PRÓLOGO
No meio dos meus livros,
nesse frio reino da desordem
que são os livros de minha casa – onde
é que já se viu, ordem no reino da dor? – há
uma estante onde mal
chega a luz. Às vezes ouve-se um ruído
de passos nela, e a madeira range
com um estalido surdo como de osso.
Tal como um organismo monstruoso,
cresce a estante como se pretendesse
escorar o ar e as paredes
ou o sonho da minha casa;
mas dessas prateleiras vivas
uma há, abaulada, que range
com som de carne e ressuma
não sei se tinta fresca, resina ou sangue
ou só gotas de raiva e desconsolo.
Uma prateleira onde não cabe
nem mais uma folha,
que racharia
se lhe pusessem em cima só mais
um grama de dor.
E range,
range sempre, todas as noites,
como pele a ponto de rasgar,
como terra maldita cujos mortos
não aprendessem ainda
a morrer definitivamente.
PEDRO A. GONZÁLEZ MORENO
Anaqueles sin dueño
Hiperión (2010)
(Trad. A.M.)
.