31.7.21

Pere Quart (Brincando)




BRINCANDO

  

Navego a contracorrente,
vou quando os outros voltam.

Antes de pensar repenso,
choro e sorrio em silêncio
a sós.

Busco o anel que perdi
na terra da luz e bonança.

Tutto ch'altrui aggrada me disgrada.

Quando posso, divirjo.
Por exemplo,
não digo ‘figo da Índia’,
mas ‘figueira’.

E para perder a vida,
trabalho ao domingo.
Moribundo celebrarei
- se a família me deixar,
assim como as autoridades -
o meu aniversário natalício.


Pere Quart

(Trad. A.M./ Sobre versão José Batlló)

.

29.7.21

Natália Correia (O testamento dos namorados)




O TESTAMENTO DOS NAMORADOS


Escolhamos as coisas mais inúteis 
o verde água o rumor das frutas 
e partamos como quem sai 
ao domingo naturalmente. 

Deixemos entretanto o sinal 
de ter existido carnalmente: 
da tua força um castiçal 
da minha fragilidade um pente. 

Esse hieróglifo essa lousa 
deixemos para que uma criança 
a encontre como quem ousa 
um novo passo de dança. 

Natália Correia

 .

27.7.21

Raúl Gómez Jattín (Se queres ser uma boa vítima)




Si se quiere llegar a ser una buena víctima
es necesario saber de toda la dulzura
que entrelaza al verdugo con la muerte
de la paciencia con que afila su hacha
de la soledad que ilumina su vida
y la de sus inocentes hijos
del esfuerzo que implica portar y levantar el arma
de la sangre que pringa sus pantalones
Todas esas consideraciones deben estar presentes
en el momento de recoger nuestro pelo sobre la nuca
y poner en sus manos el pescuezo


Raúl Gómez Jattin

 

Se queres ser uma boa vítima
tens de saber de toda a doçura
que amarra o verdugo à morte
da paciência com que afia a faca
da solidão que lhe alumia a vida
do esforço que supõe carregar e erguer a arma
do sangue que lhe mancha as calças
Tudo isto deve ter-se presente
na hora de apanharmos o cabelo na nuca
e de lhe pormos o pescoço nas mãos.


(Trad. A.M.)

.

26.7.21

Raúl Ferruz (Indetectável)




INDETECTABLE

 

 Gente que brilla en habitaciones sin luces de Navidad.
Lobos que no creen en los renos.
Solitarios, anarquistas, misántropos, vencidos.
Hablo de vosotros, hablo de mí, hablo de nosotros.
La única fe, en el próximo gesto.
Muy buenos con los buenos. Muy malos con los malos.
Gente indetectable.
Almas afiladas.

 
Raúl Ferruz

 

Pessoas brilhando em salas sem luzes de Natal.
Lobos que não crêem em renas.
Solitários, anarquistas, misantropos, vencidos.
Falo de vós, de mim, de nós todos.
A única fé, no gesto seguinte.
Muito bem com os bons, muito mal com os maus.
Pessoas indetectáveis.
Almas afiadas.


(Trad. A.M.)

 .

24.7.21

Clarice Lispector (Esta é uma declaração de amor)




Esta é uma declaração de amor; amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável.
E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento,
sua tendência é a de não ter sutileza
e de reagir às vezes com um pontapé
contra os que temerariamente ousam transformá-la
numa linguagem de sentimento de alerteza.
E de amor.

A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas
a primeira capa do superficialismo.

Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.
Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montado
num cavalo e guiá-lo pelas rédeas,
às vezes lentamente, às vezes a galope.

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos.
E este desejo todos os que escrevem têm.
Um Camões e outros iguais não bastaram
para nos dar uma herança de língua já feita.

Todos nós que escrevemos, estamos fazendo do túmulo do pensamento
alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos.
Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua
que não foi aprofundada.
O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever,
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo.
Mas como não nasci muda e pude escrever,
tornou-se absolutamente claro para mim
que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas:
só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

 
Clarice Lispector

 .


