19.10.17

José Rentes de Carvalho (Ajuste de contas)





Estranhamente, o momento que deveria ser um de grande medo, vivera-o ele em paz, com a firmeza de quem tem razão e ajusta contas.

Quando recordava o negrume da noite sem lua, a canelha dos palheiros, sentia o corpo entesar-se, de novo se via a abrir e a fechar a navalha de barba, correndo os dedos pela macieza do cabo, a repetir a vontade que tinha de encarar o homem.

Porque não seria à traição, havia de saber quem tinha diante, queria vê-lo dar-se conta de que chegara a hora de pagar.

Lançou-se de frente, a navalha horizontal, ao tempo de vê-lo arregalar os olhos já a cabeça pendia, o talho cerce e tão fundo que quase o degolara, ele só por um triz escapando ao espichar do sangue.


J. RENTES DE CARVALHO
O Meças
(2016)

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