10.4.15

Manuel Bandeira (Poética)





POÉTICA



Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expedien-
te protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicioná-
rio o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de
si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes ma-
neiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos ‘clowns’ de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Manuel Bandeira

[Poemas de Bandeira]

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