28.2.24

Antonio Fernández Lera (A mentira embrulha-se)




La mentira se envuelve en una luz
estridente. No tiene castigo
ni oscuridad eterna. La verdad
está en el fondo del mar.
El silencio es atronador
La mentira es la verdad.
La verdad es la mentira.
La contradicción es inaceptable.
Las piezas no coinciden.
El engranaje no funciona.
El camino se bifurca.
La vida se abre como una flor
y nunca retrocede.
Un espejo se rompe,
un corazón estalla.

Antonio Fernández Lera

  

A mentira embrulha-se numa luz
estridente. Sem castigo
nem eterna escuridão. A verdade
está no fundo do mar.
O silêncio é ensurdecedor.
A mentira é a verdade.
A verdade é a mentira.
A contradição é inaceitável.
As peças não encaixam.
A engrenagem não funciona.
O caminho bifurca-se.
A vida abre como uma flor
e jamais retrocede.
Um espelho parte-se,
um coração explode.


(Trad. A.M.)

 .

27.2.24

Antonio Deltoro (Real política)





REAL POLÍTICA



La mosca en el rayo de sol sonríe,
sonríe la araña, sonríe la mariposa,
pero la araña ríe al último:

la araña, la mosca,
el sol, la sonrisa y la risa
y la mariposa

son los protagonistas de este poema,

pero la araña
se lleva la palma

y la sonrisa
del verdugo.


Antonio Deltoro

[Otra iglesia]

 

 

A mosca sorri ao raio de sol,
sorri a aranha, e a borboleta,
mas quem ri por último é a aranha:

a aranha, a mosca,
o sol, o sorriso, mais o riso
e a borboleta

são os protagonistas aqui do poema,

mas é a aranha
quem leva a palma

assim como o sorriso
do carrasco.


(Trad. A.M.)

.

25.2.24

Ricardo Silvestrin (Lixo sem luxo)




LIXO SEM LUXO

 

Ele sabe que será jogado 
na lata de lixo da história,
mas esperneia.
Tira de sua cabeça,
como um coelho morto
de uma podre cartola,
ideias sem serventia.
Os medíocres que o seguem
aplaudem sua iniciativa
e votam em assembleia
os dejetos que se transformam
em decretos.

Ricardo Silvestrin

[Acontecimentos]

 

23.2.24

Ana Pérez Cañamares (Quando o sol)




Cuando el sol ya sólo se adivina
en su reflejo sobre los pájaros
que vuelan fuera de tu alcance 

es la hora de cerrar los oídos
a los gritos que te apremian
y escuchar los ecos que vienen
de lejos para susurrarte: 

defiende tus alas.
 

Ana Pérez Cañamares 

[Apología de la luz]

 

 

Quando o sol já só se adivinha
pelo seu reflexo nos pássaros
que voam fora do teu alcance 

é hora de fechar os ouvidos
aos gritos que te oprimem
 escutar os ecos que chegam
de longe a sussurrar-te: 

defende as tuas asas.
 

(Trad. A.M.)

 .

22.2.24

Ángel Campos Pámpano (Ofício de palavras)




OFÍCIO DE PALABRAS     


Conforme a la costumbre
antigua de su oficio,
las palabras anuncian
el drama lentamente.
Ocupan los objetos
y enseguida los niegan.
Se dan al desamparo
de los nombres perdendo
el tiempo si fabulan
historias que no existen.
No es casual que a veces
procuren el poema,
la vigilia, la muerte,
la idea de la rosa.

Ángel Campos Pámpano

 

 

Conforme ao costume
antigo de seu ofício,
as palavras anunciam
o drama lentamente.
Ocupam os objectos
e a seguir negam-nos.
Dão-se ao desamparo
dos nomes perdendo
o tempo a fabular
histórias que não existem.
Às vezes, não por acaso,
procuram o poema,
a vigília, a morte,
a ideia pura da rosa.


(Trad. A.M.)

.

20.2.24

Pier Paolo Pasolini (Súplica à mãe)




SUPPLICA A MIA MADRE 



È difficile dire con parole di figlio
ciò a cui nel cuore ben poco assomiglio.

Tu sei la sola al mondo che sa, del mio cuore,
ciò che è stato sempre, prima d’ogni altro amore.

Per questo devo dirti ciò ch’è orrendo conoscere:
è dentro la tua grazia che nasce la mia angoscia.

Sei insostituibile. Per questo è dannata
alla solitudine la vita che mi hai data.

E non voglio esser solo. Ho un’infinita fame
d’amore, dell’amore di corpi senza anima.

