29.10.17

Ernesto Sábato (Talvez à morte)





Tal vez a nuestra muerte el alma emigre:
a una hormiga,
a un árbol,
a un tigre de bengala;
mientras nuestro cuerpo se disgrega
entre gusanos
y se filtra en la tierra sin memoria,
para ascender luego por los tallos y las hojas,
y convertirse en heliotropo o yuyo,
y después en alimento del ganado,
y así en sangre anónima y zoológica,
en esqueleto,
en excremento.
Tal vez le toque un destino más horrendo
en el cuerpo de un niño
que un día hará poemas o novelas,
y que en sus oscuras angustias
(sin saberlo)
purgara sus antiguos pecados de guerrero o criminal,
o revivirá pavores,
el temor de una gacela,
la asquerosa fealdad de comadreja,
su turbia condición de feto, cíclope o lagarto,
su fama de prostituta o pitonisa,
sus remotas soledades,
sus olvidadas cobardías y traiciones.


ERNESTO SÁBATO
Sobre héroes y tumbas
(1961)




Talvez à morte a nossa alma emigre,
e se faça uma formiga,
uma árvore,
ou um tigre de Bengala;
enquanto o corpo se desfaz
entre os bichos
e se filtra na terra sem memória,
para se elevar depois pelos talos e folhas
e converter-se em girassol ou erva daninha,
fazendo-se então alimento para o gado,
e daí sangue anónimo e zoológico,
já esqueleto,
já excremento.
Ou talvez lhe calhe um destino mais horrendo
no corpo de uma criança
que um dia fará poemas ou romances
e que em suas escuras angústias 
(sem saber)
purgará seus pecados de criminoso ou guerreiro,
ou reviverá pavores,
o temor de uma gazela,
o asco horrível da doninha,
sua turva condição de feto, ciclope ou lagarto,
sua fama de puta ou pitonisa,
suas remotas solidões,
suas mil cobardias e traições.



(Trad. A.M.)

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