29.4.12

Cristina Peri Rossi (Nas mansas correntes)






En las mansas corrientes de tus manos
y en tus manos que son tormenta
en la nave divagante de tus ojos
que tienen rumbo seguro
en la redondez de tu vientre
como una esfera perpetuamente inacabada
en la morosidad de tus palabras
veloces como fieras fugitivas
en la suavidad de tu piel
ardiendo en ciudades incendiadas
en el lunar único de tu brazo
anclé la nave.
Navegaríamos,
si el tiempo hubiera sido favorable.

Cristina Peri Rossi



[Corte na Aldeia]





Nas mansas correntes de tuas mãos
e em tuas mãos que são tormenta
na nave divagante de teus olhos
de rumo seguro
no redondo de teu ventre
como esfera para sempre inacabada
no vagar de tuas palavras
velozes como feras em fuga
na suavidade da tua pele
ardendo em cidades incendiadas
no sinal único de teu braço
ancorei o meu barco.
Navegaríamos,
se o tempo fosse favorável.


(Trad. A.M.)

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28.4.12

Murilo Mendes (Arte de desamar)






ARTE DE DESAMAR



Meu amor é disponível,
A qualquer hora ele fecha;
A crise de convicção
É mesmo muito grande.

As pernas do meu amor
Distraem da metafísica,
O corpo do meu amor
Tem a vantagem sublime
De disfarçar o horizonte.

Eu não amo meu amor
Para quê tapeação.
Não amo ninguém no mundo,
Nem eu mesmo, nem me odeio.

Meu amor é uma rede
Onde descanso da vadiação.
Os olhos do meu amor
São bastante distraídos,
Não vêem meu desamor.

Com o porta-seios moderno
Os seios do meu amor
Aparados à la garçonne
Ocupam lugar pequeno
No espaço do seu corpo.

Se meu amor qualquer dia
Me abandonar, ai de mim!
Eu não me suicidarei...
Escreverei mais poemas.


Murilo Mendes

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Claribel Alegria (Como será o encontro?)






CÓMO SERÁ EL ENCUENTRO?




¿Cómo será el encuentro?
Descarnados los dos
sin tu mirada
sin mis labios
posándose en los tuyos.
Partículas de luz quizá seremos
que se atraen
se buscan
se amalgaman.


Claribel Alegria







Como será o encontro?
Descarnados os dois
sem teu olhar
sem meus lábios
pousados nos teus.
Partículas de luz seremos, talvez,
que se atraem
se buscam
se fundem.


(Trad. A.M.)

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27.4.12

Mark Strand (Mãe e filho)






MOTHER AND SON





The son enters the mother’s room
and stands by the bed where the mother lies.
The son believes that she wants to tell him
what he longs to hear—that he is her boy,
always her boy. The son leans down to kiss
the mother’s lips, but her lips are cold.
The burial of feelings has begun. The son
touches the mother’s hands one last time,
then turns and sees the moon’s full face.
An ashen light falls across the floor.
If the moon could speak, what would it say?
If the moon could speak, it would say nothing.


Mark Strand





O filho entra no quarto da mãe
e fica junto à cama onde ela está deitada.
O filho acredita que ela quer dizer-lhe
o que ele anseia ouvir - que ele é o seu menino,
será sempre o seu menino. O filho inclina-se
para beijar os lábios da mãe, mas os lábios estão frios.
Começou o enterro dos sentimentos. O filho
toca as mãos da mãe pela última vez,
depois vira-se e vê a lua cheia.
Uma luz de cinza cruza o chão.
Se a lua pudesse falar, o que diria?
Se a lua pudesse falar, não diria nada.



(Trad. L.P.)



[Do trapézio]


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26.4.12

Josep Palau (La mujer)






LA MUJER




Cuántas mujeres duermen
en mis versos, ah,
para siempre...


Josep Palau i Fabre



>>  Cervantes (bibl. autor) / A media voz (23p) / Escriptors (bio-biblio- anto-entrevista-linques) / Lletra (idem) / Wikipedia



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25.4.12

Olhar (111)







(Sol na portela é noite...)


