28.11.17

Raúl Nieto de la Torre (Ninguém sabe onde pode levar uma escada)





NINGUÉM SABE ONDE PODE LEVAR UMA ESCADA



Se posso subo a correr as escadas,
é o modo mais rápido de passar o vazio que há
de um piso para outro,
de um dia para outro,
de uma página em branco para outra página em branco,
onde uma é a neve e outra apenas o frio da neve.
Quem poderá distingui-las sem abrir bem os olhos,
sem subir a escada triste do mesmo edifício
uma e outra vez,
um dia e outro dia,
até os degraus serem pequenos precipícios
e meus tropeções voos falhados, mas voos
afinal com a emoção do voo
e a impressão de errado rumo de um homem livre?

Sim, amigos,
se posso subo a correr as escadas
e evito o ascensor,
sua intimidade constrangedora,
sua luz eléctrica suspensa do tempo como baba luminosa;
e evito o tipo amável que abre a porta
para que eu o acompanhe na sua miséria
com meu silêncio de poemas não ditos,
porque um poema num ascensor
é um esconjuro que se volta contra nós mesmos.

Se posso escolho o sonho de subir escadas,
como escolhi por vezes não matar ninguém;
as escadas onde caíram ao menino os berlindes
e que ele desceu para apanhá-los,
olhando um instante para o alto a espreitar
as fraldas ao futuro
e o futuro não tinha nada por baixo.
(Agora os berlindes simbolizam planetas,
o olhar para cima a busca de Deus
e a queda a morte do mesmo,
mas quem é que será o menino?)

Por vezes escuto uma voz e então paro,
congelando-se a imagem do menino e do homem
e do ascensor entre dois pisos;
uma voz que me deixa como que gelado,
que me chama por aquele nome que não dissemos a ninguém
e me grita que não há mais pisos,
que minha vida acaba ali,
que embora queira continuar subindo,
mais alto não chegarei.


Raúl Nieto de la Torre


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