E os pretorianos de Costa Cabral a fugir sempre, nas azas do
pavor, as mochilas a ringir com attritos ásperos do correame, e a trapejar nas
costas contra as patronas. Eis senão quando, outra vez lhes surge pela frente o
padre, á entrada de Fafe, com um só homem á sua beira, e de novo lhes proclama
que se rendam.
Como não lhe respondessem, o padre esfogueteia-os com a pistola,
e os janisaros não lhe atiram, por já estarem por experiência escarmentados e
desconfiarem que o padre ou é santo ou incombustivel; e além d'isso não tinham cartuxame
para descargas meramente theatraes.
Depois, no transito de duas léguas entre Fafe e Guimarães,
um tiroteio fulminantissimo. As massas juncavam os serros, e desenrollavam
pelos desfiladeiros n'um grande estrupido de socos ferrados. Um fogo do
inferno, uma granizada de balas sibilantes, exterminio ‘à outrance’, em que não
morreu um só guerrilha, por que Deus os resguardava, diz o livro; mas como também
não faltasse alguma praça, é de fé que Deus se houve entre os dois partidos com
uma honrada imparcialidade.
Não aconteceu o mesmo com certas pessoas extranhas ás duas
facçoens. Por exemplo, a tropa matou um mendigo, e um lavrador que estava
cavando o seu campo. Estes dous nnocentissimos defuntos, a descoberto da
protecção divina, é que pagaram as favas. Verdade é que o lavrador assassinado
tinha morto, em 1808, em egual dia e hora, um soldado francez da invasão.
Assim reflexiona, com lardo de latim do Génesis, o snr.
padre Casimiro Vieira, o generalíssimo de uma guerra fratricida que, poucos
mezes depois, ladrilhava com duzentos cadáveres as ruas de Braga.
Quem varias
vezes descarregou a sua pistola, em lucta civil, sobre os seus conterrâneos,
entendo eu que, por caridade, devia dar-se de suspeito como juiz na causa
determinante da morte do portuguez invadido que matara o francez invasor. De
resto, tudo muito bem. (pp. 72-3)
CAMILO CASTELO BRANCO
Maria da Fonte
Porto (1901)
Maria da Fonte
Porto (1901)
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