30.1.15

José Cardoso Pires (As porteiras)





As porteiras, oh que ouvidinhos.

Oh que línguas de platina.

Muitas, casadas com polícias, são polícias também por comunhão de bens; outras, abelheiras de casa em casa, rebuscam nas limpezas armazenando segredos; mas quase todas camponesas, rafeiras à meia porta, mui domésticas.

Ao pobre viram o dente, ao rico abanam o rabo.


JOSÉ CARDOSO PIRES
Balada da Praia dos Cães
(1982)

.

Rafael Cadenas (Homenagem)





HOMENAJE



Ya no sé quién soy.
Si oigo mi nombre
ignoro qué designa
ese sonido
tan raro
como
mi respiración
o como haber nacido
o estar aquí.

Rafael Cadenas




Não sei já quem sou.
Se meu nome escuto
não sei o que designa
esse som
tão estranho
como
a minha respiração
ou ter nascido
ou estar aqui.

(Trad. A.M.)

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29.1.15

Valter Hugo Mãe (Fim)





FIM



tentei matar-me no dia onze de julho de
dois mil e seis. o sol era intenso mas
os meus olhos perderam de tal modo a luz,
que a própria faca brilhando se tornou
apenas um animal de dentes afiados que
me feriu os dedos mas não se deixou
apanhar. a morte fugiu-me assim. foi o
mais estranho que me aconteceu e pode
só isso ser o mais peculiar que tenho
para deixar dito, deitando por terra qualquer
obra, qualquer outro poema, que soará,
seguramente, uma redundância depois
que a vida se prolonga para lá do fracasso


VALTER HUGO MÃE
Contabilidade
Poesia 1996-2010
Alfaguara (2010)

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28.1.15

Javier Lasheras (A paz definitiva do nada)





LA PAZ DEFINITIVA DE LA NADA



Si algún día fuiste mía y compartimos
el significado de esa extraña palabra
llamada ilusión, si en algún momento
tus sonrisas y cuidados fueron sólo para mí
o, también, si alguna vez dijimos al tiempo
la palabra futuro. Si alguna vez, escúchame,
mi querida perra, nuestra cama fue el abrazo
más insumiso y animal de la creación,
y tu cuerpo el candil que me daba fuego
ahora, de todo eso, de los besos de nube,
de las miradas precisas o los abrazos interminables,
de todo esto, ya no queda nada. Nada.
Ni tan siquiera odio o rabia, ni una maldita lágrima,
ni noches temibles ni mortecina nostalgia.
Ven conmigo un sólo instante y observa,
porque este animal torpe viejo cansado y sin memoria
se despide de ti para iniciar el rito sagrado
de enterrar esta historia, para buscar el sendero
de luz que con la más abyecta cobardía apagamos.
Ya nada puedo ofrecerte, no me queda ternura
ni piedad ni mano que tenderte. Mira perra,
mi dulce y vieja perra, mira cómo arde esta montaña
de versos que jamás debieron ser escritos,
mira este inmenso fuego porque de sus cenizas
tendremos la paz definitiva de la nada.

Pero ni el fuego, recuerda, borrará tus manos de mi cuerpo.

Javier Lasheras



Se algum dia foste minha e partilhámos
o significado dessa palavra estranha
chamada ilusão, se em algum momento
teus cuidados e sorrisos foram só para mim
ou, ainda, se algum dia dissemos ao tempo
a palavra futuro. Se alguma vez, ouve,
minha cachorra, a nossa cama foi o abraço
mais insubmisso e animal da criação,
e teu corpo o candil que me alumiava,
hoje, de tudo isso, dos beijos de nuvem,
dos olhares determinados ou dos abraços intermináveis,
de tudo isso, não resta nada. Nada.
Nem sequer ódio ou raiva, nem uma maldita lágrima,
nem noites terríveis, nem apagada tristeza.
Anda comigo um instante só e observa,
porque este animal canhestro, velho, cansado e sem memória
vai despedir-se de ti e começar o rito sagrado
de enterrar esta história, para buscar o caminho
de luz que apagámos na mais abjecta cobardia.
Nada posso já oferecer-te, não me resta ternura,
nem piedade, nem uma mão para te estender. Olha, cachorra,
minha doce e velha cachorra, olha como arde este monte
de versos que eu nunca devia ter escrito,
olha esta fogueira imensa porque de suas cinzas
teremos a paz definitiva do nada.

Mas nem o fogo, lembra-te, apagará tuas mãos do meu corpo.

(Trad. A.M.)

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27.1.15

Ver (154)




Artur Pastor (1922-99)

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María García Zambrano (Inutilidade da poesia)





INUTILIDAD DE LA POESÍA



Es inútil creerse
un ser imprescindible,
una elegida,
tocada por la musa,
la escriba de algún dios.

