27.2.25

José Corredor-Matheos (Queria ser cão)

 



(XIII)

Quisiera ser un perro
 los lunes y los miércoles,
sólo un hombre los martes
y los jueves,
no ser nada los viernes,
y en sábado y domingo
 ser, por ejemplo, un dios.
Un dios que no supiera que lo es,
pero hubiera encontrado
el hueso que buscaba.


José Corredor-Matheos

[JCM]

 

 

Queria ser cão
às segundas e quartas,
homem apenas às terças
e quintas,
não ser nada às sextas,
e sábado e domingo
ser, por exemplo, deus.
Um deus sem saber que o era,
mas que tivesse encontrado
o osso que buscava.


(Trad. A.M.)

.

26.2.25

Joaquín Giannuzi (Momento hibernal)

 



MOMENTO INVERNAL 

 

¿Qué haremos con esta escena accidental
-hojas reunidas por el viento del sur hacia la puerta-
sino aislarla como un conocimiento ilusorio?
Todo movimiento es circular
en el rincón del muro, allí
donde las hojas corren para girar sobre sí mismas
al aullido de una ráfaga fría y discontinua.
Lugares comunes de la materia invernal.
¿Debemos otorgarles
una intención de belleza y resurrección
a partir de la confusión del polvo estacional?
Tal es nuestro posible conocimiento: un anhelo
susurrando en las hojas secas, una horrible
tristeza en una tarde de nuestro tiempo.
Y en el rincón del muro la certeza y el residuo
de una disolución universal.

Joaquín Giannuzi 

 

Que faremos desta cena acidental
- folhas juntas contra a porta pelo vento sul -
senão isolá-la como conhecimento ilusório?
Todo o movimento é circular
no canto do muro, ali
onde correm as folhas, girando sobre si,
ao uivo de uma rajada fria e descontínua.
Lugares comuns da matéria hibernal,
deveremos outorgar-lhes
uma ontenção de beleza e ressurreição
a partir da confusão do pó da estação?
Tal é a nossa consciência possível, um anelo
sussurrando nas folhas secas, uma tristeza
horrível numa tarde do nosso tempo.
E no canto do muro a certeza e o resíduo
de uma dissolução universal.


(Trad. A.M.)

.

24.2.25

Nuno Júdice (Princípios)




PRINCÍPIOS
 

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.
Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.
Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Nuno Júdice

 .

22.2.25

Georgina Ramírez (Os vícios de minha mãe)

 



LOS VICIOS DE MI MADRE

 

Mi madre lleva una sonrisa
cosida en la boca
la cuelga en el armario
cuando todos duermen
la lava en silencio
con todo el llanto que esconde
debajo de la almohada
y muerde con sus dientes falsos
cada fantasma que pare la noche
Siempre es de día en mi casa
porque mi madre
se traga toda la oscuridad
para arrancarnos el dolor
y enterrarlo debajo de su falda


Georgina Ramírez

 


Minha mãe tem um sorriso
cosido nos lábios
pendura-o no armário
quando todos dormem
lava-o em silêncio
com as lágrimas que esconde
por baixo da almofada
e morde com os dentes falsos
os fantasmas paridos pela noite
É sempre de dia em minha casa
porque minha mãe
come o escuro todo
para nos arrancar a dor
e a enterrar por baixo da saia


(Trad. A.M.)

.

21.2.25

José Antonio Martínez Muñoz (Whole world blues)



WHOLE WORLD BLUES 

      
el barro de los zapatos es el calendario
el horizonte la última línea del libro
páginas amarillas huellas en el olvido
otro tren otro camino
pasan los árboles y las ciudades
y los hombres pasan
sólo el sol y yo somos los mismos


y hay un nombre que no recuerdo
(cae la tarde) y flota en el viento
junto a los pasos lamidos por el tiempo
otro tren otro camino
el mundo entero pasa
sólo el barro y yo somos lo mismo

José Antonio Martínez Muñoz 

 

a lama dos sapatos é o calendário
o horizonte a última linha do livro
páginas amarelas marcas no esquecimento
outro comboio outro caminho
passam as árvores e as cidades
e os homens passam
só o sol e eu somos os mesmos

e há um nome que não recordo
(cai a tarde) e voga no vento
junto aos passos lambidos pelo tempo
outro comboio outro caminho
o munto inteiro passa
só eu e a lama somos o mesmo


(Trad. A.M.)

.