22.7.21

Francisco Brines (Interior da paisagem)




INTERIOR DEL PAISAJE

 

Cómo decir este momento rosa de la tarde cayendo
detrás del alto monte que oscurece?
¿Y para qué decirlo? ¿Para salvar mis ojos?
Contempla en el jardín las flores de este otoño,
las tapias recubiertas de hiedras y jazmines,
y el paso misterioso de los pájaros 
que vuelan de repente del lugar de una sombra,
o que buscan las ramas
                                             y se mecen
en densos y caídos surtidores
de rojas buganvilias.
No salvas nada tú, ni ellos te salvan.
(Cae la tarde hoy con tan grande sosiego,
es el tiempo tan íntimo
con el canto en su centro del pájaro que escuchas...)  

La luz de allá, desde tu solitaria habitación, es otra
          habitación que aloja al mundo en sombras
y su Dueño, el que ignoro, ha cerrado la puerta
y ha entornado el balcón,
y ya todo el jardín, y el campo que lo cerca, es un rincón
          espeso,
y han callado los pájaros. 

Mira cómo se encienden, una aquí y otra allá, las velas en
           la noche.
Nunca creí que el último naufragio fuese un lugar tan
          cierto, y tan a tientas.

Francisco Brines

 

  

Como dizer este momento rosado da tarde a cair
por trás do monte alto que escurece?
E para quê dizê-lo? Para salvar os olhos?
Contempla no jardim as flores deste outono,
os muros cobertos de hera e jasmins,
e o voo misterioso dos pássaros 
que aparecem de repente do lugar de uma sombra,
ou buscam os ramos
e ficam a abanar-se nos braços
densos e caídos
de buganvílias vermelhas.
Não salvas nada, tu, nem eles te salvam.
(Cai hoje a tarde com grande placitude,
é o tempo tão íntimo
envolvendo o canto do pássaro que escutas…)

A luz além, vista do teu quarto solitário,
é outro
quarto que aloja o mundo das sombras
e o seu dono, que eu não conheço, fechou a porta
e cerrou a varanda,
e todo o jardim, assim como o campo em volta,
é agora um recanto espesso
e calaram-se os pássaros.

Olha as velas, uma aqui, outra além,
como se acendem
na noite.
Nunca pensei que o último naufrágio fosse um lugar tão
real, e tão incerto.


(Trad. A.M.)

.

21.7.21

José María Valverde (Deixo-vos tudo)




Todo os lo dejaré cuando me muera;                     
las rosas que yo solo comprendía,
mi aire, mi cielo y luz, mi noche y día,
mi asombro de existir, mi vida entera.

Y pues completa dárosla quisiera,
tomad también la gota de armonía
que a ese mundo he añadido, mi poesía
con su revelación en mi manera.

...Pero sé que aunque os deje voz y trino
me llevaré al silencio eterno, muerto,
este modo de ver que me arrebata,

este mundo inefable que adivino,
esta revelación que nunca acierto
a expresar, que me aprieta y que me mata.


José María Valverde

 

 

Deixo-vos tudo quando morrer,
as rosas que só eu compreendia,
meu ar e meu céu, minha noite e meu dia,
meu assombro de viver, minha vida toda.

E pois que toda vo-la quero dar,
tomai também a gota de harmonia
que acrescentei ao mundo, a poesia
que desde sempre cultivei.

Deixando-vos a voz e o trinado,
levo comigo para o silêncio eterno
este modo meu que me arrebata,

este mundo inefável que adivinho,
esta revelação que me cala dentro do peito,
que não expulso e que me mata.


(Trad. A.M.)

.

17.7.21

Piedad Bonnett (Regresso)




REGRESO

 

Callan de pronto los abrazos
pues ya no sabe nadie qué decir,
tanto ha mordido el tiempo desde entonces.
Algo entorpece el aire, algo vacila entre la vieja silla
y el gesto de la mano.
Y la sonrisa del recién llegado
es como el santo y seña de un hombre que ya ha muerto.

Hay, es verdad, una tarde fatigada de sol en la memoria,
y en el umbral de ayer
una madre doblando cada cosa,
doblando pena a pena con su casi sonrisa.
¿Pero quién dice nada, quién echa al mar las redes,
quién desata los cabos que ha ido atando el tiempo?

