Verdade é que Portugal viria a ocupar-me de maneira bem
diferente, levando-me a descobrir no exílio sentimentos de vergonha que se
juntavam, mas excediam, os que até então só tinham sido de revolta.
Ao insulto pode responder-se com outro, não custa pagar a
arrogância com moeda igual, mas dói, dói muito, quando sinceramente, e com
fundamento, nos demonstram piedade pela pouca sorte de termos nascido num país
de ternura, de tanta gentileza, mas ser ele há séculos coito de quadrilhas que
pela força e o embuste chamam a si a lei, a impõem a uma gente que, amedrontada
e pobre, se verga ao jugo e muda em subserviência o seu natural carinho. (...)
O passar dos anos e o cansaço das emoções têm acalmado
alguma coisa, não muito, da raiva que me possui, mas continua a enfurecer-me a
desigualdade, a desvergonha e o desdém dos governantes pelos governados, a
roubalheira que fazem da coisa pública, o desmedido fosso entre os que têm e os
que nunca terão.
J. RENTES DE CARVALHO
O Meças
(2016)
O Meças
(2016)
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