19.2.25

Camilo Castelo Branco (A cabeça de Bazílio)



(A cabeça de Bazílio)

José Fernandes, como o filho tivesse oito anos bem espigados, comprou-lhe um ABC, e foi levá-lo á escola.
Era a cabeça de Bazílio, no dizer do mestre, muito mais dura, e tapada, e maior que a bola de pedra da torre dos Clérigos.
Ao cabo de Irês meses, Bazílio já conhecia um ‘o’ e um ‘i’; mas, se lhe tirassem o ponto ao ‘i’, chamava-lhe ‘o’.
O mestre seguia o sistema da pancadaria, sistema o mais racional de todos com cabeças daquele feitio.
Bazílio entrava em casa a chorar, a mãe saía de mantilha a descompor o mestre, o mestre, exauridas as razões, descompunha a senhora Bonifácia, e assim andaram, ora melhor ora pior, até que Bazílio aprendeu o abecedário, ás direitas, ás avessas, e salteado. (I)


CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)

.

17.2.25

Joan Margarit (Por trás das palavras)



 

Detrás de las palabras sólo te tengo a ti.
Triste quien no ha perdido
 por amor una casa.
Triste el que muere rodeado
de respeto y prestigio.
Yo me creo lo que sucede en la noche
estrellada de un verso.

 
Joan Margarit

 

 

Por trás das palavras tenho-te só a ti.
Triste de quem não perdeu
por amor uma casa.
Triste do que morre cercado
de respeito e prestígio.
Eu cá creio no que sucede
na noite estrelada de um verso.


(Trad. A.M.)


16.2.25

Jesús Beades (Sobre um tema de Yeats)




SOBRE UN TEMA DE YEATS 
               (Down by the Salley Gardens)


Ya sé que debo tomarme el amor
con calma. Que en la vida cada cosa
tiene su justo tiempo, y que no es bueno
ni sirve para nada el impaciente
deseo de la dicha. La hierba crece lenta
por los campos mojados, pero siempre
terminan verdeando las saucedas.
El caballo se forma poco a poco en el vientre
de la yegua, pero al final se escuchan
galopes y relinchos. También los versos son
como las raíces bajo la nieve.
Lo sé. Pero… ¿y si yo no me acerco
a ver crecer la hierba, si acaso no te llamo
para quedar contigo esta mañana,
si no cojo tu mano para que tú comprendas,
quién me dice a mí que no te irás
y habré perdido entonces
la ocasión de quererte,
de darte una ocasión de que me quieras?

Jesús Beades 

 

Sei bem que o amor devo tomá-lo
com calma. Que para tudo na vida
há o seu tempo justo, e que não é bom
nem serve de nada o impaciente
desejo da fortuna. A erva cresce lenta
nos campos molhados, mas sempre
os salgueiros acabam por verdejar.
O cavalo forma-se pouco a pouco
no ventre da égua, mas no fim escutam-se
relinchos e galopes. Também os versos
são como as raízes sob a neve.
Bem sei, mas… E se eu não me achego
a ver crescer a erva, se acaso não te chamo
para ficar contigo de manhã,
se não te pego na mão para que tu compreendas,
quem me diz a mim que tu não te vais,
e eu perco então a ocasião de querer-te,
e de dar-te a ti mesma a ocasião de me querer?


(Trad. A.M.)

 

(> W. B. Yeats - No meio dos salgueiros)

 .

14.2.25

Alessandro Parronchi (A meu pai, em sonhos)




A MIO PADRE, IN SOGNO


Sorridi un poco e te ne vai pensoso.
E ad un tratto con lacrime mi chiedo
quanto tempo è che al petto non ti stringo
non afferro da amico quelle braccia.
La memoria ha insensibili naufragi.
Scolora come il cielo di settembre
sotto il vento si popola di nubi.
Te ne vai. Quante cose all’improvviso
mi ritrovo da dirti… E resto muto.
Ma perché nell’istante che mi volto
non sei più là? Ci sono tante cose
da dirsi… Ed io ti chiamo ancora, e credo
che non può certo, questo, essere un sogno.


Alessandro Parronchi

 


Sorris um pouco e afastas-te pensativo.
E de repente eu pergunto-me em lágrimas
há quanto tempo não te abraço contra o peito,
não agarro esses braços com afecto.
A memória tem naufrágios imperceptíveis,
perde cor tal como o céu de Setembro
se povoa de nuvens com o vento.
Vais-te. Quantas coisas me ocorrem
para te dizer, subitamente… E fico calado.
Mas porque é que no instante em que me volto
já tu desapareceste? Há tanta coisa
para dizer… E eu chamo-te ainda, crendo
que não pode certamente, isto, ser só um sonho.


(Trad. A.M.)

.