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Chantal Maillard (Não darás nome ao fogo)






NO PONDRÁS NOMBRE AL FUEGO





No medirás la llama
con palabras dictadas por la tribu,
no pondrás nombre al fuego,
no medirás su alcance.
Todas las llamas son el mismo fuego.
Mi cuerpo es una antorcha que alumbra los espantos
que la razón constituye en sus tinieblas.
Hay que mirar al cuerpo, muy adentro,
tocar el centro ardiente, abrirlo y propagar
el gozo de la lava.
No importa en qué caderas,
en qué pecho resbale,
no importa la estatura, el sexo o la materia
pues todos caminamos sobre la misma pira.
No medirás la llama con palabras que encubren
los viejos sentimientos de los hombres.



Chantal Maillard





Não medirás a chama
com palavras ditadas pela tribo,
não darás nome ao fogo,
não medirás seu alcance.
As chamas todas o mesmo fogo.
Meu corpo uma tocha alumiando os espantos
que a razão forma em suas trevas.
Há que olhar o corpo, bem lá dentro,
tocar o núcleo ardente, abri-lo,
propagar o gozo da lava.
Não importa em que cadeiras,
em que peito resvale,
não importa a estatura, o sexo, a matéria,
pois todos caminhamos na mesma pira.
Não medirás a chama com palavras que encobrem
os velhos sentimentos dos homens.


(Trad. A.M.)

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24.4.12

Mario Quintana (Dos nossos males)






DOS NOSSOS MALES





A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...




Mário Quintana

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23.4.12

César Vallejo (Um homem passa)






Un hombre pasa con un pan al hombro.
¿Voy a escribir, después, sobre mi doble?

Otro se sienta, ráscase, extrae un piojo de su axila, mátalo.
¿Con qué valor hablar del psicoanálisis?

Otro ha entrado en mi pecho con un palo en la mano.
¿Hablar luego de Sócrates al médico?

Un cojo pasa dando el brazo a un niño. ¿
Voy, después, a leer a André Bretón?

Otro tiembla de frío, tose, escupe sangre.
¿Cabrá aludir jamás al Yo profundo?

Otro busca en el fango huesos, cáscaras.
¿Cómo escribir después del infinito?

Un albañil cae de un techo, muere y ya no almuerza.
¿Innovar, luego, el tropo, la metáfora?

Un comerciante roba un gramo en el peso a un cliente.
¿Hablar, después, de cuarta dimensión?

Un banquero falsea su balance.
¿Con qué cara llorar en el teatro?

Un paria duerme con el pie a la espalda.
¿Hablar, después, a nadie de Picasso?

Alguien va en un entierro sollozando.
¿Cómo luego entrar a la Academia?

Alguien limpia un fusil en su cocina.
¿Con qué valor hablar del más allá?

Alguien pasa contando con sus dedos.
¿Cómo hablar del no-yo sin dar un grito?


César Vallejo



[Escomberoides]





Um homem passa com um pão ao ombro.
Vou escrever, a seguir, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, ranha-se, tira um piolho da axila, mata-o.
Com que coragem falar da psicanálise?

Outro entrou no meu peito de pau na mão.
Falar depois, ao médico, de Sócrates?

Um coxo passa de braço dado com uma criança.
Vou, a seguir, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue.
Cabido será aludir ao Eu profundo?

Outro busca na lama ossos e cascas.
Como escrever depois do infinito?

Um pedreiro cai do telhado, morre e já não almoça.
Inovar, a seguir, o tropo e a metáfora?

Um comerciante rouba um grama no peso a um cliente.
Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o balanço.
Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas.
Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar.
Como, após, entrar na Academia?

Alguém limpa a espingarda na cozinha.
Com que coragem falar do mais além?

Alguém passa contando pelos dedos.
Como falar do não-eu sem dar um grito?


(Trad. A.M.)


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22.4.12

Camilo Castelo Branco (Os romances fazem mal)






Os romances fazem mal a muita gente.

Pessoas propensas a adaptarem-se aos moldes que admiram e invejam na novela, perdem-se na contrafacção, ou dão-se em pábulo ao ridículo.

