19.4.14

Pedro Andreu (Letra por letra)




LETRA A LETRA


Perdona si mi voz no es la que era,
si en mi cuarto hay ese olor
a plácida violencia tras el llanto, si tengo canas
y por fin me asalta la resaca tras la fiesta
con su cuchillo hiriente y melancólico,
si aún llega fin de mes a noche trece,
si la ducha sigue estropeada,
si no he ganado nunca el Jaime Gil de Biedma
ni aprendí a bailar tangos ni manejo
automóviles caros como la madrugada...
Perdóname también si no me corto un pelo
ni trabajo ni duermo ni dejo de llamarte
ni sé pedir perdón como dios manda
sin reírme en la madre que parió a este planeta.

Perdona —conejito de miel, hembra de otros,
bichito de la luz en mi pasado,
memoria ardida en cueros, perfume
de corazón burdel— tantas palabras putas
que te dije.
Perdóname... si me voy olvidando de tu cara,
si dibujé tu nombre en nuestro patio
con un palo y oriné sobre él
hasta borrarte el alma, letra a letra.

Pedro Andreu

[Las afinidades electivas]

[YouTube]



Perdoa se minha voz não é a que era,
se o meu quarto tem esse odor
a plácida violência depois do pranto,
se tenho cãs e me assalta a ressaca após a festa
com seu punhal agressivo e melancólico,
se o fim do mês chega logo na noite treze,
se o chuveiro continua avariado,
se nunca ganhei o Jaime Gil de Biedma,
nem aprendi a dançar tango nem conduzo
carros caros como a madrugada...
Perdoa-me também se não corto um cabelo
nem trabalho nem durmo nem deixo de chamar-te
nem sei pedir perdão como deus manda
sem me rir da mãe que pariu este mundo...
Perdoa – coelhinho de mel, fêmea de outrem,
bichinho da luz do meu passado,
ardida memória, perfume de coração bordel –
tantas palavras feias que te disse.
Perdoa-me... se a tua cara me vai esquecendo,
se com um pau escrevi teu nome no pátio
e urinei sobre ele
até te apagar a alma, letra por letra.

(Trad. A.M.)

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