Perto de casa, havia um barbeiro, que me conhecia de vista,
amava a rabeca e não tocava inteiramente mal.
Na ocasião em que ia passando, executava não sei que
peça.
Parei na calçada a ouvi-lo (tudo são pretextos a um
coração agoniado), ele viu-me, e continuou a tocar.
Não atendeu a um freguês, e logo a outro, que ali foram, a
despeito da hora e de ser domingo, confiar-lhe as caras à navalha.
Perdeu-os sem perder uma nota; ia tocando para mim.
Esta consideração fez-me chegar francamente à porta da
loja, voltado para ele.
Ao fundo, levantando a cortina de chita que fechava o
interior da casa, vi apontar uma moça trigueira, vestido claro, flor no
cabelo.
Era a mulher dele; creio que me descobriu de dentro, e veio
agradecer-me com a presença o favor que eu fazia ao marido.
Se me não engano, chegou a dizê-lo com os olhos.
Quanto ao marido, tocava agora com mais calor; sem ver a
mulher, sem ver fregueses, grudava a face no instrumento, passava a alma ao
arco, e tocava, tocava...
MACHADO DE ASSIS
Dom Casmurro
(1900)
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