das minhas mãos a tremer
daqui para a frente
mesmo partilhando o tempo
com os próximos, os de sempre meus,
mesmo que pergunte e responda e até ria
minha alma estará só em seu abrigo
resignada involuntária 
rodeada de lembranças inapagáveis 
e insónias tomadas de tristeza
e assim uma noite chegarei em silêncio 
à beira do meu último destino 
 

Mario Benedetti 

(Trad. A.M.)

 ____________________________

(*) De Carmen Alemany Bay, Casa de las Américas, n.° 256/2009, 6-8 (Tributo a Mario)

 .

9.3.23

Jorge Espina (Infância)




INFANCIA

  

Todo era blanco,
frío y blanco.
Humeaban los ladridos de los perros,
el viento aullaba en los cristales empañados,
el suelo crujía al caminar.
Me gustaba romper el hielo de los charcos,
diseccionar las ateridas hojas del acebo.
Y todo era blanco,
frío y blanco
pero un mundo verde 
tiritaba ya 
bajo la nieve.


Jorge Espina
 

 

Era tudo branco,
frio e branco.
Fumegavam os cães a ladrar,
o vento uivava nos vidros embaciados,
o chão estalava debaixo dos pés.
Eu gostava de partir o gelo das poças,
dissecar as congeladas folhas do azevinho.
E era tudo branco,
frio e branco,
mas um mundo verde
tiritava já
por baixo da neve.
 

(Trad. A.M.)

 .

7.3.23

Domingos da Mota (In memoriam)




IN MEMORIAM

                        (à minha Mãe)

 

Desaba o sol, o silêncio,
a dor no coração da terra
comovida; na levada

do tempo, no rigor da noite
para sempre desmedida.
Desaba a luz, o sentido - a vida.

 

Domingos da Mota

 .

5.3.23

Ángel Campos Pámpano (A rosa do mundo)




LA ROSA DEL MUNDO


               (Manuel Herminio Monteiro, in memoriam)


ha traído el domingo la ceguera
la mudez de unas manos que ensordecen
tus párpados cerrados a mis ojos

tan solo tres mujeres velan tu silencio
tres mujeres y el llanto desgarrado
del ángel del dolor que no consiguen ahuyentar
que permanece aún
prendido en tus entrañas

dan ganas de gritar
de no ausentarse
de quedarse aquí junto a los versos
últimos que leíste

porque a veces el grito y las palabras
escritas del poema dilatan la emoción
hasta las lágrimas
crean nuevos espacios compartidos
en los que respirar
profundamente
es imposible escapar a la pregunta
qué queda de tu luz esta mañana

hay flores secas que perfuman
la casa y sin embargo
alguien ha puesto entre tus manos frías
una rosa desnuda.


Ángel Campos Pámpano

 

o domingo trouxe a cegueira
a mudez de umas mãos que ensurdecem
tuas pálpebras cerradas a meus olhos

apenas três mulheres velam teu silêncio
três mulheres e o pranto rasgado
do anjo da dor que não conseguem afugentar
que permanece ainda
preso nas tuas entranhas

dá vontade de gritar
de não ir embora
de ficar aqui ao pé dos versos
últimos que leste

porque o grito, às vezes, e as palavras
escritas do poema dilatam a emoção
até às lágrimas
criam novos espaços partilhados
para respirar
profundamente
é impossível fugir à pergunta
o que resta de tua luz esta manhã

há flores secas que perfumam
a casa e contudo
alguém pôs nas tuas mãos frias
uma rosa nua


(Trad. A.M.)

.

4.3.23

Ana Pérez Cañamares (Às compras)




DE COMPRAS 

 

Hay días en que parece
que cualquier objeto
recién comprado
va a tener el poder
de cambiarlo todo. 

Miras los zapatos caros
la lámpara de diseño
la hermosa colcha india.
En silencio los miras
como adorándolos. 

Los miras y los miras y sientes
que si no te responden
es porque no sabes
hablar su idioma.
Pero es que tampoco sabes
cuál es la pregunta. 

Mientras la piensas
envejecen los objetos. 

Envejeces tú.
 

Ana Pérez Cañamares 

[Baile del sol

 

Há dias em que parece
que qualquer coisa
acabada de comprar
vai conseguir mudar tudo. 

Olhas os sapatos caros
a lâmpada de desenho
a bela colcha índia.
Em silêncio os olhas
como em adoração. 

Olhas e olhas e sentes
que não te respondem
porque tu não sabes
falar a sua língua.
Mas também não sabes
sequer qual é a pergunta. 

Enquanto pensas nela
envelhecem as coisas. 

Envelheces tu.

 
(Trad. A.M.)

 .

2.3.23

Armindo Rodrigues (Ao que na morte aspiro)




(XXIV)

 

Ao que na morte aspiro
não é ao esquecimento.

O esquecimento implica
ainda uma lembrança.

Para quem morre, a morte
é como nem ter sido.

ARMINDO RODRIGUES
Quadrante Solar
IN/CM (1984)

 .