25.5.17

Machado de Assis (A rabeca)





Perto de casa, havia um barbeiro, que me conhecia de vista, amava a rabeca e não tocava inteiramente mal.
Na ocasião em que ia passando, executava não sei que peça.
Parei na calçada a ouvi-lo (tudo são pretextos a um coração agoniado), ele viu-me, e continuou a tocar.
Não atendeu a um freguês, e logo a outro, que ali foram, a despeito da hora e de ser domingo, confiar-lhe as caras à navalha.
Perdeu-os sem perder uma nota; ia tocando para mim.
Esta consideração fez-me chegar francamente à porta da loja, voltado para ele.
Ao fundo, levantando a cortina de chita que fechava o interior da casa, vi apontar uma moça trigueira, vestido claro, flor no cabelo.
Era a mulher dele; creio que me descobriu de dentro, e veio agradecer-me com a presença o favor que eu fazia ao marido.
Se me não engano, chegou a dizê-lo com os olhos. 
Quanto ao marido, tocava agora com mais calor; sem ver a mulher, sem ver fregueses, grudava a face no instrumento, passava a alma ao arco, e tocava, tocava...


MACHADO DE ASSIS
Dom Casmurro
(1900)

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