11.7.25

Antonio Gómez (Em menino)



De niño contaba estrellas, 
ovejas antes de dormir,
todos los lunares de mi cuerpo
o los pasos que separaban mi casa del colegio.

Hoy cuento fracasos,
titubeos,
desencuentros
y coartadas a seguir.

Antonio Gómez

 

Em menino  eu contava estrelas,
ou carneiros para dormir,
os sinais todos do corpo
ou os passos de minha casa ao colégio.

Hoje conto fracassos,
titubeios,
desencontros
e desculpas de mau pagador.


(Trad. A.M.)



>>  Voces del extremo (11p) / Voces del extremo (5p)

.

10.7.25

Martín López-Vega (Laranja)





LARANJA

 

 

Alguém a deixou sobre a mesa do jardim, a laranja.

Agora é um símbolo da tarde, essa fruta

brilhando por entre o confuso calor deste fim de dia

luminoso como uma recordação amorosa da adolescência,

como a primeira laranja,

como as mãos que cheiram a laranja.

 

(Rodearam-na logo as formigas, esvoaçaram

em seu torno mil insectos, bailará a noite

em seu redor.) Mas agora essa laranja na tarde

supõe uma ordem, um sentido, o centro gravitacional do dia.



Martín López-Vega

 

(Trad. Ruy Ventura)


.

8.7.25

Louise Glück (Um romance)




A NOVEL

 

No one could write a novel about this family:
too many similar characters. Besides, they’re all women;
there was only one hero.

Now the hero’s dead. Like echoes, the woman last longer;
they’re all no tough for their own good.

From this point on, nothing changes:
there’s no plot without a hero.
In this house, when you say plot what you mean is love story.

The women can´t get moving.
Oh, they get dressed, they eat, they keep up appearance.
But there’s no action, no development of character.

They’re all determined to suppress
criticism of the hero. The problem is
he’s weak; his scenes specify
his function but not his nature.

Maybe that explains why his death wasn’t moving.
First he’s sitting at the head of the table,
where the figurehead is most needed.
Then he’s dying, a few feet away, his wife holding a mirror under his mouth.

Amazing, how they keep busy, these women, the wife and two daughters.
setting the table, clearing the dishes away.
Each heart pierced through with a sword.

 

Louise Glück

[Hector Castilla]

 

 

Com esta família, ninguém fazia um romance,
as personagens são muito parecidas,
além disso são todas mulheres,
haveria um só herói.

O herói está morto, as mulheres duram mais, tal como o eco;
são menos tesas para seu próprio bem.

Daqui para a frente, nada muda, sem herói não há enredo.
Aqui em casa, enredo quer dizer história de amor.

As mulheres não se mexem.
Sim, vestem-se, comem, cuidam do seu aspecto,
mas não há acção, nem evolução da personagem.

Estão empenhadas todas em excluir a crítica do herói,
o problema dele é ser fraco,
as cenas indicam-lhe a função,
mas não a natureza.

Talvez isto explique porque é que a morte dele não foi comovente,
primeiro com ele sentado à cabeceira da mesa,
depois a morrer, a poucos passos,
com a mulher a pôr-lhe um espelho por baixo da boca.

Espantoso, como se afanam estas mulheres,
a mulher e as filhas, a pôr a mesa, a levantar os pratos,
com uma espada a traspassar-lhes os corações.


(Trad. A.M.)

 .

6.7.25

Marta Sanz (A pálpebra)




A pálpebra é 
no fundo
tão fina
que toda a luz 
a trespassa. 

E também o escuro.
 

Marta Sanz 

(Trad. A.M.)

 .

5.7.25

Marta López Vilar (De sombras e sombreiros)



DE SOMBRAS E SOMBREROS OLVIDADOS

 

Aprenderé tus sombras para que no se me olviden
y cuidaré de ti en días como estos
en los que nuestras huellas
sólo son de sombras y sombreros olvidados.

Son los días del olvido.
Nadie puede ser más afortunado que nosotros.
Amémonos si es preciso.