Perché l’anima è in te, sei tu, ma tu
sei mia madre e il tuo amore è la mia schiavitù:

ho passato l’infanzia schiavo di questo senso
alto, irrimediabile, di un impegno immenso.

Era l’unico modo per sentire la vita,
l’unica tinta, l’unica forma: ora è finita.

Sopravviviamo: ed è la confusione
di una vita rinata fuori dalla ragione.

Ti supplico, ah, ti supplico: non voler morire.
Sono qui, solo, con te, in un futuro aprile…

Pier Paolo Pasolini




É difícil dizer isto, com palavras de filho,
a quem lá no fundo do peito bem pouco me pareço.

Tu és a única pessoa que sabe, do meu coração,
o que ele foi sempre, antes de qualquer outro amor.

Por isso devo dizer-te isto que é horrível de saber:
que é na tua graça que nasce a minha angústia.

Ninguém te pode substituir, por isso a vida que me deste
está condenada à solidão.

E eu não quero estar só, tenho fome de amor,
do amor de corpos sem alma.

Porque a alma em ti está, és tu, mas tu és minha mãe
e eu sou escravo do teu amor:

escravo desde a infância, deste sentido alto,
irremediável, de um empenho imenso.

Era o único modo para sentir a vida,
a única tinta, a única forma: agora, acabada.

Sobrevivemos, na confusão de uma vida
renascida fora da razão.

Suplico-te, ah, suplico-te: não queiras morrer.
Eu estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro…


(Trad. A.M.)

.

18.2.24

César Cantoni (Álbum de família)




ÁLBUM DE FAMILIA



Murió mi padre, murieron mis abuelos,
murieron mis tíos carnales y políticos.
Una familia entera de herreros,
ebanistas, curtidores, albañiles,
yace ahora sin fuerzas bajo tierra.

Y yo, el más inútil de todos,
el que no sabe hacer nada con las manos,
he logrado sobrevivir impunemente
para llorar delante de una foto
lo mejor de mi sangre.


César Cantoni

[La ceniza]

 

 

Morreu meu pai, meus avós,
meus tios de sangue e afins.
Uma família inteira de ferreiros,
marceneiros, curtidores, pedreiros,
jaz agora sem forças, por baixo da terra.

E eu, o mais inútil de todos,
o que não sabe fazer nada com as mãos,
logrei sobreviver impunemente
para diante duma foto
chorar o melhor do meu sangue.


(Trad. A.M.)

.

17.2.24

Alfredo Buxán (A marca de Eros)




LA HUELLA DE EROS

 

No olvida mi cuerpo las más profundas
heridas que otros cuerpos le han grabado
en lo más indefenso de la carne.
Sangran y me despiertan en la noche.
Escucho lo que vienen a decirme,
reconozco su origen, les devuelvo
el calor que me dejaron.
Algunas,
más que heridas, son besos inmortales
o pájaros en vuelo para siempre
(la biblioteca, al fondo, nos miraba
discreta, pura gloria entre la gente
que pasaba intranquila a nuestro lado,
no me vas a decir que no te acuerdas).
Le duelen de verdad algunas veces,
es mentira que el tiempo se las lleve
al territorio oscuro del olvido.
El cuerpo las reconoce sin temores.
No le importa sufrir. Las agradece.
Ha sabido morir cuando ha hecho falta.


Alfredo Buxán

[Life vest under your seat]


 

Não esquece meu corpo as mais profundas
feridas que outros corpos lhe deixaram
no mais indefeso da carne.
Que sangram e me despertam de noite.
Escuto o que me vêm dizer,
reconheço-lhes a origem, devolvo-lhes
o calor que me deixaram.
Algumas,
mais que feridas, são beijos imortais
ou pássaros em perpétuo voo
(a biblioteca, ao fundo, observava-nos
muito discreta, pura glória
no meio das pessoas que
nos passavam ao lado, intranquilas,
não me vais dizer que não te lembras).
Doem de verdade algumas vezes,
não é verdade que as leve o tempo
para a terra escura do esquecimento.
Reconhece-as o corpo sem temor.
Não se lhe dá de sofrer, agradece-as.
Soube morrer quando foi preciso.


(Trad. A.M.)

.

15.2.24

Paulo Henriques Britto (Ao leitor)




AO LEITOR

 

Se fosse o Ser quem fala no poema
eu calaria a boca, e é até possível
que o escutasse, um pouco. Sem problema;
seria, eu sei, um papo de alto nível.

Mas esta fala aqui -- garanto – vem
de um mero estar, minúsculo, mortal,
prosaico e costumeiro, a voz de alguém
que embora sonhe no condicional

habita -- na vigília -- o indicativo,
e fala sempre, sempre, na primeira
e singular pessoa que está sendo

agora e aqui, como qualquer ser vivo
com o dom da palavra (a trapaceira),
tal qual faz quem me lê neste momento.