Nestes últimos tempos, há muitos exemplos desta verdade, e tanto mais sensíveis, quanto a nossa sociedade é pequena para se nos esconderem, e intolerante para admiti-los sem rir-se.

Homens, sem originalidade, ou originalmente tolos, macaqueiam tudo que sai da esfera comum.



- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, I.

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Jon Juaristi (As man grows older)






AS MAN GROWS OLDER




Por mi edad turbulenta
-o sea, de los veinte a los cuarenta-,
mejor pasar como si sobre ascuas.

Bebí, amé (es un decir)
y gasté por encima
de lo que la prudencia aconsejaba.

Tú, que me envidias, debes
saber que cambiaría sin mirarla
tu juventud oscura por los años
de la edad turbulenta
en que trastabillé más de la cuenta.


Jon Juaristi






Pelos meus anos turbulentos
– seja, dos vinte aos quarenta –
é melhor passar como sobre brasas.


Bebi, amei (por assim dizer)
e gastei muito mais
do que aconselhava a prudência.


Tu que me invejas, fica a saber
que trocaria sem hesitar
a tua juventude obscura pelos anos
daquela idade turbulenta
em que tripudiei além da conta.


(Trad. A.M.)

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21.4.12

Mário Cesariny (Falta por aqui uma grande razão)






falta por aqui uma grande razão
uma razão que não seja só uma palavra
ou um coração
ou um meneio de cabeças após o regozijo
ou um risco na mão
ou um cão
ou um braço para a história
da imaginação


podemos pois está claro
transferir-nos
imaginar durante um quarto de hora
os séculos que virão
- os séculos um
e dois
da colonização -
depois
depois é este cair na madrugada ardente
na madrugada de constantemente
sem sol
e sem arpão


faltas tu faltas tu
falta que te completem
ou destruam
não da maneira rilkeana vigilante mortal solícita e obrigada
- não, de nenhuma maneira resultante!
nem mesmo o amor
não é o amor que falta


falta uma grande realmente razão
apenas entrevista durante as negociações
oclusa na operação do fuzilamento cantante
rodoviária na chama dos esforços hercúleos
morta no corpo a corpo do ismo contra ismo


falta uma flor
mas antes de arrancada


falta, ó Lautréamont, não só que todo o figo como o seu burro
mas que todos os burros se comam a si mesmos
que todos os amores palavras propensões sistemas de palavras e de propensões
se comam a si mesmos
muitas horas por dia até de manhã cedo
até que só reste o a o b e o c das coisas
para o espanto dos parvos
que aliás não estão a mais


isso eu o espero
e o faço
junto à imagem da
criança morta
depois que Pablo Picasso devorou o seu figo
sobre o cadáver dela
e longas filas de bandeiras esperam
devorar Picasso
que é perto da criança, ao lado da boca minha


Mário Cesariny


[O único verdadeiro deus vivo]

.

20.4.12

Jorge Boccanera (Beijos)






BESOS




La vida no es
la cara ni el llanto de la cara
ni la mano ni el golpe de la mano en la cara
ni el viaje de la mano ni la estéril huida de la cara


es el hilo de sangre que sale de tu boca.


Jorge Boccanera





A vida não é
a cara nem as lágrimas da cara
nem a mão nem o murro da mão na cara
nem a viagem da mão nem a fuga inútil da cara


é o fio de sangue a sair-te da boca.


(Trad. A.M.)



>>  A media voz (20p) / Arte Poética (14p) / Wikipedia


.

19.4.12

Ver (94)







Moledo/Régua/Pinhão



(Rui Pires)




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Celso Emilio Ferreiro (A criança)






EL NIÑO




Había un fuego encendido
en la casa de los abuelos.
Ahora comprendo bien
que el fuego éramos nosotros.
El padre contaba una
historia de miedo.
La madre, sonreía, pues
la historia no era cierta.
Afuera, en los caminos,
refunfuñaba el cierzo.
Una hermana preguntaba
por los pobres de Cristo.
El viento de nieve
golpeaba la llanura.
¿Dónde están esta noche
los que no tienen casa?
El bosque era un misterio
rumoroso y lejano.
El hermano más pequeño
preguntaba callado.
Ahora es ya un hombre,
y sigue preguntando.


