27.3.18

Carlos de Oliveira (Amanhecer)





(Amanhecer)


O primeiro alvor da madrugada na janela do escritório, um começo de luz apenas, ainda por fixar no contorno do mundo.

Como a mulher se tivesse recusado a deixá-lo entrar no quarto, passara ali a noite, encolhido no meiple de couro, com a samarra pelas pernas.

Não conseguira adormecer, mas alcançara do excesso das palavras e do álcool um pouco de repouso.
No entanto doía-lhe a cabeça.

A boca seca, amarga.

Levantar-se e abrir a janela.

Uma golada de água, a pureza fria da madrugada.

A cinza da luz amontoava-se nas vidraças, mas não era possível prever se o dia chegaria ou não.

Quando começava a clarear um pouco mais, a lufada de sombra varria a cinza da janela.

Um desejo irreprimível de cheirar os campos molhados.

Beber água, passar os dedos na casca rugosa dum pinheiro, encharcar-se de orvalho. (XV)

CARLOS DE OLIVEIRA
Uma Abelha na Chuva
(1953)


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