 

Paulo Henriques Britto

[Acontecimentos]

.

13.2.24

Alfonso Brezmes (Autobiografia)




AUTOBIOGRAFIA

 

Venho de um lugar
que me persegue;
vou para um lugar
que me foge.

Entre um e outro aconteço:
este espaço entre parênteses,
estes pontos suspensos
na neve
das folhas de um livro
que se apaga ao escrever-se.

Traços de alguém
que diz que sou eu.


ALFONSO BREZMES
Don de Lenguas
(2015)

(Trad. A.M.)

.

12.2.24

Aldo Luis Novelli (O oleiro-II)



 

EL ALFARERO-II 

(7)

contemplar el cielo
mientras las manos construyen
nuestro hogar de barro. 

acariciar a la amada
con manos de agua de luna
en el cuenco de su cuerpo. 

formar los hijos
con manos rugosas
colmadas de ternura de arcilla. 

donarles nuestra agua de sol
todos los días de la vida
hasta el momento final
de regresar a la tierra. 

ellos seguirán el camino
con un sol en la espalda.
 

Aldo Luis Novelli 

[Marcelo Leites]

  

(7)

Contemplar o céu
enquanto as mãos constroem
a nossa casa de barro.
 

Acariciar a amada
com mãos de água de lua
na concha do seu corpo.
 

Formar os filhos
com mãos rugosas
cheias de ternura de argila.

Dar-lhes da nossa água de sol
todos os dias da vida
até ao momento final
de regressar à terra. 

Eles continuarão o caminho
com um sol pelas costas.
 

(Trad. A.M.)

 .

10.2.24

Patrizia Cavalli (Se sou capaz de perdoar)




Se posso perdonare, allora devo
riuscire a perdonare anche me stessa
e smetterla di starmi a giudicare
per come sono o come dovrei essere.
Qui non si tratta di consapevolezza
ma è la superbia che mi tiene stretta
in una stolta morsa che mi danna.
Eccomi infatti qui dannata a chiedermi
che cosa fare per essere perfetta.

Tenersi all’apparenza, forse descrivere
soltanto cose in mutua tenerezza.

 Patrizia Cavalli

[Interno poesia]

 

 

Se sou capaz de perdoar, então devia
perdoar a mim própria
e deixar de estar sempre a julgar
como é que sou ou como é que devia ser.
Não se trata aqui de consciência,
é antes a soberba que me aperreia
num torno estúpido que me atormenta.
Eis-me aqui condenada a interrogar-me
o que fazer para ser perfeita.

Ficar-me pela aparência, quiçá descrever
apenas as coisas com ternura.


(Trad. A.M.)

.

8.2.24

Eduardo Galeano (Fogueiras)

 



FUEGOS


Cada persona brilla con luz propia
entre todas las demás.
No hay dos fuegos iguales.
Hay fuegos grandes y fuegos chicos
y fuegos de todos los colores.
Hay gente de fuego sereno, que ni se entera del viento,
y hay gente de fuego loco, que llena el aire de chispas.
Algunos fuegos, fuegos bobos,
no alumbran ni queman;
pero arden la vida con tantas ganas
que no se puede mirarlos sin parpadear,
y quien se acerca, se enciende.


Eduardo Galeano

[La ceniza]

 


Cada pessoa brilha com luz própria
entre todas as mais.
Não há duas chamas iguais,
há chamas grandes e chamas pequenas
e chamas de todas as cores.
Há gente de chama serena, que nem dá conta do vento,
e gente de chama louca, que deita chispas à volta.
Certas chamas, chamas tolas
não alumiam nem queimam;
mas ardem com tanta gana
que não se podem olhar sem pestanejar,
e quem se chegar muito, pega fogo.


(Trad. A.M.)

.

7.2.24

Virgilio Piñera (Ilha)




ISLA

 

Aunque estoy a punto de renacer,
no lo proclamaré a los cuatro vientos
ni me sentiré un elegido:
sólo me tocó en suerte,
y lo acepto porque no está en mi mano
negarme, y sería por otra parte una descortesía
que un hombre distinguido jamás haría.
Se me ha anunciado que mañana,
a las siete y seis minutos de la tarde,
me convertiré en una isla,
isla como suelen ser las islas.
Mis piernas se irán haciendo tierra y mar,
y poco a poco, igual que un andante chopiniano,
empezarán a salirme árboles en los brazos,
rosas en los ojos y arena en el pecho.
En la boca las palabras morirán
para que el viento a su deseo pueda ulular.
Después, tendido como suelen hacer las islas,
miraré fijamente al horizonte,
veré salir el sol, la luna,
y lejos ya de la inquietud,
diré muy bajito:
¿así que era verdad?