Celso Emilio Ferreiro


[El dia en que Peter Pan empeçó a envejecer]






Havia uma fogueira acesa
em casa dos avós.
Agora vejo eu bem
que a fogueira éramos nós.
O pai contava uma
história de medos.
A mãe sorria, pois
a história não era verdade.
Lá fora, nos caminhos,
resmungava a ventania.
Uma irmã perguntava
pelos pobres de Cristo.
O vento de neve
agredia a planície.
Onde estão esta noite
os que não têm casa?
O bosque era um mistério
rumoroso e distante.
O irmão mais miúdo
perguntava calado.
Agora é já um homem,
e continua a perguntar.


(Trad. A.M.)

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18.4.12

Dana Gioia (Não dito)






UNSAID



So much of what we live goes on inside
- The diaries of grief, the tongue-tied aches
Of unacknowledged love are no less real
For having passed unsaid. What we conceal
Is always more than what we dare confide.
Think of the letters that we write our dead.


DANA GIOIA
Interrogations at Noon
(2001)



Muito do que vivemos é interior
-os diários da dor, as penas silenciadas
do amor não correspondido não são menos reais
por não reveladas. O que escondemos
é sempre mais do que o que confiamos a alguém.
Vejam-se as cartas que escrevemos aos nossos mortos.


(Trad. A.M.)



>>  Dana Gioia (sítio>tudo+algo) / Wikipedia


.

17.4.12

Carlos Marzal (Outro encontro)






OTRA CITA



Mañana escribiré. El poema está hecho.
Se perderán definitivamente
-quizá ya se han perdido-
los hábitos que anteceden al día del dictado:
el capricho con que un tema nos busca,
el hallazgo del metro necesario,
la memorización de los versos finales.
Todo se perderá definitivamente.
Porque ha llegado la hora de escribir.
A esas citas uno acaba acudiendo
tarde o temprano.


Ejercicios idénticos
nos conceden la ilusión de avanzar:
la sagrada violencia del fuego,
relegar al olvido un rostro del amor,
una breve y feliz convalecencia.
Mañana escribiré. Y volverán los hábitos
que acompañan al día del dictado:
el capricho con que un tema se pierde, se transforma,
las dudas sobre el metro necesario,
la modificación de los versos finales.
Después se hará el silencio una vez más,
como si nunca hubiese dicho nada.
Y sabré esperar de nuevo,
soportaré la idea de que toda palabra
bien pudiera ser la última.
Siento nostalgia de momentos antiguos.
La impotencia de escribir, en aquel tiempo,
era capaz de herirme.
Hoy ya sé que a las citas se acude
para poder librarnos de las citas.


Ignoro si soy dichoso o desdichado.
El caso es que mañana escribiré.




Carlos Marzal



[Crepusculario]





Amanhã escreverei. O poema está feito.
Perder-se-ão para sempre
– perderam-se já talvez –
os hábitos que antecedem o dia do ditado:
o capricho com que um tema nos busca,
o achar o metro necessário,
a memorização dos versos finais.
Tudo se perderá para sempre.
Porque soou a hora de escrever.
A tais encontros acabamos sempre por ir
cedo ou tarde.


Exercícios idênticos
dão-nos a ilusão de avançar:
a sagrada violência do fogo,
legar ao esquecimento a face do amor,
uma breve e feliz convalescença.
Amanhã escreverei. E voltarão os hábitos
que acompanham o dia do ditado:
o capricho com que um tema se perde, se transforma,
as dúvidas sobre o metro necessário,
a modificação dos versos finais.
Depois será o silêncio uma vez mais,
como se nunca houvesse dito nada.
E saberei esperar de novo,
suportarei a ideia de que toda a palavra
poderá bem ser a última.
Sinto saudade de momentos antigos.
A impotência de escrever, nesse tempo,
era capaz de ferir-me.
Hoje sei já que aos encontros vai-se
para nos livrarmos dos encontros.