No es asunto la lírica
que nos dé beneficios:
cerrar alguna herida,
saber de dónde vienes,
reconocer alguna luz...

Y poco más.

María García Zambrano



É inútil pensar-se
um ser imprescindível,
uma eleita,
tocada pela musa,
a escriba de um deus qualquer.

Não é assunto a lírica
que nos conceda benefícios:
fechar uma ou outra ferida
saber de onde é que vimos,
reconhecer alguma luz...

E pouco mais.

(Trad. A.M.)


>>  Poemario de mujeres (5p) / Partir de ahora (blogue)


.

26.1.15

Ruy Belo (Missa de aniversário)

 




MISSA DE ANIVERSÁRIO



Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim-de-semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
neste canto de nós donde anualmente
te havemos piedosamente de desenterrar
Até à morte da morte


Ruy Belo


[As folhas ardem]

[Nobilissima visione]

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25.1.15

Laura Ponce (E não será por acaso)





Y NO SERÁ ACASO



¿Y no será acaso mi corazón
un animal de intermitencias
-ese animal que corre detrás del pulso de las cosas?
Hay algo del orden de la pena que
agazapado siempre salta.
¡Ah saber y ser feliz
sabiendo!

Laura Ponce




E não será por acaso meu coração
um animal de intermitências
- esse animal que corre atrás do pulsar das coisas?
Há algo como da ordem da pena que
acaçapado salta sempre.
Ah, saber e ser feliz
sabendo!

(Trad. A.M.)

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24.1.15

José Cardoso Pires (Nós cá somos assim)





Nós cá somos assim, a um lugar de sentenças chamamos de 'boa hora' e um campo de cemitério dizemos que é dos 'prazeres'.



JOSÉ CARDOSO PIRES
Balada da Praia dos Cães
(1982)

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Javier Galarza (Drenaje)





DRENAJE



drena el exceso
de todo eso
que no
supiste ser
cuando
el mundo
aún insistía

Javier Galarza


[De sibilas y pitias]

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23.1.15

Mark Strand (Regras para o Inverno)





LINES FOR WINTER



Tell yourself
as it gets cold and gray falls from the air
that you will go on
walking, hearing
the same tune no matter where
you find yourself
- inside the dome of dark
or under the cracking white
of the moon’s gaze in a valley of snow.
Tonight as it gets cold
tell yourself
what you know which is nothing
but the tune your bones play
as you keep going. And you will be able
for once to lie down under the small fire
of winter stars.
And if it happens that you cannot
go on or turn back
and you find yourself
where you will be at the end,
tell yourself
in that final flowing of cold through your limbs
that you love what you are.

Mark Strand



Diz a ti mesmo
ao chegar o frio e a cinza tombar das nuvens
que vais continuar a caminhar,
ouvindo a mesma melodia
estejas onde estiveres
- no meio do escuro
ou sob o branco gelado
do luar num vale de neve.
À noite ao arrefecer
diz a ti mesmo
aquilo que sabes que não é senão
a música dos teus ossos
enquanto caminhas. E hás-de
estirar-te por uma vez ao fogo
das estrelas de inverno.
E se acaso não puderes
seguir em frente nem voltar atrás
e te achares lá
onde hás-de estar no final,
diz para ti mesmo
nesse derradeiro sopro de frio
que estás muito bem como estás.

(Trad. A.M.)

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22.1.15

Francisco Madariaga (Aldo Pellegrini)





ALDO PELLEGRINI



Aldo Pellegrini fue un hombre de la materia
divina de lo terrestre y tenía el furor, el
dolor y el color de la infinitud.

Dotado de rebeldía poética, vital, a veces
era áspero, y con la cólera de un arcángel.

Muy tierno con los inocentes, atacó las madrigueras
de las impostaciones literarias, del desprecio, de
la imbecilidad de los poderes, y de la peste de la
técnica mal aplicada.

Su destrucción fue construcción.
Su arcángel, de llamas rojas y blancas, defendió a
poesía como pocos.

Aldo, te ruego que hasta reconocer el primer paraje
del infinito, entornando los ojos, seas áspero con los
primeros vientos solares que salgan a tu encuentro.

Francisco Madariaga



Aldo Pellegrini era um homem da matéria
divina do terrestre e tinha o furor,
a dor e a cor do infinito.

Dotado de rebeldia poética, vital, era áspero
às vezes, e com a cólera de um arcanjo.

Muito doce com os inocentes, atacou as madrigueiras
das imposturas literárias, do desprezo, da
imbecilidade dos poderes e da peste da
técnica mal aplicada.

A sua destruição era construção.
O seu arcanjo, de chamas brancas e encarnadas,
defendeu a poesia como poucos.