12.2.25

Javier Salvago (Imagem do desengano)

 



IMAGEN DEL DESENGAÑO 

 

Con el dinero justo siempre,
sin poder y sin gloria, más bien harto
del poder y la gloria, de versitos
bonitos, de la vida y sus trabajos
—de contarle a un papel lo que ha vivido
en lugar de olvidarlo—
de ser hombre, de ser poeta lírico,
de vivir, de saber que el arte es largo.
 

 Javier Salvago

 


Sempre com o dinheiro justo,
sem poder e sem glória, antes farto
do poder e da glória, de versinhos
bonitos, da vida e seus trabalhos
– de pôr num papel aquilo que viveu
em vez de esquecê-lo –
 de ser homem, de ser poeta lírico,
de viver, de saber que é longa a arte.


(Trad. A.M.)

.

11.2.25

Javier Cánaves (As noites de abandono)



LAS NOCHES DE ABANDONO 

 

Llegará el día en que serás la imagen
de un tiempo más propicio a la pasión
y sus gestos dramáticos, cuando el recuerdo
pinte de sepia aquellos días,
y un presente cercado
nos diga que habitamos la edad de las renuncias,
la ciudad invernal de los que aceptan.

Hasta entonces, el juego del olvido y sus máscaras,
sus alboradas lentas, incisivas,
sus confesiones turbias de rehén macilento
que no acepta que el tiempo desbarate la magia
que sólo la inocencia de todos los principios
es capaz de fraguar. 

¿Qué será de nosotros que inventamos la vida
cuando todo en el mundo parecía a la contra?
 

Recuerda lo que fuimos,
la intensidad de aquellos días
todavía cercanos, las palabras insomnes
bajo un cielo de junio, intemporal,
en la playa infinita, abolida por siempre,
donde todo embarranca y se hace humo. 

Quizá sean la llama que precises
cuando a tu vida lleguen
las noches de abandono.
 

Javier Cánaves

  

Um dia virá em que serás a imagem
de um tempo mais propício à paixão
e seus gestos dramáticos, quando a lembrança
pintar aqueles dias de sépia,
e um presente cercado
nos disser que habitamos o tempo das renúncias,
a cidade invernal dos que se conformam.
 

Até lá, o jogo do olvido e suas máscaras,
suas alvoradas lentas, incisivas,
suas turvas confissões de refém macilento
que não aceita que o tempo desbarate a magia
que só a inocência dos princípios
é capaz de forjar.
 

Que será de nós que inventamos a vida
quando tudo no mundo parecia contrário?
 

Recorda o que fomos,
o intenso desses dias

ainda próximos, as palavras insones
sob um céu de Junho, intemporal,
na praia infinita, abolida para sempre,
onde tudo encalha e se desfaz em fumo.

Talvez sejam a chama que precises
quando em tua vida chegarem
as noites de abandono.
 

(Trad. A.M.)


.

9.2.25

Camilo Castelo Branco (Bastante dinheiroso)




(Bastante dinheiroso)

Bazílio Fernandes é um sujeito de trinta e sete anos, com senso-comum, engraçado a contar histórias de sua vida, activo negociante de vinhos no Porto, amigo do seu amigo, e bastante dinheiroso — o que é melhor que tudo já dito e por dizer. (I)


CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)

.

7.2.25

Jaime Sabines (Reparti minha vida)




He repartido mi vida inútilmente entre el amor y el deseo,
la queja de la muerte, el lamento de la soledad.
Me aparté de los pensamientos profundos,
y he agredido a mi cuerpo con los excesos
y he ofendido a mi alma con la negación.

Me he sentido culpable de derrochar la vida
y no he querido quedarme en casa a atesorarla.
Tuve miedo del fuego y me incineré.
Amaba las páginas de un libro y corría a la calle a aturdirme.
Todo ha sido superficial y vacío.
No tuve odio sino amargura, nunca rencor sino desencanto.
Lo esperé todo de los hombres y todo lo obtuve.
Sólo de mí no he sacado nada: en esto me parezco a las tumbas.

¿Pude haber vivido de otro modo?
Si pudiera recomenzar, ¿lo haría?

Jaime Sabines



Reparti minha vida inutilmente entre o amor e o desejo,
a queixa da morte, o lamento da solidão.
Apartei-me dos pensamentos profundos,
agredi o meu corpo com os excessos,
ofendi a minha alma com a negação.

Senti-me culpado por desperdiçar a vida
e não quis ficar em casa a poupá-la.
Tive medo do fogo e incinerei-me.
Amava as páginas dum livro e corria para a rua
a aturdir-me.
Tudo foi vazio e superficial.
Não tive ódio, mas amargura, nunca rancor,
mas sim desencanto.
Esperei tudo dos homens, e tudo obtive.
Só de mim não tirei nada, e nisto me pareço
com as sepulturas.