Ignoro se sou ditoso ou infeliz.
O caso é que amanhã escreverei.




(Trad. A.M.)

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16.4.12

Olhar (110)







(Rio Paiva)



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Uberto Stabile (Os impostores)






LOS IMPOSTORES



El olvido es la madrugada donde el miedo les hace fuertes
son como amantes inexpertos despidiéndose una y otra vez
sin terminar de pronunciar nunca el definitivo adiós.
Los impostores conocen todas las entradas y salidas de los sueños
todos los rodeos que hay que dar para llegar antes a ninguna parte.
Los impostores se suceden uno tras otro
confundidos entre la niebla y el amor ciego
son el ir y venir de una misma cosa
el plazo de una deuda que no se paga.
Ellos trazan las fronteras de países imaginarios
y juegan a conquistarlos desafiando al miedo.
Son audaces ante la adversidad
y pálidos bajo el fuego.
Ellos siempre andan pisándose los talones
en su loca carrera por no ser advertidos.
Frente a la verdad son invisibles
mudos frente al silencio.
Los impostores nunca tienen el mismo rostro
ni usan palabras que los delaten,
emboscados en sus viejas gabardinas
los impostores pasean al acecho bajo la lluvia.
Dicen venir de lejos
pero son siempre del mismo lugar
sus huellas no perduran
sus manos frías cambian de color
cuando alguien las estrecha.
Los impostores habitan el amor
como se habita una casa vacía,
mienten para sobrevivir
y viven con la incertidumbre atada al cuello.
Los impostores nos engañan con su certeza transparente
nos conducen sin tregua ni descanso
al lugar de siempre.
Los impostores somos nosotros
cuando cerramos los ojos
ante el amor que duele.


Uberto Stabile



[Desde babia2]






O olvido é a manhã em que o medo os faz fortes
são como amantes pouco sabidos
a despedir-se uma e outra vez
sem nunca acabar de dizer o adeus definitivo.
Os impostores conhecem as entradas todas e as saídas dos sonhos
todas as voltas a dar para chegar antes a lado nenhum.
Os impostores sucedem-se um atrás de outro
confundidos na névoa e no amor cego
são o ir e vir de uma só coisa
o prazo da dívida que não se paga.
Traçam as fronteiras de países imaginários
e brincam à conquista desafiando o medo,
audazes na adversidade,
brancos debaixo de fogo.
Andam sempre em fuga,
tentando passar despercebidos,
perante a verdade invisíveis,
mudos perante o silêncio.
Os impostores nunca têm o mesmo rosto,
nem usam palavras que os delatem,
embiocados em velhas gabardinas,
os impostores andam à espreita debaixo de chuva.
Dizem vir de longe
mas são do mesmo lugar,
o seu rasto não perdura
e as mãos frias mudam-lhes de cor
se alguém as aperta.
Os impostores habitam o amor
como se habita uma casa vazia,
mentem para sobreviver
e vivem com a incerteza atada ao pescoço.
Os impostores enganam com sua certeza transparente,
conduzem-nos ao lugar de sempre
sem trégua nem descanso.
Os impostores somos nós
quando fechamos os olhos
perante o amor que dói.


(Trad. A.M.)

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15.4.12

Maria do Rosário Pedreira (Vem ver-me)






Vem ver-me antes que morra de amor - o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer - mas nunca abria a porta.


Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite -
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida pulsar nessa palavra como o músculo tenso
escondido sob a pele - mas depois acordava e não ia.


Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa -
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O Outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.



MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA
Canto do Vento nos Ciprestes
(2001)



[Luz & sombra]

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14.4.12

Carlos Edmundo de Ory (Escrever com espada)






ESCRIBIR CON UNA ESPADA




Acariciar sin tener manos.
Encontrar pedazos de luna en los bolsillos.
Comprar una playa con gritos.
Ir al infierno a ver un amigo.
Enviar una mano a su amada.



Carlos Edmundo de Ory





Acariciar sem ter mãos.
Encontrar nos bolsos pedaços de lua.
Comprar uma praia com gritos.
Ir ver um amigo ao inferno.
Enviar uma mão à amada.