Aldo, rogo-te que até à primeira paragem
do infinito, cerrando os olhos, sejas áspero
com os primeiros ventos solares que saírem ao teu encontro.

(Trad. A.M.)



Wikipedia (Aldo Pellegrini)

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21.1.15

Ver (153)






Artur Pastor (1922-99)


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Rafael Cadenas (As pazes)





LAS PACES



Lleguemos a un acuerdo, poema.
Ya no te forzaré a decir lo que no quieres
ni tú te resistirás tanto a lo que deseo.
Hemos forcejeado mucho.
¿Para qué este empeño en hacerte a mi imagen
cuando sabes cosas que no sospecho?
Líbrate ya de mí.
Huye sin mirar atrás.
Sálvate antes de que sea tarde.
Pues siempre me rebasas,
sabes decir lo que te impulsa
y yo no,
porque eres más que tú mismo
y yo sólo soy el que trata de reconocerse en ti.
Tengo la extensión de mi deseo
y tú no tienes ninguno,
sólo avanzas hacia donde te diriges
sin mirar la mano que mueves
y te cree suyo cuando te siente brotar de ella
como una sustancia
que se erige.
Imponle tu curso al que escribe, él
sólo sabe ocultarse,
cubrir la novedad,
empobrecerse.
Lo que muestra es una reiteración
cansada.
Poema,
apártate de mí.

RAFAEL CADENAS
Poemas selectos
(2004)



Vamos combinar uma coisa, poema.
Eu não te obrigo a dizer o que tu não queres
e tu não te oporás tanto aos meus desejos.
Temos feito muita força.
Para quê o meu empenho em te fazer à minha imagem,
quando sabes coisas que eu nem suspeito?
Livra-te já de mim,
foge sem olhar para trás,
salva-te antes que seja tarde.
Porque sempre me ultrapassas,
sabes dizer o que te move
e eu não,
porque tu és mais do que tu mesmo
e eu sou só o que tenta reconhecer-se em ti.
Eu tenho o tamanho do meu desejo
e tu não tens nenhum,
avanças no teu caminho
sem olhar a mão que moves,
que te crê seu ao ver-te brotar dela
como substância em ascensão.
Impõe-te ao poeta,
que sabe só ocultar-se,
cobrir a novidade,
empobrecer-se.
Aquilo que mostra é uma reiteração
fatigada.
Poema,
afasta-te de mim.

(Trad. A.M.)



>>  Rafael Cadenas (sítio) / A media voz (45p) / Poesi.as (18p) / Letras.s5 (15p) / Wikipedia

.

20.1.15

Russell Edson (Nunca está triste o homem-armário)





THE REASON WHY THE CLOSET-MAN IS NEVER SAD



This is the house of the closet-man.
There are no rooms, just hallways and closets.
Things happen in rooms. He does not like things to happen…
Closets, you take things out of closets,
you put things into closets, and nothing happens…
Why do you have such a strange house?

I am the closet-man, I am either going or coming, and I am never sad.

But why do you have such a strange house?

I am never sad…


Russell Edson




Esta é a casa do homem-armário,
não tem quartos nem salas, só armários e corredores.
As coisas acontecem em salas, e ele não gosta que
as coisas aconteçam...
Armários, tiram-se coisas dos armários,
arrumam-se coisas nos armários, e não acontece nada...
Porque é que tens uma casa tão estranha?

Eu sou o homem-armário, estou sempre a ir e a vir,
e nunca estou triste.

Mas porque é que tens uma casa tão estranha?

Eu nunca estou triste...


(Trad. A.M.)

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19.1.15

Elder Silva (Instantes de hotel)

 




INSTANTES DE HOTEL



Cuelgo las medias
en el calefactor del cuarto
y así aún humeantes
dan un poco de pánico.
A la mañana ya estarán secas
y saldré con ellas
por calles de La Boca
y con ellas me sentaré
a escuchar a los mejores
poetas del continente
que prestigian este
workshop de invierno.

La poesía –no hay dudas-
mejora mucho con los pies
calientes.

Elder Silva

[Marcelo Leites]




Penduro as meias
no aquecedor do quarto
e de tanto fumegarem
até metem impressão.
De manhã estarão secas
para eu sair com elas
pelas ruas de La Boca
e me sentar depois
a ouvir os melhores
poetas do continente
que dão categoria
a este workshop de Inverno.

A poesia - não há dúvida -
é muito melhor com os pés
quentes.

(Trad. A.M.)


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18.1.15

José Cardoso Pires (Cervejaria Ribadouro)





O chá na cervejaria Ribadouro: Isto não é uma cervejaria, é uma baía de cascas de tremoços com canecas à deriva.

Chulos do Parque Mayer a atacarem o fastio na perna da boa santola, choferes de praça a combinarem a sua bandeirada de jogo num casino clandestino para os lados de Arroios ou para Campolide que são bancas de entendidos por onde a polícia faz que não vê.