Piedad Bonnett

 

 

Calam-se de repente os abraços,
ninguém sabe já o que dizer,
tanto desde então o tempo tem mordido.
Algo entorpece o ar, algo vacila entre a velha cadeira
e o gesto da mão.
E o sorriso do recém-chegado
é como o santo e senha de alguém que morreu já.

Há, sim, uma tarde fatigada de sol na lembrança
e na soleira de ontem
uma mãe dobrando cada coisa,
dobrando pena a pena com seu quase sorriso.
Mas quem diz nada, quem deita as redes ao mar,
quem desata os cabos que o tempo foi atando?


(Trad. A.M.)

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16.7.21

Pedro Salinas (Este meu filho)




ESTE MEU FILHO

 

“Este meu filho foi sempre um díscolo…
Foi para a América num barco à vela,
não cria em Deus, acompanhou
com más mulheres e com anarquistas,
correu o mundo inteiro sem assentar a cabeça…
E agora que tinha voltado para mim, Senhor,
agora que parecia…” 

Pela porta entreaberta
passa um odor de flores e de cera.
No pinho humilde do caixão o filho
tem agora bem assente a cabeça.
 

Pedro Salinas

(Trad. A.M.)

.

14.7.21

W. B. Yeats (Com a idade vem o tino)



THE COMING OF WISDOM WITH TIME

 

Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.

W. B. Yeats

 

 

Muitas são as folhas, mas a raiz é só uma;
Nos dias de ilusão da juventude,
abanei ao sol minhas folhas e flores;
Agora posso murchar com a verdade.
 

(Trad. A.M.)

 

> Outra versão: Acontecimentos (J.A. Baptista)

 .

12.7.21

Pedro César Alcubilla (O que fica do dia)



LO QUE QUEDA DEL DÍA 

 

Se apaga lentamente
como un rescoldo.
Todo ese fuego
de idas y venidas,
de tráfico incesante
de miradas,
de actos, entreactos,
principios y finales
repetidos,
todo,
absolutamente todo,
lentamente,
va perdiendo
su luz,
hasta que alguien
o algo,
por ejemplo,
un gato de puntillas
desde su tejado,
pulsa un interruptor,
y se enciende,
también,
lentamente,
la noche.


Pedro César Alcubilla


 

Apaga-se lentamente
como um rescaldo.
Todo esse fogo
de idas e vindas,
de tráfico incessante
de olhares,
de actos, entreactos,
princípios e finais
repetidos,
tudo,
absolutamente tudo,
lentamente,
vai perdendo
a luz,
até que alguém
ou algo,
um gato, por exemplo,
em bicos de pés,
no telhado,
liga um interruptor,
e acende-se,
lentamente,
também,
a noite.


(Trad. A.M.)

.

11.7.21

Jenaro Talens (Avatares da intimidade)



AVATARES DE LA INTIMIDAD



Ahora que tu costumbre de blindar sin descanso
los territorios íntimos del ser
poco a poco da paso a un vivir más en calma
descubres que por fin ha llegado tu hora,
la de no poner trabas a la naturaleza.
Te sorprende dejar que lo real penetre
en ti, sin cortapisas, y
puedas decir «te amo» sin que el terror te asalte.
Luego los pormenores cotidianos
giran sin tregua a nuestro alrededor
y ves cómo tu cuerpo dedica su energía
a entregarse a otro cuerpo
mientras dices palabras que nada comunican,
que van desde tu boca hasta mi oído
como una especie de caricia. ¿Aceptas
esta otra forma nueva de monologar? Anoche
te miraba dormir para evitar que el tiempo transcurriese.
Adiviné que tras los árboles que dan sombra al jardín
el silencio es más grande, pero ya no me importa:
sé que algún cielo existe, porque estás conmigo.


Jenaro Talens

[El cultural

 

Agora que teu costume de blindar sem descanso
os terrenos íntimos do ser
cede pouco a pouco a uma vida mais calma,
descobres que chegou enfim tua hora,
a de não pôr peias à natureza.
Admiras-te de deixar que o real te penetre,
sem restrições,
e que possas dizer ‘amo-te’ sem te assaltar o terror.
Depois os pormenores do quotidiano
giram sem parar à nossa volta
e vês o teu corpo dedicar a energia
a entregar-se a outro corpo,
enquanto dizes palavras que nada dizem,
meras carícias de uma boca a um ouvido. Aceitas
tal forma nova de monologar? De noite,
olhava para ti a dormir, para evitar que o tempo passasse.
E adivinhei que por trás das árvores que dão sombra ao jardim
é mais pesado o silêncio,
mas já nada me importa:
algum céu sei que existe, pois tu estás comigo.