(Trad. A.M.)

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13.4.12

Camilo Castelo Branco (Os dois últimos capítulos)






Os dois últimos capítulos, que já lá vão a grande aprazimento do leitor, e, mais ainda, da leitora, são uma excrescência neste romance: dispensavam-se bem, se eu não quisesse historiar o miserável processo de que resultou a magnífica e estrondosa nomeada de Guilherme do Amaral.




- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, IV.

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Blas de Otero (Notícias do mundo)






NOTICIAS DE TODO EL MUNDO



A los 47 años de mi edad,
da miedo decirlo, soy sólo un poeta español
(dan miedo los años, lo de poeta, y España)
de mediados del siglo XX. Esto es todo.
¿Dinero? Cariño es lo que yo quiero,
dice la copla. ¿Aplausos? Sí, pero no me entero.
¿Salud? Lo suficiente. ¿Fama?
Mala. Pero mucha lana.
Da miedo pensarlo, pero apenas me leen
los analfabetos, ni los obreros, ni los
niños.
Pero ya me leerán. Ahora estoy aprendiendo
a escribir, cambié de clase,
necesitaría una máquina de hacer versos,
perdón, unos versos para la máquina
y un buen jornal para el maquinista,
y, sobre todo, paz,
necesito paz para seguir luchando
contra el miedo,
para brindar en medio de la plaza
y abrir el porvenir de par en par,
para plantar un árbol
en medio del miedo,
para decir "buenos días" sin engañar a nadie,
"buenos días, cartero" y que me entregue una carta
en blanco, de la que vuele una paloma.


Blas de Otero



[Neorrabioso]





Aos meus 47 anos,
até assusta dizê-lo, sou só um poeta espanhol
(assustam os anos, isso de poeta, e de Espanha)
de meados do séc. XX. Mais nada.
Dinheiro? O que eu quero é carinho,
como diz a canção. Aplausos? Sim, mas não estou a par.
Saúde? A bastante. Fama?
Má. Mas muita lã.
É terrível, mas só me lêem
os analfabetos, nem os operários, nem as crianças.
Mas hão-de ler. Estou a aprender
a escrever, mudei de classe,
precisava duma máquina de fazer versos,
perdão, duns versos para a máquina
e um bom jornal para o maquinista,
e paz, acima de tudo,
preciso de paz para continuar a lutar contra o medo,
para brindar no meio da praça
e abrir o porvir de par em par,
para plantar uma árvore
no meio do medo,
para dizer “bom dia” sem enganar ninguém,
“bom dia, carteiro” e ele entregar-me uma carta
em branco, e sair de lá dentro uma pomba.


(Trad. A.M.)

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12.4.12

Manuel Bandeira (Teresa)






TERESA





A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna


Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)


Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.


Manuel Bandeira


.

11.4.12

Blanca Varela (Ninguém te abre a porta)






Nadie te va a abrir la puerta. Sigue golpeando.
Insiste.
Al otro lado se oye música. No. Es la campanilla del
teléfono.
Te equivocas.
Es un ruido de máquinas, un jadeo eléctrico, chirridos,
latigazos.
No. Es música.
No. Alguien llora muy despacio.
No. Es un alarido agudo, una enorme, altísima lengua que
lame el cielo pálido y vacío.
No. Es un incendio.



Todas las riquezas, todas las miserias, todos los hombres,
todas las cosas desaparecen en esa melodía ardiente.
Tú estás solo, al otro lado.
No te quieren dejar entrar.
Busca, rebusca, trepa, chilla. Es inútil.
Sé el gusanito transparente, enroscado, insignificante.
Con tus ojillos mortales dale la vuelta a la manzana, mide
con tu vientre turbio y caliente su inexpugnable
redondez.
Tú, gusanito, gusaboca, gusaoído, dueño de la muerte y
de la vida.
No puedes entrar.
Dicen.




