4.10.17

José Rentes de Carvalho (O Meças)





Alguém terá de lhe emprestar as palavras, porque as desconhece, mas se lhas tivessem ensinado seria incapaz de dizê-las, estonteado pelo remoinho, a vida a desfilar em ondas de desespero, ocasiões falhadas, sempre ele o que perde, a sofrer envergonhado, o que baixa os olhos e até de si próprio tem de fugir.

Quando pensa no que ficou para trás deveria usar o passado em vez do presente, mas pouco adianta que os verbos se conjuguem, o medo dá-lhe do tempo uma noção onde se funde o que foi e o que é, o que viu acontecer e as vezes que perdeu, horas sofre em que o garoto e o homem quase velho são um, igual neles a dor, enraivecidos ambos na mesma impotência.

Precisado de sossego, corre para ali, sem memória de quando lá foi a primeira vez, nem porquê, entregando-se à força que nele manda como bruxaria ou praga rogada.



J. RENTES DE CARVALHO
O Meças
(2006)

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> Uma crítica: Público (António Guerreiro)
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