Um galador de coristas a puxar fumaças à distância.

A dona Lurdes, abortadeira.

Mestres-de-obras a arrotar.

Oh, senhores.


JOSÉ CARDOSO PIRES
Balada da Praia dos Cães
(1982)
.

Eliseo Diego (Na cozinha)





EN LA COCINA



Enrosca el gato su delicia
de sí sobre sí mismo, duerme
de su principio a fin, secreto.
En tanto
esboza la penumbra disidencias
de cazuelas y potes, resistentes
al imperio del sueño.
Cae el mundo
por el filo del agua, gruñe
para sí el fuego, pero el gato
lo ignora:
permanece
sencillamente, inmune
a memoria y olvido, a salvo
en la delicia de su ser
- perfecto.

Eliseo Diego

[Otra iglesia]



O gato enrosca a sua delícia
de si em si mesmo, dorme
de cabo a rabo, em segredo.
Entretanto,
a penumbra esboça dissidências
de tachos e panelas, resistindo
ao império do sono.
Cai o mundo
pelo fio de água, grunhe
o lume para si mesmo, mas
o gato ignora-o:
permanece
simplesmente, imune
a lembrança e esquecimento,
a salvo na delícia de seu ser
- perfeito.

(Trad. A.M.)

.

17.1.15

Rosa Alice Branco (Aceitar o dia)





Aceitar o dia. O que vier.

Atravessar mais ruas do que casas,
mais gente do que ruas. Atravessar
a pele até ao outro lado. Enquanto
faço e desfaço o dia. O teu coração
dorme comigo. Agasalha-me as noites
e as manhãs são frias quando me levanto.
E pergunto sempre onde estás e porque
as ruas deixaram de ser rios. Às vezes
uma gota de água cai ao chão
como se fosse uma lágrima. Às vezes
não há chão que baste para a enxugar.


Rosa Alice Branco


[Fabrica de Escrita]

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16.1.15

Javier Almuzara (Sinais de identidade)

 




SEÑAS DE IDENTIDAD



Prefiero la alusión al testimonio,
el íntimo dolor al escenario.
Y, aunque mi estilo finja lo contrario,
gustándome Manuel yo soy de Antonio.

Admiro el verso exacto que perdura
porque está bien pensado. Queda claro
que no aspiro al misterio sino al raro
dominio de la luz y de la hondura.

Quisiera dejar fiel memoria mía
diciendo altas verdades que no sé
si en voz baja desmiente la ironía.

Así queda grabado en cuanto escribo
lo que fui, lo que soy, lo que seré.
Por no morir del todo me desvivo.


Javier Almuzara



Prefiro a alusão ao testemunho,
assim como a dor íntima ao cenário.
E embora meu estilo finja o contrário
gostando de Manuel eu sou de António.

Admiro o verso exacto que perdura
por estar bem pensado. Fica claro
que não aspiro ao mistério mas ao estranho
domínio da luz e da fundura.

Deixar queria fiel memória minha
dizendo altas verdades que não sei
se a ironia em voz baixa não desmente.

Assim fica gravado no que escrevo
o que fui, o que sou e o que serei.
Desvivo tudo para não morrer.


(Trad. A.M.)

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15.1.15

José Cardoso Pires (Conde Redondo)





Os eléctricos sobem a Conde Redondo a fio lento com cachos de passageiros a deitar por fora.

Cachos de moscas.

Há vendedores ambulantes perseguidos por polícias de maus fígados, snack-bares, montras de electrodomésticos, o Soares da Tabacaria está à porta a ver passar os passantes.

Que são muitos, os passantes; e como moscas, também.

Como moscas atarefadas.

Vão de rolinho de papel selado a caminho das repartições de bairro, a caminho dos guichets da vida em ordem, lá vão eles; ou se não vão aos selados vão à mão da Judite pela contrafé do nunca se sabe.


JOSÉ CARDOSO PIRES
Balada da Praia dos Cães
(1982)

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Jaime Sabines (Encanta-me Deus)