Blanca Varela






Ninguém te abre a porta. Bate mais.
Insiste.
Do outro lado ouve-se música. Não, é a campainha do
telefone.
Enganas-te.
É um ruído de máquinas, um arfar eléctrico, rangidos,
chicotadas.
Não, é música.
Não, alguém chora devagarinho.
Não, é um grito agudo, uma enorme, altíssima língua
a lamber o céu pálido e vazio.
Não, é um incêndio.



Todas as riquezas, misérias, todos os homens,
todas as coisas se vão nessa melodia ardente.
Tu estás só, do outro lado.
Não te deixam entrar.
Busca, rebusca, trepa, guincha. Não adianta.
Sê o vermezito transparente, enroscado, insignificante.
Com teus olhitos mortais volta a maçã, mede
com teu ventre turvo e morno sua inexpugnável
redondez.
Tu, vermezito, boca de bicho, dono da morte e
da vida.
Não podes entrar.
Dizem.



(Trad. A.M.)




> Outra versão:  Raposas a sul (A.Cabrita)


.

10.4.12

Ver (93)






[Fan Ho]



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Mario Benedetti (Táctica e estratégia)






TÁCTICA E ESTRATÉGIA




Minha táctica é
olhar-te
aprender como és
querer-te como és


minha táctica é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível


minha táctica é
pousar-me na tua lembrança
não sei como nem
com que pretexto
mas pousar-me em ti


minha táctica é
ser franco
e saber que tu também
e que não troquemos
simulacros
pra não haver entre nós
nem cortina
nem abismos


minha estratégia
em troca
é mais profunda
mais singela
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem
com que pretexto
por fim precises de mim.




Mario Benedetti

(Trad. A.M.)


.

9.4.12

José Mário Silva (Resgate)






RESGATE




A memória,
luz indecisa,
ignora ainda
o que deve
iluminar.



José Mário Silva



[Poetas s.XXI]


.

8.4.12

Berna Wang (Nós vamo-nos fazendo velhos)






Nos vamos haciendo viejos
y la feroz ternura
con que amarramos nuestras bocas al aquí mismo,
ahora mismo,
nos hace, además, cómplices de amor.


Nos vamos haciendo
a tantas idas y venidas,
al sabor de lo eternamente efímero
de la felicidad y de la ausencia.


Nos vamos
y me dices:
«Aunque te vayas (la próxima vez será la definitiva, lo presiento),
ya no te echaré de menos porque ahora sé que nunca te irás de mí»
y yo digo que así es.


«Nos»,
y este plural
estalla en la boca como una estrella.



Berna Wang



[Cómo la luna en el água]




Nós vamo-nos fazendo velhos
e a feroz ternura
com que amarramos as bocas ao aqui mesmo,
agora mesmo,
faz-nos além disso cúmplices de amor.


Nós vamo-nos (a)fazendo
a tantas idas e vindas,
ao sabor do sempre efémero
da felicidade e ausência.


Nós vamo-nos
e tu dizes-me:
“Mesmo que te vás (na próxima, adivinho, será para sempre),
eu não te sentirei a falta pois sei agora que nunca te irás de mim”
e eu digo que assim é.


“Nós”,
e este plural
estoira na boca como uma estrela.


(Trad. A.M.)

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7.4.12

Coitado do Jorge (77)






UMA PRAIA




Uma praia.
Um livro.
E um rapazinho.



A ler.
A miúda.


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Antonio Orihuela (Cada vez vejo mais gente)







Cada vez, veo a más gente
con una venda
puesta en los ojos.
Incluso he visto gente, a las que,
habiendóseles movido un poco
se la vuelven a colocar correctamente.



ANTONIO ORIHUELA
Edad de hierro
(1997)


[Cómo cantaba mayo]





Cada vez vejo mais gente
com uma venda
nos olhos.
Vi mesmo gente que,
tendo-se-lhe desviado um pouco,
volta a pô-la correctamente.


(Trad. A.M.)



> Outra versão:  Meia noite todo o dia (m.a.domingos)

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6.4.12

Manuel António Pina (Arte poética)






ARTE POÉTICA




Vai, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.


Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.


Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.


E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?


