Ao longo daqueles dias, tão cheios de premonição que não tiveram história, tão obcecados com o que vinha que mal se aperceberam do que já era, conseguiu acalmar a terrível angústia da mulher e encarar os amigos com risos e graças acerca do cancro.
Todavia, por detrás da resignação, estava não apenas a esperança de que, milagrosamente, todos estivessem enganados, quer dizer, estavam não apenas as mentiras que a vida conta para enganar a morte, mas também uma espécie de satisfação pelo cumprimento da profecia antiga, pela realização do destino, uma satisfação próxima do sentimento suicida das crianças: quando proclamava à sua volta que não tinha importância, que era até um alívio, que se ia embora contente, que sessenta anos eram anos bastantes, que só tinha pena dos próximos, a mulher, os filhos, os país e irmãs, os cães, estava a reproduzir a ameaça, não inteiramente retórica, antes cheia de perigo e de terror, que a criança ou o jovem adolescente formulam num pedido desesperado de socorro: eu morro e depois vocês vão ver...
PAULO VARELA GOMES
O Verão de 2012
Tinta-da-China (2013)
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