Me encanta Dios. Es un viejo magnífico que no se toma en serio. A él le gusta jugar y juega, y a veces se le pasa la mano y nos rompe una pierna o nos aplasta definitivamente. Pero esto sucede porque es un poco cegatón y bastante torpe con las manos.
Nos ha enviado a algunos tipos excepcionales como Buda, o Cristo, o Mahoma, o mi tía Chofi, para que nos digan que nos portemos bien. Pero esto a él no le preocupa mucho: nos conoce. Sabe que el pez grande se traga al chico, que la lagartija grande se traga a la pequeña, que el hombre se traga al hombre. Y por eso inventó la muerte: para que la vida - no tú ni yo - la vida, sea para siempre.
Ahora los científicos salen con su teoría del Big Bang... Pero ¿qué importa si el universo se expande interminablemente o se contrae? Esto es asunto sólo para agencias de viajes.
A mi me encanta Dios. Ha puesto orden en las galaxias y distribuye bien el tránsito en el camino de las hormigas, y es tan juguetón y travieso que el otro día descubrí que ha hecho frente al ataque de los antibióticos con ¡bacterias mutantes!
Viejo sabio o niño explorador, cuando deja de jugar con sus soldaditos de plomo de carne y hueso, hace campos de flores o pinta el cielo de manera increíble.
Mueve una mano y hace el mar, y mueve la otra y hace el bosque. Y cuando pasa por encima de nosotros, quedan las nubes, pedazos de su aliento.
Dicen que a veces se enfurece y hace terremotos, y manda tormentas, caudales de fuego, vientos desatados, aguas alevosas, castigos y desastres. Pero esto es mentira. Es la tierra que cambia - y se agita y crece- cuando Dios se aleja.
Dios siempre está de buen humor. Por eso es el preferido de mis padres, el escogido de mis hijos, el más cercano de mis hermanos, la mujer mas amada, el perrito y la pulga, la piedra mas antigua, el pétalo mas tierno, el aroma más dulce, la noche insondable, el borboteo de luz, el manantial que soy.
A mi me gusta, a mi me encanta Dios. Que Dios bendiga a Dios.

Jaime Sabines



Encanta-me Deus. É um velho magnífico que não se leva a sério. Gosta de brincar e brinca e às vezes escapa-lhe a mão e parte-nos uma perna, ou esmaga-nos para sempre. Mas isto acontece porque é um bocado visgarolho e bastante canhestro de mãos.
Enviou-nos alguns sujeitos fora de série, como Buda, ou Cristo, ou Maomé, ou a minha tia Chofi, para nos dizerem que nos portemos bem. Mas isto a ele não o preocupa muito, já nos conhece. Sabe que o peixe grande come o pequeno, que a lagartixa grande come a pequena, que o homem come o homem. E por isso inventou a morte, para que a vida - não tu, nem eu - a vida, seja para sempre.
Agora os cientistas vêm com a teoria do Big Bang... Mas o que é que importa se o universo se expande interminavelmente ou se contrai? Isso é coisa só para agências de viagens.
A mim encanta-me Deus. Pôs ordem nas galáxias e distribui bem o trânsito no carreiro das formigas, e é tão travesso e brincalhão que noutro dia descobri que enfrentou o ataque dos antibióticos com bactérias mutantes!
Velho sábio ou criança exploradora, quando pára de brincar com os seus soldadinhos de chumbo de carne e osso, faz campos de flores ou então pinta o céu duma maneira incrível.
Mexe uma mão e faz o mar, mexe a outra e faz o bosque. E quando nos passa por cima ficam as nuvens, pedaços do bafo dele. Às vezes, dizem, enfurece-se e faz terramotos, manda tempestades, rios de fogo, ventos desatados, águas aleivosas, castigos e desastres. Mas é mentira, isso. É a terra que muda - e agita-se e cresce - quando Deus se afasta.
Deus está sempre de bom humor. Por isso é o preferido dos meus pais, o escolhido dos meus filhos, o mais próximo dos meus irmãos, a mulher mais amada, o canito e a pulga, a pedra mais antiga, a pétala mais tenra, o aroma mais doce, a noite insondável, o borbotar de luz, o manancial que eu sou.
A mim agrada-me, a mim encanta-me Deus. Que Deus o abençoe.

(Trad. A.M.)

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14.1.15

Pedro Tamen (Herzog)





HERZOG



A minha desforra são palavras.
Levanto-me de manhã amarrotado
pelo peso inclemente das mentiras
e vazo no real outro real
das letras que ninguém vislumbrará.
O pássaro que canta é uma palavra,
é uma carta escrita a este, àquele,
que me saiu do lápis da amargura;
tudo se refaria se jamais feita fosse
alguma coisa que a minha mão não desse.
Desforro-me sem gosto. Desforro-me sem gasto,
acorrentado ao que me vem de trás
e ao que virá e que não sei se quero.


Pedro Tamen

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13.1.15

Jaime Gil de Biedma (Elegia e lembrança)





ELEGÍA Y RECUERDO DE LA CANCIÓN FRANCESA



Os acordáis: Europa estaba en ruinas.
Todo un mundo de imágenes me queda de aquel tiempo
descoloridas, hiriéndome los ojos
con los escombros de los bombardeos.
En España la gente se apretaba en los cines
y no existía la calefacción.

Era la paz - después de tanta sangre -
que llegaba harapienta, como la conocimos
durante cinco años.
Y todo un continente empobrecido,
carcomido de historia y de mercado negro,
de repente nos fue más familiar.