Marta López Vilar

 

Aprenderei tuas sombras para que não me esqueçam
e cuidarei de ti em dias como estes
em que nossos rastos
são só de sombras e chapéus olvidados.

Dias de olvido.
Ninguém mais afortunado que nós.
Amemo-nos, sendo preciso.


(Trad. A.M.)

.

3.7.25

Freire Falcão (Gaivotas)




GAIVOTAS

 

O mar finge
tomar a praia,
submergi-la
para sempre.
Mas não.
Sugere a catástrofe
previsível
e logo desiste. 

Apenas quer
o desenfado
das gaivotas,
que não têm
o que fazer,
quietas,
alinhadas,
viradas para lá;
(esta preguiça,
este sossego,
esta ordem natural
será tédio?)


Freire Falcão

[Triplo V]

 

>>  Triplo V

.

1.7.25

Luis Alberto de Cuenca (Julia)




JULIA 

 

Mientras haya ciudades, iglesias y mercados,
y traidores, y leyes injustas, y banderas;
mientras los ríos sigan vertiendo su basura
en el mar y los vientos soplen en las montañas;
mientras caiga la nieve y los pájaros vuelen,
y el sol salga y se ponga, y los hombres se maten;
mientras alguien regrese, derrotado, a su cuarto
y dibuje en el aire la V de la victoria;
mientras vivan el odio, la amistad y el asombro,
y se rompa la tierra para que crezca el trigo;
mientras tú y yo busquemos el medio de encontrarnos
y nuestro encuentro sea poco más que silencio,
yo te estaré queriendo, vida mía, en la sombra,
mientras mi pecho aliente, mientras mi voz alcance
la estela de tu fuga, mientras la despedida
de este amor se prolongue por las calles del tiempo.
 

Luis Alberto de Cuenca 

 

Enquanto houver cidades, igrejas e mercados,
e traidores, e leis injustas, e bandeiras;
enquanto os rios continuarem a despejar seu lixo
no mar e os ventos soprarem nos montes;
enquanto cair a neve e os pássaros voarem,
e o sol se puser e nascer, e os homens se matarem;
enquanto alguém regressar derrotado a casa
e fizer no ar o V da vitória;
enquanto viverem o ódio, a amizade, o assombro,
e se rasgar a terra para o trigo crescer;
enquanto tu e eu buscarmos o meio de nos encontrar
e nosso encontro for pouco mais que silêncio,
eu hei-de querer-te sempre, vida minha, na sombra,
enquanto meu peito respirar, enquanto minha voz seguir
a esteira da tua fuga, enquanto se prolongar
o adeus deste amor pelas ruas do tempo.
 

(Trad. A.M.)

 .

30.6.25

Aníbal Nuñez (Sinais de velhice)




SÍNTOMAS DE VEJEZ      

 

Ya el poeta no hace como antes
boceto de sus lágrimas
ni refunde su canto hasta el poema

ahora directamente como el liquen
sobre la piedra inerme
dispone las palabras a sabiendas
de que el tiempo ha dispuesto el cañamazo
de lo que va a escribir para el olvido.

 
Aníbal Núñez 

 

Já não faz o poeta como antes
rascunho de suas lágrimas 
nem refaz seu canto até ao poema 

agora directamente como o líquen
na pedra inerme
dispõe as palavras ciente
de que o tempo preparou o suporte
do que vai escrever para o esquecimento.
 

(Trad. A.M.)

 .

28.6.25

Valerio Magrelli (Há livros)




Esistono libri che servono a svelare altri libri, 
ma scrivere in genere è nascondere, 
sottrarre alla realtà qualcosa
di cui sentirà la mancanza. 
Questa maieutica del segno 
indicando le cose con il loro dolore
insegna a riconoscerle. 
 

Valerio Magrelli

 

Há livros que permitem revelar outros livros,
mas em geral escrever é esconder,
tirar algo à realidade
cuja falta se sentirá.
Esta maiêutica do signo
indicando as coisas pela sua dor
ensina a reconhecê-las.
 

(Trad. A.M.)

 .

