31.3.22

Federico Gallego Ripoll (A serena travessia)




LA QUIETA TRAVESÍA

 

Es bajo el agua que el agua mueve el mundo. 

Su fuerza está en su móvil paradoja, 
cuando en verdad regresa mientras va. 

La espuma pone música a ese gesto de avance, 
pero es bajo la ola que el mar vuelve a su origen, 

a su silencio, al nuestro, 
al silencio, 

una y otra vez, 
interminable.

Quién pudiera sentir, en medio de esta duda 
que nos alza la tienda y nos cobija, 
la cierta claridad de su memoria. 

La memoria del agua: 
de ahí venimos todos, mientras vamos.

Federico Gallego Ripoll

 


É debaixo de água que a água move o mundo.

A sua força está no seu móvel paradoxo,
quando na verdade regressa enquanto vai.

A espuma põe música nesse gesto de avançar,
mas é sob a onda que o mar volta à sua origem,

ao seu silêncio, ao nosso,
ao silêncio,

uma e outra vez,
sem parar.

Quem pudesse sentir, no meio desta dúvida
que nos ergue a tenda e nos abriga,
a exacta clareza da lembrança.

A memória da água,
é daí que vimos nós todos, enquanto vamos.


(Trad. A.M.)

.

29.3.22

Luciano de Giovanni (Dirão que fui)




(XX)

Diranno che fui pessimo operaio
e un pessimo padre di famiglia,
un pessimo uomo d’affari
e un pessimo poeta
Io me ne starò vergognoso
nella mia fossa sicura
e penserò che dopotutto
ero in un pessimo mondo

 
Luciano de Giovanni

 
  

Dirão que eu fui um péssimo operário
e um péssimo pai de família,
um péssimo homem de negócios
e um poeta péssimo
E eu cheio de vergonha
na minha cova escura
hei-de pensar que afinal
eu estava é num mundo péssimo


(Trad. A.M.)

.

27.3.22

Juan L. Ortiz (O mundo é)




EL MUNDO ES un pensamento
realizado de la luz.
Un pensamiento dichoso.
De la beatitud, el mundo
ha brotado. Ha salido
del éxtasis, de la dicha,
llenos de sí, esta tarde,
infinita, infinita,
con árboles y con pájaros
de infancia ¿de qué infancia?
¿de qué sueño de infancia?


Juan L. Ortiz 

 

O mundo é um pensamento
realizado da luz.
Um pensamento ditoso.
Da beatitude é que o mundo
brotou. Do êxtase, da ventura,
assim como esta tarde,
infinita, infinita,
com árvores e com pássaros
de infância, de que infância?
de que sonho de infância?


(Trad. A.M.)

.

26.3.22

José Infante (Luzes)




LUCES  

 

No todo fue negrura, oscuridad y olvido.
La luz también ocupaba su sitio
en los días mejores, cuando se desvanecía
la negra soledad de los sillones y lucía
como un destello único y total
la aureola que ha sido mi sostén
durante el tiempo en que el combate
fue duro y sin descanso. Esos años que fueron
la parte esencial de lo que luego se instalaría
entre mi ser difuso y la obscena realidad.

Cuando estallaba alguna, una nueva señal
se vislumbraba luego, cuando ya sus rayos
emergían de la noche, inesperadamente.
Como surge lo que no tiene explicación
o aquello que nos conduce a una nueva
dimensión, a una nueva armonía
donde lo razonable dejaba de existir.

Y era sólo el misterio quien nos daba
su impulso, la fuerza para acatar
la nueva luz, que alguna vez, de repente,
llegaba por entre los resquicios
de la infelicidad.

Luces, si estáis aún
cerca de mí, decidme, ¿cómo seguir
la estela que conduce al resplandor
definitivo, que comienza en la muerte?


José Infante

 

 

Nem tudo foi negrura, escuridão e olvido.
A luz tinha também seu lugar 
nos dias melhores, quando se desvanecia
a negra solidão dos cadeirões e brilhava
como clarão a auréola que foi meu amparo
no tempo em que o combate foi duro
e sem descanso. Esses anos que foram 
a parte essencial do que depois se instalaria
entre mim e a obscena realidade.

Quando alguma explodia, um novo sinal
se vislumbrava a seguir, quando os seus raios
emergiam da noite, inopinadamente.
Assim como surge o que não tem explicação 
ou aquilo que nos leva a uma nova 
dimensão, uma nova harmonia
onde o razoável deixava de existir.