¡Estampas de la Europa de post-guerra
que parecen mojadas en lluvia silenciosa,
ciudades grises adonde llega un tren
sucio de refugiados: cuántas cosas
de nuestra historia próxima trajisteis, despertando
la esperanza en España, y el temor!

Hasta el aire de entonces parecía
que estuviera suspenso, como si preguntara,
y en las viejas tabernas de barrio
los vencidos hablaban en voz baja...
Nosotros, los más jóvenes, como siempre esperábamos
algo definitivo y general.

Y fue en aquel momento, justamente
en aquellos momentos de miedo y esperanzas
- tan irreales, ay - que apareciste,
oh rosa de lo sórdido, manchada
creación de los hombres, arisca, vil y bella
canción francesa de mi juventud!

Eras lo no esperado que se impone
a la imaginación, porque es así la vida,
tú que cantabas la heroicidad canalla,
el estallido de las rebeldías
igual que llamaradas, y el miedo a dormir solo,
la intensidad que aflige al corazón.

Cuánto enseguida te quisimos todos!
En tu mundo de noches, con el chico y la chica
entrelazados, de pie en un quicio oscuro,
en la sordina de tus melodías,
un eco de nosotros resonaba exaltándonos
con la nostalgia de la rebelión.

Y todavía, en la alta noche, solo,
con el vaso en la mano, cuando pienso en mi vida,
otra vez más ‘sans faire du bruit’ tus músicas
suenan en la memoria, como una despedida:
parece que fue ayer y algo ha cambiado.
Hoy no esperamos la revolución.

Desvencijada Europa de post-guerra
con la luna asomando tras las ventanas rotas,
Europa anterior al milagro alemán,
imagen de mi vida, melancólica!
Nosotros los de entonces, ya no somos los mismos,
aunque a veces nos guste una canción.


JAIME GIL DE BIEDMA
Moralidades
(1966)


[Cómo cantaba mayo]



Recordais-vos, a Europa estava em ruínas.
Resta-me desse tempo todo um mundo de imagens,
descoloridas, ferindo-me a vista
com os escombros dos bombardeamentos.
Em Espanha as pessoas apertavam-se nos cinemas
e não havia aquecimento.

Era a paz que chegava – depois de tanto sangue –
farrapenta, como a conhecemos
durante cinco anos.
E todo um continente empobrecido,
carcomido de história e de mercado negro,
tornou-se de repente mais familiar.

Estampas da Europa do pós-guerra
parecem molhadas de chuva silenciosa,
cidades cinzentas onde chega um comboio
sujo de refugiados, quantas coisas trouxestes
da nossa história próxima, despertando
a esperança em Espanha, e o temor!

Até o ar de então parecia
que estava suspenso, como se interrogasse,
e nas velhas tabernas de bairro
os vencidos falavam em voz baixa...
Nós, os mais jovens, esperávamos como sempre
algo geral e definitivo.

E foi nesse momento, justamente
nesses momentos de medo e esperanças
- ai, tão irreais – que apareceste tu,
ó rosa do sórdido, manchada
criação dos homens, arisca, vil e bela
canção francesa da minha mocidade!

Eras o não esperado que se impõe
à imaginação, porque assim é a vida,
tu que cantavas o heroísmo canalha,
a explosão das rebeldias
tal como labaredas, e o medo a dormir sozinho,
a intensidade afligindo o coração.

Quanto, a seguir, te amamos todos!
Em teu mundo de noites, com rapaz e rapariga
entrelaçados, de pé num canto escuro,
na surdina de tuas melodias,
um eco de nós ressoava exaltando-nos
com a nostalgia da revolta.

E ainda agora, noite alta, sozinho,
de copo na mão, quando penso na minha vida,
de novo ‘sans faire du bruit’ soam-me
tuas músicas na memória, como uma despedida:
parece que foi ontem, mas alguma coisa mudou.
Hoje não esperamos a revolução.

Desatada Europa do pós-guerra
com a lua a assomar por trás das janelas partidas,
Europa anterior ao milagre alemão,
imagem da vida minha, melancólica!
Nós, os de então, já não somos os mesmos,
embora às vezes gostemos de uma canção.

(Trad. A.M.)

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12.1.15

Ver (152)






Artur Pastor (1922-99)

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Jacob Iglesias (Ainda me obceca)





AÚN ME OBSESIONA



Sentí miedo de mi propio padre.
O, para ser más exacto, de ese cuerpo
pálido, rígido,
ni dormido ni despierto,
que yacía,
como un muñeco en su envoltorio,
en un féretro colocado en medio del salón.
Tenía sus mismos labios, su misma nariz
aguileña, su mismo pelo canoso,
pero aquello ya no era mi padre.
Y en eso, en aquel tránsito de naturalidad
insoportable, no en otra cosa,
consiste para mí
todo el misterio de la muerte.