Virgilio Piñera

 

Estando embora a ponto de renascer,
não vou gritá-lo aos quatro ventos
nem me sentirei um eleito:
só me tocou em sorte,
e eu aceito porque negar-me
não está na minha mão, e seria
por outro lado uma descortesia
que um homem distinto jamais faria.
Dizem-me que amanhã,
às sete e seis da tarde,
me convertirei em ilha,
uma ilha como soem ser as ilhas.
Minhas pernas se irão fazendo terra e mar,
e pouco a pouco, tal um andante chopiniano,
começarão a sair-me árvores nos braços,
rosas nos olhos e areia no peito.
Na boca morrerão as palavras
para que o vento possa ulular à vontade.
Depois, estendido como usam fazer as ilhas,
fitarei o horizonte,
verei nascer o sol, a lua,
e longe já de inquietação,
direi muito baixinho:
então era verdade?


(Trad. A.M.)

.

5.2.24

Miguel Martins (Nem umas palavras)




(4)                                       

Nem umas palavras de despedida
nem “adeus”
Será que depois nos encontramos
na terra linda onde são as coisas que não são
sem medo do fim?
Já moras, Pai, com o teu Cristo
o Cristo que nos salvou a todos
por termos alguém como tu.
Nunca te disse bem quanto te amava
como te amo muito dentro de mim
na terra linda onde são as coisas que não são
com tanto medo de as perder.
Estar a fazer a barba, cair
e partir para o outro lado
sem dizer tudo o que é preciso.
Ou como tu ficar assim à espera
suspenso de nada
à porta de Deus como um pedinte
pedinte de Deus
que só nos pediste que fôssemos melhores
e talvez por isso nos dás ainda mais uns minutos
da tua eternidade.
Vai agora, parte por favor
vai viver com as estrelas e com a alma das flores.
Sei que todos os dias continuarás a madrugar
para colher os odores mais puros.
Já não são precisos sacrifícios
aí é tudo dado num natal perpétuo e permanente.
Até nós te nos vamos dar
como tu te nos deste, como te entregaste cada dia
de manhã à noite

a Mãe
a Paula
o Ricardo
e eu
(por outra ordem espero que não esta
que eu não aguento mais)
vamos voltar a tocar-te o cabelo
o cabelo mais lindo que conheço
e a beijar-te
(como é possível que beijos tão a medo
como os teus quisessem sempre dizer tanto?).

E olha que se eu aí chegar
a essa terra que não mereço
é mesmo só por ti
é para te ver e ficar espantado
como só nos espantamos com os anjos.
Adeus Pai
tem calma.
Eu pensarei em ti todos os dias.

MIGUEL MARTINS
Seis poemas para uma morte
(1995)

 .

3.2.24

Vicente Muñoz Alvarez (O tempo dos assassinos)




EL TIEMPO DE LOS ASESINOS 

 

llega un punto 

en nuestras vidas

en que las circunstancias
nos fuerzan definitivamente
a rebelarnos 

a posicionarnos
no ser cómplices
a jugar fuerte
a gritar claro 

cuando
la mentira
la farsa del sistema
es ya evidente 

los poemas 

en lugar
de en trincheiras 

deberían
convertirse
en bombas

Vicente Muñoz Álvarez

[Mi vida en la penumbra]

 

 Chega-se a um ponto

na vida

em que as circunstâncias
nos obrigam
a revoltar-nos

a tomar posição
a não ser cúmplices
a jogar forte
a gritar claro

quando
a mentira
a farsa do sistema
é já evidente

os poemas

em vez de
trincheiras

deviam
converter-se
em bombas


(Trad. A.M.)

.

2.2.24

Valeria Pariso (Volto ao pátio)




Vuelvo al patio y recojo
los pétalos caídos de los geranios rojos.
Hubo viento.
Yo amo al viento por sus alas.
No puedo tirar a la basura
las flores que cayeron.
Las pongo entonces
con ternura infinita sobre
mi mano abierta.
Las acomodo con formita
de sol y siguen rojas.
Soy una mujer triste
con un jardín en la mano.
 

Valeria Pariso

  

Volto ao pátio e apanho
as pétalas caídas dos gerânios roxos.
Foi o vento.
Que eu amo por mor das asas.
Não posso deitar fora
as flores que pego do chão.
Então ponho-as
com infinita ternura
na palma da mão aberta.
Ajeito-as em vaso de sol
para manterem a cor.
Sou uma mulher triste
com um jardim na palma da mão.
 

(Trad. A.M.)

.