E era só o mistério o que nos dava
seu impulso, a força para acatar 
a nova luz, que às vezes, de repente,
surgia por entre os resquícios 
da infelicidade.

Luzes, se acaso estais ainda
perto de mim, dizei-me, como seguir
a esteira que leva ao resplendor
definitivo, esse que começa na morte?

(Trad. A.M.)


>>  Trianarts (23p) / Aforo libre (entrevista) / Wikipedia

.

24.3.22

Luís Filipe Castro Mendes (Regresso)

 



REGRESSO

 

Já voltei a casa, as portas rangem,
o pó tomou conta de todos os móveis, 
deixando-me de pé, a balançar as chaves,
e a interrogar-me sobre o que não fiz.

O tempo que resta não é para confissões
nem para ajustes de contas:
pois quem guarda o guardião,
quem despe a roupa das vestais do templo?
A água corre ainda, um fio sequer, de torneiras
em desuso. Respiro e não deixarei de olhar.

Que trabalho é este, oculta e extinta miséria 
sob os nossos passos?
As janelas com vidros quebrados, o plástico
por cima dos horizontes perdidos
da transparência. Porque insistes? Porque ficas
à entrada da casa, perdido no olhar
e na memória do que nunca chegou a ser?

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES
Outro Ulisses Regressa a Casa
(2015)

.

22.3.22

Luis García Montero (Resumo)



RESUMEN 

 

No existe libertad que no conozca, 
ni humillación o miedo
a los que no se me haya doblegado.
Por eso sé de amor,
por eso no medito el cuerpo que te doy,
por eso cuido tanto las cosas que te digo.


Luis García Montero

  

Não há liberdade que não conheça
nem humilhação ou medo
a que me não curvasse.
Por isso sei de amor,
por isso não medito o corpo que te dou,
por isso cuido tanto nas coisas que te digo.
 

(Trad. A.M.)

 .

21.3.22

Luis Feria (No lento declínio)




A la lenta caída de la tarde
amar la vida largamente es todo
el oficio del hombre que respira.
Alzar la mano y detener el cielo.
Destino de la luz, nunca te acabes.


Luis Feria


No lento declínio da tarde
amar longamente a vida 
é tudo
o que cabe a um homem que respira.
Levantar a mão e erguer o céu.
Destino da luz, não acabar nunca.

(Trad. A.M.)

.

19.3.22

Artur Cruzeiro Seixas (Quero)

 


Quero
quero para mim 
o teu amor 
quer sejas bicho 
mistério
pedra nuvem
ou flor

 

Artur do Cruzeiro Seixas

.

17.3.22

Leopoldo Castilla (Teorema do solitário)




TEOREMA DEL SOLITARIO



Tomemos una cifra imaginaria
cero
y un hombre imaginario
uno

el cero no existe
pero él cree que sí 

el dos se queda siempre
en
uno 

el uno existe
pero nadie le cree.
 

Leopoldo Castilla

  

Tomemos uma cifra imaginária
zero
e um homem imaginário
um

o zero não existe
mas ele crê que sim

o dois fica-se sempre
em
um

o um existe
mas ninguém o crê


(Trad. A.M.)

.

16.3.22

José Mateos (Ruínas de Bolonha)




CANCIÓN 10
 (Ruinas de Bolonia)

 

Aquí, frente al mar, lo dice
el sol del atardecer:
Morir
es empezar a volver.


José Mateos

 

 

Aqui, frente ao mar, di-lo
o sol do entardecer:
Morrer
é começar a voltar.


(Trad. A.M.)

 

 >>  Hallarme yo (7p) /Crisis de papel (JLGM- rec. ‘Otras Canciones’) /Poesia digital (entrevista) / Wikipedia

.

12.3.22

Karmelo C. Iribarren (A chuva)




LA LLUVIA

 

 Está cayendo ahora mismo
una lluvia fina, mansa,
sobre la plaza. Es una lluvia a la que no le ves
la mala intención por ninguna parte,
todo lo contrario, se diría
que busca tu amistad, que te dice:
“No tengo más remedio que mojarte
un poco, va en mi condición,
pero me gustaría que nos llevásemos bien”.
 Sé que esto puede parecer una locura,
ponerle no sólo voz
sino sentimientos a la lluvia,
 pero a mí es lo que me sugiere
ahora mismo su presencia,
mientras la veo caer suave
entre las farolas hacia el empedrado,
y resbalar por mi rostro
reflejado en el cristal...