Jacob Iglesias

[Escrito en el viento]



Senti medo do meu próprio pai.
Ou, para ser mais exacto, desse corpo
pálido, rígido,
nem dormido nem desperto,
que jazia,
como um boneco em seu envoltório,
num féretro colocado no meio do salão.
Tinha os mesmos lábios, o mesmo nariz
aquilino, o mesmo cabelo branco,
mas não era já o meu pai aquilo.
E nisso, não em outra coisa,
nesse trânsito de naturalidade insuportável
é que reside para mim
o mistério todo da morte.

(Trad. A.M.)

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11.1.15

Pedro da Silveira (Ilha)





ILHA



Só isto:
O céu fechado,
uma ganhoa pairando.
Mar. E um barco na distância:
olhos de fome a adivinhar-lhe a proa.
Califórnias perdidas de abundância.

Pedro da Silveira


[Pico da Vigia]

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10.1.15

Irene Sánchez Carrón (Em busca de olvido)





EN BUSCA DEL OLVIDO



No quiero los recuerdos ni el agua en los cristales,
ni el patio de frescura o el inútil silencio.

Salgamos a las calles en busca del olvido.
Y que algun día vuelvas y busques en la casa.

Y recorras el patio y no halles soledad
ni agua en los cristales, ni siquiera un recuerdo.


Irene Sanchez Carrón




Não quero lembranças nem água nos vidros,
nem o pátio fresco ou o silêncio inútil.

Vamos para a rua em busca de olvido.
E que voltes um dia e procures em casa.

E corras o pátio e não encontres saudade,
nem água nos vidros, uma lembrança sequer.


(Trad. A.M.)

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9.1.15

Ver (151)






Artur Pastor (1922-99)

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Idea Vilariño (Adeus)





ADIÓS



Aquí
lejos
te borro.
Estás borrado.

Idea Vilariño

[Escomberoides]



Aqui
longe
te apago.
Estás apagado.

(Trad. A.M.)

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8.1.15

Paulo Leminski (Blade Runner Waltz)





BLADE RUNNER WALTZ



Em mil novecentos e oitenta e sempre,
ah, que tempos aqueles,
dançamos ao luar, ao som da valsa
A Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,
nome, confesso, um pouco longo,
mas os tempos, aquele tempo,
ah, não se faz mais tempo
como antigamente
Aquilo sim é que eram horas,
dias enormes, semanas anos, minutos milênios,
e toda aquela fortuna em tempo
a gente gastava em bobagens,
amar, sonhar, dançar ao som da valsa,
aquelas falsas valsas de tão imenso nome lento
que a gente dançava em algum setembro
daqueles mil novecentos e oitenta e sempre.


Paulo Leminski

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7.1.15

Ida Vitale (Residua)





RESIDUA



Corta la vida o larga, todo
lo que vivimos se reduce
a un gris residuo en la memoria.

De los antiguos viajes quedan
las enigmáticas monedas
que pretenden valores falsos.

De la memoria sólo sube
un vago polvo y un perfume.
¿Acaso sea la poesía?


Ida Vitale





Curta a vida ou comprida,
tudo o que vivemos se reduz
a um resíduo cinzento na memória.

Das viagens antigas ficam
moedas enigmáticas
fingindo valores falsos.

Da memória sobe apenas
um pó vago, um perfume.
Será talvez a poesia?


(Trad. A.M.)

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6.1.15

Ver (150)






Artur Pastor (1922-99)

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Hugo Mujica (Só no fim)





SÓLO AL FINAL



Las dos orillas
son siempre una, pero se sabe sólo al final,
después, después de naufragar entre ellas.

Hugo Mujica




As duas margens
são uma só, mas isso sabe-se só no fim,
depois, depois de naufragar entre elas.

(Trad. A.M.)

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5.1.15

Nuno Júdice (Tempo)





TEMPO



Se corre devagar o tempo, e o tempo
não corre, em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as
horas se precipitam, ou o amanhã

que nunca mais chega neste hoje
que já passou? Mas o tempo só o é
quando o perdemos; e ao ver que
é tarde, não se volta atrás, nem

as voltas que o tempo dá o voltam
a fazer andar. Por isso é que o tempo
nos dá tempo para o ter, se ainda

houver tempo; e se tivermos de o perder,
nenhum tempo contará o tempo que se
gastou para saber o que se perdeu, ou ganhou.