(Trad. A.M.)

.

9.7.21

Manoel de Barros (O apanhador de desperdícios)




O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros

 .

7.7.21

Pedro A. González Moreno (Neste quarto)



En este habitación, que va adquiriendo
día a día el tamaño de todos sus fantasmas,
no cabe ni siquiera
la voz con que te busco,
ni el leve contraluz en donde la memoria
alzó su arqueología de promesas.
Nadie
podría traspasar esta puerta de agua
sin ser agua también.
Todo, dentro, se queda
sellado con el lacre de los recuerdos;
dentro crecen las llamas imposibles
de poemas no escritos,
y crecen las imágenes
de unos espejos rotos
en donde ya no caben nuestros gestos,
en donde ya no cabe ni ese grito
de mi voz inventándote.

 
Pedro A. González Moreno

 [El toro de barro]


  

Neste quarto, que vai ganhando
dia a dia o tamanho de seus fantasmas,
não cabe sequer
a voz com que te busco,
nem o leve contra-luz onde a memória
ergueu sua arqueologia de promessas.
Ninguém
poderia passar nesta porta de água
sem ser água também.
Tudo, aqui dentro, fica
selado com o lacre das lembranças;
crescem aqui as chamas impossíveis
de poemas não escritos,
crescem as imagens
de alguns espelhos partidos
onde já não cabem os gestos,
onde não cabe já nem este grito
da minha voz que te inventa. 

(Trad. A.M.)

.


6.7.21

Carlos Iglesias Díez (Dedicatória)




DEDICATORIA

 

Para ti me invento
días sin calendario,
donde vuelan las horas
como
calladas sinfonías,
la noche esculpe
en Luna
los besos que te doy,
y la ternura solo es
ese pájaro herido
que tiembla
entre tus manos


Carlos Iglesias Díez

 

 

Para ti eu invento
dias sem calendário,
onde as horas voam
como
caladas sinfonias,
a noite esculpe
na Lua
os beijos que eu te dou,
e a ternura é apenas
esse pássaro ferido
que estremece
nas tuas mãos.


(Trad. A.M.)

.

4.7.21

Armando Silva Carvalho (Varanda de Pilatos)




VARANDA DE PILATOS

 

Não há tempo. Há o espaço. O sol e as nossas voltas.
Os bocejos da lua, o clã dos astros.
Os buracos negros.
Ó mãe! Para onde foram os seres vivos de ainda
há pouco em todo o seu esplendor?
Mortos como tu, a natureza recebe-os.
A Terra, essa criança atroz, destrói os seus brinquedos
numa rotina mecânica.
Quantas noites me faltam? Quantos beijos no escuro?
Quanta luz me cabe ainda nas pupilas?
Os anos não me matam, não me ferem os meses,
as horas não me guilhotinam.
As células vão ardendo nos seus mapas
de nervos, o sangue demora sempre mais um pouco
a chegar ao seu destino orgânico.
Devagar, devagar, a cabeça amolece.
Devagar no colo do sono.
Ó mãe. Um ninho. Uma cama macia no teu ventre.
Uma exposição de sinais. Uma geometria
que me liga ao saber acumulado.


Armando Silva Carvalho

 .


2.7.21

Pablo Neruda (O insecto)





EL INSECTO 


De tus caderas a tus pies 
quiero hacer un largo viaje. 

Soy más pequeño que un insecto. 

Voy por estas colinas, 
 son de color de avena, 
tienen delgadas huellas 
que sólo yo conozco, 
centímetros quemados, 
pálidas perspectivas. 

Aquí hay una montaña. 
No saldré nunca de ella. 
¡Oh qué musgo gigante! 
¡ Y un cráter, una rosa 
de fuego humedecido! 

Por las piernas desciendo 
hilando una espiral 
o durmiendo en el viaje 
y llego a tus rodillas 
de redonda dureza 
como a las cimas duras 
de un claro continente. 