Karmelo C. Iribarren

 

Está a cair mesmo agora
uma chuva fina e mansa
sobre a praça.
Uma chuva a que não se vê
má intenção em nenhum modo,
muito pelo contrário, dir-se-ia
que busca a nossa amizade, dizendo:
“Não tenho outro remédio senão
molhar-te um pouco, está-me no natural,
mas gostaria que nos déssemos bem”.
Isto pode parecer loucura,
dar à chuva não só voz como sentimentos,
mas a mim é o que me sugere
agora mesmo a sua presença,
ao vê-la cair suave no empedrado,
  por entre os candeeiros,
e deslizar-me pela cara
espelhada no vidro... 

(Trad. A.M.)


.

11.3.22

Juanjo Barral (Objectivo)




OBJETIVO          



Una palabra se abre paso como puede
entre antenas parabólicas que emiten
conversaciones cancerígenas.
Busca dónde aparcar a salvo de autos que gritan
con todos sus neumáticos y todas sus frustraciones dentro.
Trata de salir indemne de una frase lapa,
de una encerrona, de una cacería cultural.
En televisión hay un programa piloto que la sobrevuela.

Se abre paso como puede una palabra
que quiere arar la tierra que otros riegan con pesticidas,
que quiere asaltar el corazón que otros han secuestrado,
que quiere no ser dura ni arma, sino pan y lluvia.
Que quiere.

Como otros no.


Juanjo Barral



Uma palavra abre passagem como pode
entre antenas parabólicas que emitem
conversas cancerígenas.
Busca onde aparcar a salvo de carros que gritam
com todos os seus pneus e frustrações interiores.
Tenta sair indemne de uma frase chata,
de uma cilada, de uma caçada cultural.
Na TV há um programa-piloto que a sobrevoa.

Abre passagem como pode uma palavra
que quer arar a terra que outros regam com pesticidas,
que quer assaltar o coração que outros sequestraram,
que quer não ser dura nem arma, mas antes pão e chuva.
Que quer.

Como outros não.


(Trad. A.M.)

.

9.3.22

Amadeu Baptista (O benefício da paz)




O BENEFÍCIO DA PAZ

 

Penso em ti com o benefício
Da paz a meu favor. A noite
Cobre os móveis, o candeeiro
Induz à intimidade. Saber

Que estou só atiça-me
A mágoa, ainda que sinta 
A sonolência a erguer-se
Do fundo de mim mesmo

E a tristeza alastre no meu
Sangue ao repetir a ausência 
Do teu nome nesta quase

Dolente circunstância. A paz 
É esta imperfeição perfeita 
Que sobre nós se abate.

Amadeu Baptista

 .

7.3.22

Federico Gallego Ripoll (Dedicatória)




DEDICATORIA

 

Así en la tierra como en tu cuerpo 
hágase la voluntad de los amantes. 

Así en el miedo como en la espera
crezca la flor azul de la cumbre prometida. 

Así en la plenitud como en el tedio 
no se extingan los besos de las madres. 

Así en el mar oscuro como en el fuego blanco 
sobreviva la luz a la tormenta. 

Así en la tempestad como en tus ojos 
amanezca la esperanza 
y el canto de los pájaros persista. 

Así en tus horas lentas como en los ríos altos
sea la espuma azúcar para los labios tristes. 

Así en tu corazón como en mi alcoba 
no huya el amor al alba. 

Y en el mundo que hereden nuestros hijos 
no persevere la sequía 
ni se expanda ningún dolor inútil, 
y la paz recupere la memoria, 
y se callen los hombres si no dicen verdad.

Federico Gallego Ripoll

 


Assim na terra como em teu corpo
seja feita a vontade dos amantes.

Assim no medo como na espera
medre a flor azul do cume prometido.

Assim no pleno como no tédio
não se extingam os beijos das mães.

Assim no escuro mar como no fogp branco
sobreviva a luz à tormenta.

Assim na tempestade como em teus olhos
amanheça a esperança
e o canto dos pássaros não cesse.

Assim em tuas horas lentas como nos rios altos
seja a espuma açúcar para os lábios tristes.

Assim em teu coração como no meu quarto
não fuja o amor da aurora.

E no mundo que herdarem nossos filhos
não se mantenha a secura
nem se expanda a dor inútil,
e que a paz recupere a memória,
e se calem os homens se não disserem a verdade.


(Trad. A.M.)


>>   Poetas siglo XXI (4p) / Cátedra MDelibes (3p) / Metafora (3p) / MLA (res. ‘Las Travesías’) / Wikipedia


6.3.22

Juan Vicente Piqueras (Sísifo todavia)




SÍSIFO SIN EMBARGO 

 

Es triste que el destino de un hombre sea Sísifo,
que hayamos de llevar sobre los hombros
la misma piedra siempre, que parece
ya nuestro pensamiento, y tropecemos
en ella tantas veces como vidas
quisiéramos tener y sin embargo. 