Nuno Júdice


[Luz & sombra]

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4.1.15

Hugo Gutiérrez Vega (Para a avó)





(Para la abuela que hablaba con pájaros creyéndolos ángeles)


I
La Abuela abría las puertas de la mañana;
entraba el sol por el balcón cerrado
y un rayo se pegaba a sus gafas solares.
El día andaba ya por los corredores
abrillantando las plumas del pájaro ciego,
jugando un rato con los peces anhelantes
en su marecito engañoso,
y con el caracol de filos negros
en su playa de cristal.
La claridad giraba por los cuartos vacíos
y se escondía entre las cortinas.
De las gafas de la Abuela brotaba el día
y bajo mi cama se enroscaban los vientos.
Cerraba los ojos y regresaba al sueño.
Las sábanas me daban una noche que sólo existía ahí
y que se prolongaba por unas horas,
mientras la mañana maduraba
y se caía a pedazos en las calles de color naranja
y en el cielo azul y tonto de los trabajos para vivir.

II
Un polvo limpísimo casi más fino que el aire de esta mañana,
se levantó cuando abrimos la tumba de la Abuela.
La caja se deshizo, y el cráneo que tenía aún su blanca trenza
cayó con tanta gracia, que la tierra se negó a entrar en él.
¡Quién lo dijera!; tú que tanto temías morirte sola
has pasado diez años en la tumba hablando con tus ángeles
percibiendo las voces de tantas insolentes primaveras.
“La muerte es grande” dices, y la vida se concentra en tu trenza.
No hemos perdido nada. La mañana sigue entrando a la casa;
entrando sin cesar.
Si nada cesa tu nunca cesarás.
La muerte grande te beso las mejillas
y nosotros lloramos y reímos.
Estábamos contigo.
Tu memoria no se detuvo nunca.

HUGO GUTIÉRREZ VEGA
De cuando el placer termine
(1977)

[Desde babia]



(Para a avó que falava com os pássaros a pensar que eram anjos)

I
A Avó abria as portas da manhã;
o sol entrava pela varanda fechada
e um raio colava-se-lhe aos óculos escuros.
O dia andava já pelos corredores
fazendo brilhar as penas do pássaro cego,
brincando um pouco com os peixes anelantes
no seu marzinho fingido,
e com o caracol de fios negros
em sua praia de cristal.
A luz girava pelos quartos vazios,
escondendo-se entre as cortinas.
Dos óculos da Avó o dia brotava
e debaixo da minha cama enroscavam-se os ventos.
Eu fechava os olhos e o sono regressava.
Os lençóis traziam-me a noite que só ali existia
e se prolongava por algumas horas,
enquanto a manhã caía de madura
aos bocados nas ruas cor de laranja
e no céu azul entontecido dos trabalhos para viver.

II
Um pó limpíssimo mais fino que o ar da manhã
ergueu-se ao abrirmos a sepultura da Avó.
A caixa desfez-se e o crânio ainda com a trança branca
caiu com tanta graça que a terra se negou a entrar-lhe.
Quem diria! tu que tanto temias morrer sozinha
passaste dez anos na sepultura a falar com teus anjos
e a ouvir as vozes de tantas insolentes primaveras.
A morte é grande, dizes, e a vida concentra-se na tua trança.
Não perdemos nada. A manhã continua a entrar na casa,
a entrar sempre.
Se nada cessar, tu também nunca cessarás.
A morte grande beijou-te a face,
enquanto nós chorámos e rimos.
Estávamos contigo, a tua lembrança nunca se interrompeu.

(Trad. A.M.)

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3.1.15

Ver (149)






Artur Pastor (1922-99)

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Horacio Castillo (Para ser recitado)





PARA SER RECITADO EN LA BARCA DE CARONTE



El paisaje es más hermoso de lo que habíamos imaginado:
estas murallas que caen a pico sobre nosotros,
aquel sol negro descendiendo sobre la laguna,
allá, a estribor, un arco iris que refracta la niebla.
Pero esta moneda de hierro entre los dientes,
este óbolo que debemos morder hasta el término del viaje,
cierra la boca que desea cantar.
Cantar para estas almas tristes sentadas en el banco,
mientras el cómitre marca con el látigo el compás,
mientras ordena remar sin interrupción,
cada vez más fuerte, cada vez más rápido, más lejos de la luz.

Horacio Castillo

[Sibilas y pitias]



O panorama é mais belo do que imaginávamos,
estes muros caindo a pique sobre nós,
o sol negro a baixar na lagoa,
além, a estibordo, um arco-íris refractando a névoa.
Mas esta moeda de ferro nos dentes,
este óbolo a morder até ao fim da viagem,
tolhe a boca que deseja cantar.
Cantar para estas almas tristes sentadas no banco,
enquanto o comitre marca com o látego o compasso,
mandando remar sem parar,
cada vez mais forte, mais rápido,
mais longe da luz.

(Trad. A.M.)

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2.1.15

Murilo Mendes (Pré-história)

 




PRÉ-HISTÓRIA



Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.

Murilo Mendes

[Mensagens com amor]

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