MANUEL ANTÓNIO PINA
Os Livros
Assírio & Alvim
(2003)

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5.4.12

Antonio Machado (Demos tempo ao tempo)






Demos tempo ao tempo:
para que o copo transborde
temos que enchê-lo primeiro.



Antonio Machado

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4.4.12

Camilo Castelo Branco (A história assim começa)






A história assim começa fria e desgraciosamente.

É uma espécie de Anjo do Nascimento.

A descrição de uma tempestade, saraiva a estalar nas vidraças, o vento norte a assobiar nos forros, o arvoredo secular a ramalhar rangendo, e duas dúzias mais de caretas que a natureza faz à humanidade espavorida, e que os romancistas, desde Longo até nós, descrevem com invariável frase em todas as ocasiões que lhes não ocorre outra coisa...

A mim também me não ocorre agora o que vinha dizendo...

Penso que a minha ideia era apresentar o sr. João Antunes da Mota.

Devia ser outra melhor.

Tive-a e esqueci-a.



- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, prólogo.

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Antonio Gamoneda (Há um ancião)






Há um ancião diante de uma senda vazia. Ninguém
regressa da cidade longínqua: apenas o vento
sobre as últimas pegadas.


Eu sou a senda e o ancião, sou a cidade e o vento.



ANTONIO GAMONEDA
Livro do Frio
Assírio & Alvim
(Trad. José Bento)

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3.4.12

Manoel de Barros (Pretexto)






PRETEXTO





O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada.
Foi o que escreveu Flaubert a uma sua amiga em 1852.
Li nas Cartas Exemplares organizadas por Duda Machado.
Ali se vê que o nada de Flaubert não seria o nada existencial, o nada metafísico.
Ele queria o livro que não tem quase tema e se sustente só pelo estilo.
Mas o nada do meu livro é nada mesmo.
É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc. etc.
O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras.
Fazer coisas desúteis.
O nada mesmo.
Tudo que use o abandono por dentro e por fora.




MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

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2.4.12

Jorge Espina (Síndrome de Estocolmo)






SÍNDROME DE ESTOCOLMO




Mi única victoria.
A pesar de
Tus golpes,
Tus desprecios,
Tu desdén,
No has conseguido
Ni por un instante,
Que dejara de amarte.



Jorge Espina





Minha única vitória.
Apesar de teus golpes,
teus desprezos,
teu desdém,
não conseguiste
nem por um instante
que eu deixasse de amar-te.



(Trad. A.M.)

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1.4.12

Um verso (104)






Um verso de Murilo Mendes
(casado com Saudade):





Escrevo para me tornar invisível





Murilo Mendes




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Jon Juaristi (Rosario)







ROSARIO




Yo la quería mucho, pero entonces
amar y destruir sonaban parecido,
como en los más confusos poemas de Aleixandre.
Nos casamos con otros. Tal vez así perdimos
lo mejor de la vida. Quién sabe. Hubo una noche
en que ambos acordamos que pudo ser distinto
el rumbo de esta historia de culpa y cobardía.
Se quitó el pasador de su cabello oscuro
y me lo dio al marchar, y nunca volví a verla.
Murió. No lo he sabido hasta esta tarde misma,
varios años después, en su pequeño pueblo
y frente a la serena desolación del mar.
Ahora intento evocarla, pero se desvanece:
No he encontrado siquiera su pasador de rafia.


Jon Juaristi





Eu queria-lhe muito, mas então
amar e destruir soavam parecido,
como nos mais confusos poemas de Aleixandre.
Casamos com outros e perdemos assim, talvez,
o melhor da vida, quem sabe. Uma noite houve
em que ambos acordámos em que podia ser diferente
o rumo desta história de culpa e cobardia.
Tirou a fita do cabelo escuro
e deu-ma ao partir, e nunca mais voltei a vê-la.
Morreu e eu não soube até ao dia de hoje,
vários anos depois, na sua aldeia,
frente à serena desolação do mar.
Agora tento evocá-la, mas esfuma-se,
não encontro sequer a tal fita de ráfia.


(Trad. A.M.)



>>  PoetasVascos (antologia) / A media voz (25p) / Biografías y vidas (bio) / Wikipedia


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