Es triste trepar riscos cargados de razón
y dejarla caer al alcanzar la cumbre
para después volver al mismo error
un día y otro, como el alma al vicio,
condenados a ser, sedientos, quienes somos:
quienes quisimos ser y sin embargo. 

Es triste repetirse como la misma historia,
dar vueltas a la noria, día y noche,
moliendo una manera de ser y de mirar
que te lleva a sufrir y a hacer sufrir.
Llevo mi piedra en mí, mi pensamiento,
y dentro yo, esperando ser tallado,
esculpido, salvado y sin embargo.

Juan Vicente Piqueras
 

 

É triste o destino de um homem ser Sísifo,
ter de levar aos ombros
sempre a mesma pedra, o pensamento,
e tropeçar nela tantas vezes como vidas
queríamos ter e todavia.

É triste escalar penhascos carregando o peso da razão
e deixá-la cair ao atingir o cume
para voltar depois ao mesmo erro
um dia e outro, como a alma ao vício,
condenados à sede e a ser o que somos:
o que quisemos ser e todavia.

É triste repetir-se tal como a história,
dar voltas à nora, dia e noite,
moendo um modo de ser e de ver
que nos leva a sofrer e a fazer sofrer.
Eu tenho a minha pedra em mim, meu pensamento,
e lá dentro estou eu, à espera de ser talhado,
esculpido, salvo e todavia.


(Trad. A.M.)

.

4.3.22

Mary Oliver (Eu preocupo-me)




EU PREOCUPO-ME

 


Eu preocupo-me basto:  se o jardim medra, os rios
correm na direcção certa, a terra gira
como Deus manda, e senão, o que é que
eu posso fazer?

Estava certo, estava errado, eles perdoam-me,
poderei eu fazer melhor?

Serei eu algum dia capaz de cantar, até os pardais
cantam, e eu sou, como hei-de dizer?
um caso perdido.

A minha visão está a desaparecer, ou é só imaginação minha,
vou ter reumatismo,
tétano, demência?

Por fim, vi que as preocupações não davam em nada,
e aí desisti. Peguei no meu corpinho
e cá vamos nós, pela manhã,
cantando.


Mary Oliver

(Trad. A.M.)

.

2.3.22

Juan Manuel Roca (Portas abertas)




PUERTAS ABIERTAS

 

Una puerta
abierta a la noche
y se pueblan los ruidos
las estancias.

Sus rumorosas bisagras
anuncian
alguien llegado de la lluvia
o los pasos de un lento animal
que invade el sueño.

Una puerta, una grieta
abierta en el asombro.


Juan Manuel Roca 

 

Uma porta
aberta para a noite
e povoam-se de ruídos
as divisões.

Seus gonzos rumorosos
anunciam
alguém que foge da chuva
ou os passos de algum animal
a invadir o sono.

Uma porta, uma fenda
aberta no assombro.


(Trad. A.M.)

.

1.3.22

Juan L. Ortiz (Para quê o vinho)




¿PARA QUÉ EL VINO, amigos míos,
si allí la luna, en las aguas, ebria, se despliega? 

Id a la orilla y sed de ella, dulcemente enajenada
en su propio vals antíguo
de velos de silencio que se igualan al fin, tenues, a la arena… 

Sed de ella que ya el eucaliptus está en ella, más pálido.
Y acaso, acaso, un momento perdidos, amigos míos,
os encontraréis de la mano, luego, en el centro de la danza profunda,
figuras intercambiables e increíblemente ligeras, al cabo, de la danza… 

¿Para qué el vino, entonces, si así seríais más ligeros?


Juan L. Ortiz

 

Para quê o vinho, amigos meus,
se a lua, além, se despenha ébria nas águas?

Ide até à borda e sede dela, alheia docemente
em sua própria dança,
com seus véus de silêncio que, de ténues, se igualam à areia…

Sede dela, que mesmo o eucalipto está nela, mais pálido.
E talvez, talvez, um momento perdidos, amigos meus,
encontreis pela mão, a seguir, no centro do baile,
figuras precárias e incrivelmente ligeiras, no fim da dança…

Para quê o vinho, então, se assim sereis mais ligeiros?


(Trad. A.M.)


>>  Estado da Arte (anto) / Vallejo and Co. (11p) / Wikipedia / Facebook

.