Podia ter vivido de outro modo?
Se pudesse recomeçar, fá-lo-ia?

(Trad. A.M.)

.

6.2.25

Jaime Gil de Biedma (Que a vida passa mesmo)




Que la vida va en serio ya lo dijo el poeta, 
y así lo ratifica este lento descenso
a la nada, los continuos adioses
de amigos y parientes, la nostalgia
que a veces, como una densa nieblas
e nos viene de golpe hasta los ojos. 
Envejecer, morir..., pero que nadie
diga que fue inútil la vida, que
mejor haber sido piedra inerte,
naturaleza muerta en el origen
o una sombra sin cuerpo y sin mañana.
Nadie diga que no tiene sentido
este breve trayecto por la vida,
pues nos fue dado amar, y es suficiente
caudal para abrazar la infinitud,
pues nos fue dado el don de la belleza,
el misterio veraz de la palabra,
el vuelo de la música y el canto
de las aves, la inmensidad del mar... 

Que la vida va en serio lo sabemos,
pero también que nuestras manos sienten,
que nuestros labios besan, que se puede
mirar al horizonte sin temores
y, a nuestro paso, hacer que este camino
tenga un claro sentido, pese a todo.
Después morir, quedar en el recuerdo,
o ser, sin más, alondra en el olvido.
 

Jaime Gil de Biedma

 

Que a vida passa mesmo, disse-o já o poeta,
e assim o confirma este lento declinar 
para o nada, os contínuos adeuses
de amigos e parentes, a saudade 
que às vezes como a névoa 
nos bate de repente contra os olhos.
Envelhecer, morrer… mas que ninguém 
nos diga que foi inútil a vida, que
melhor seria ter sido pedra inerte,
natureza morta na origem
ou uma sombra sem corpo nem amanhã.
Ninguém diga que não tem sentido
este breve percurso pela vida,
pois que nos é dado amar, sendo
o caudal bastante para abraçar o infinito,
e foi-nos dado o dom da beleza, 
o mistério da palavra,
o voo da música e o canto
das aves, o imenso do mar… 

Que a vida passa mesmo, sabemos,
mas também que sentimos com as mãos,
que nossos lábios beijam, que podemos 
olhar sem temor o fio do horizonte
e, à nossa passagem, fazer que o caminho
tenha um claro sentido, apesar de tudo.
Depois, morrer, ficar na lembrança,
ou ser, sem mais, cotovia no esquecimento.
 

(Trad. A.M.)

 .

4.2.25

David Mourão-Ferreira (Escolha)




ESCOLHA



Entre o vento e a navalha escolho o vento
Entre verde e vermelho aquele azul
que até na morte servirá de espelho
ao vento que por dentro me deslumbra.
Entre vento e cipreste escolho o Sol
Entre as mãos que se dão a que se oculta
Entre o que nunca soube o que já sobra
Entre a relva um milímetro de bruma


David Mourão-Ferreira

[Um reino maravilhoso]

 .

2.2.25

Georgina Ramírez (A modo de arte poética)




A MODO DE ARTE POÉTICA

 

 

No me gusta nombrar

la flor en el poema

me empalaga su aroma

de amor recién hecho

 

Ustedes quédense con las rosas

poetas

 

A mí

déjenme la espina

el olor a sangre

la herida.


Georgina Ramírez


No poema não gosto
de nomear a flor
enjoa-me o aroma
do amor de fresco

Ficai vós com as rosas
poetas

A mim
deixai-me o espinho
o cheiro a sangue
a ferida


(Trad. A.M.)



>>  Viaje inconcluso (10p) Altazor (6p) /Cardenal (5p) / Antonio Miranda (7p) /  Emma Gunst (5+2p) / La parada poetica (blogue) / Poesia en georgia (blogue) / Facebook

 

.

1.2.25

Jacob Iglesias (Mal-entendido)

 



MAL-ENTENDIDO

 

Não existe aquilo que ambicionavas.
Deveras só a ânsia não apaziguada
de o buscar, e tocar e jamais possuir.
Nunca viverás uma dessas vidas
que só te esforçaste a imaginar,
apesar de as recordares ao pormenor
como se as tivesses vivido.
Assume o mal-entendido, entrincheira-te
nos prazeres que te deste
para tornar a espera suportável.
E agradece, sem euforia, as migalhas
de alegria que encontras em cada dia.

 

Jacob Iglesias

(Trad. A.M.)

 .