Hacia tus pies resbalo, 
a las ocho aberturas, 
de tus dedos agudos, 
lentos, peninsulares, 
y de ellos al vacío 
de la sábana blanca caigo, 
buscando ciego y hambriento 
tu contorno de vasija quemante! 


 Pablo Neruda 




Das tuas ancas aos teus pés 
quero fazer uma longa viagem. 

 Sou mais pequeno que um insecto. 

 Percorro estas colinas, 
são da cor da aveia, 
têm trilhos estreitos 
que só eu conheço, 
centímetros queimados, 
pálidas perspectivas. 

Há aqui um monte. 
Nunca dele sairei. 
Oh que musgo gigante! 
Uma cratera, uma rosa 
de fogo humedecido! 

Pelas tuas pernas desço 
tecendo uma espiral 
ou adormecendo na viagem 
ou alcanço os teus joelhos 
duma dureza redonda 
como os ásperos cumes 
dum claro continente. 

Para teus pés resvalo, 
para as oito aberturas 
dos teus dedos agudos, 
lentos, peninsulares, 
e deles para o vazio 
 do lençol branco caio, 
procurando cego e faminto 
teu contorno de vaso escaldante. 


(Trad. Albano Martins)
.

1.7.21

José María Valverde (O silêncio)




EL SILENCIO      


Yo te espero, mi amor, para el silencio.
¿Para qué cantar más cuando ya seas cierta?

Cansado de gritar de maravilla,
cansado del asombro sin palabras,
me callaré despacio, como el niño feliz
que se duerme, en las manos el juguete.

Tardarás mucho tiempo en dormirme del todo,
en borrarme los últimos recuerdos que me hieren,
lentísimos recuerdos sin forma ni sustancia;
sombra más bien, o sangre y carne casi,
con raíces que entraron mientras iba creciendo.

Y tendré el blanco sueño de la infancia
desde el que hablaba a Dios, aun a mi lado;
aquel sueño, tan cerca de la muerte,
que podía llegar, serena, clara,
a volverme a mi origen, aun casi en el recuerdo.

Sueño que no será como el de ahora,
lleno de ávidos pozos, de agujeros
que de repente se abren a la nada;
porque tendrá, disuelta en su materia,
como nana de madre,
tu voz muda, la luz de tu existencia,
tapizando las salas de mi sueño.

No me pidas que cante cuando vengas.
Cansado estoy del canto. Tú has de ser la paz última,
el blanco umbral de Dios...

Sólo oirás mi silencio, como rumor de fuente,
como la paz de un lago, creada por tus manos,
trayéndote el reflejo de Dios para alabarte.
Confundidas las almas
en las anchas llanuras del silencio, en su noche
sin borde, esperaremos...

José María Valverde

 

 

Espero por ti, meu amor, para o silêncio.
De que servirá cantar ainda, quando tu fores verdade?

Cansado de gritar maravilhado,
cansado do assombro sem palavras,
calar-me-ei devagar, como a criança
que adormece com o brinquedo nas mãos.

Muito tempo levarás a adormecer-me de todo,
a apagar as lembranças que me doem,
lentíssimas lembranças sem forma nem substância;
sombra sim, ou sangue e carne quase,
com raízes que entraram enquanto eu ia crescendo.

E terei aquele sonho branco da infância,
donde falava com Deus, ainda a meu lado;
aquele sonho, tão perto da morte,
que podia vir, serena, clara,
levando-me à origem, quase na lembrança.

Sonho que não será como este de agora,
cheio de poços ávidos, de buracos
que se abrem de repente para o nada;
porque terá como canção de embalar
tua voz muda, a luz da tua vida
forrando as salas do meu sonho.

Não me peças que cante quando vieres,
que estou cansado do canto. Tu hás-de ser a paz última,
a soleira branca da porta de Deus…

Ouvirás apenas meu silêncio, como rumor de fonte,
como a paz de um lago, criada por tuas mãos,
trazendo até ti o reflexo de Deus.

Confundidas as almas
nas largas planícies do silêncio, em sua noite
sem beira, esperaremos…


(Trad. A.M.)

 .