26.6.25

Roberto Malatesta (Nada mais)




NADA MÁS



Nada más pido a la tarde,
buen ejercicio es ceder
toda codicia.
Cierro los ojos:
tibieza de la luz,
algo de frío en los pies,
ramas que se mecen.
¿Mañana qué habré de decir?
Tampoco importa.
Esta noche
bajo la lámpara
recogeré trozos de sol
con la punta de mis dedos
tocándome los párpados.

Roberto Malatesta 

 

À tarde nada mais peço,
bom exercício é ceder
toda a cobiça.
Cerro os olhos,
uma luz morna,
algo de frio nos pés,
ramos que balançam.
Amanhã direi o quê?
Não importa.
Esta noite
sob a lâmpada
apanharei pedaços de sol
na ponta dos dedos,
roçando as pálpebras.


(Trad. A.M.)

.

25.6.25

Antonio Pereira (Não há nada)



No hay nada más cansado que el rostro de un domingo 
si son las cinco de la tarde y llueve, 
no hay recuerdo más triste que el de los soportales 
y la humedad calando la suela del zapato. 
Pero a veces con sol y en día de diario, 
más veces cada vez, casi todas las veces, 
la fatiga del mundo hace eternas las horas.
Si supieras qué largos van los trenes, 
el regreso obstinado de las moscas, 
lo inútil de esperar al camarero, 
la lacerante tos de los dentistas, 
el avión que nunca llega a este aeropuerto de El Ecuador, 
disculpen por favor señores pasajeros 
con destino a Guayaquil, 
y nunca llega. 
                      No creas que te engaño.
Reconozco también las horas tensas, 
ocasiones de amor, corazonadas 
que avisan de una súbita alegría. 
Pero tú ya no corres, 
los jaguares 
se suben a la acera a atropellar ancianos, 
tú piensa en el futuro que te perdonan 
y en tanto aburrimiento. 
Recuerda los dentistas.
Y aquello que enseñabas, El que no se consuela 
es porque no quiere.
Descansa, madre.
Duerme.

Antonio Pereira


Não há nada mais cansado que a face dum domingo, 
às cinco da tarde, a chover,
não há lembrança mais triste que a das arcadas
e a humidade a entrar na sola dos sapatos.
Mas por vezes com sol e em dias de semana, 
mais vezes de cada vez, quase todas as vezes,
a fadiga do mundo faz as horas eternas.
Se soubesses que longos vão os comboios,
o regresso obstinado das moscas,
a espera inútil do empregado,
a tosse aflitiva dos dentistas,
o avião que nunca chega aqui a Equador,
desculpem por favor senhores passageiros 
com destino a Guayaquil,
e jamais chega.
                Não penses que te engano.
Reconheço também as horas tensas,
alturas de amor, saltos do coração 
que anunciam uma súbita alegria.
Mas tu já não corres,
os jaguares
sobem a avenida a atropelar idosos,
tu pensa no futuro que te poupam
e tanto aborrecimento.
Recorda os dentistas.
E aquilo que ensinavas, o que não se consola 
é porque não quer.
Descansa, mãe.
Dorme.

(Trad. A.M.)
.

23.6.25

Tanussi Cardoso (Dos significados)




DOS SIGNIFICADOS

 

É o poema aquilo que tentamos
        ou seus tentáculos?

É o poema labirinto de encantos
        ou esfinge de desencontros?

É o poema o que possuímos
        ou o que está solto?


Tanussi Cardoso

.

21.6.25

Mario Montalbetti (Desculpe, a tabacaria?)




DISCULPE, ¿ES AQUÍ LA TABAQUERÍA?

 


Nadie dice todo. Nadie dice nada.
Lo deseable es decir poquísimo.
Callar no es más radical.
Callar es como raparse la cabeza:
el pelo vuelve a crecer.
Pero decir poquísimo, decir lo mínimo
que uno puede decir,
eso es lo que nos permite decir algo.
 

Mario Montalbetti 

  

Ninguém diz tudo. Ninguém diz nada.
O melhor é dizer pouquíssimo.
Calar não é mais radical.
Calar é como rapar a cabeça,
o cabelo volta a crescer.
Mas dizer pouquíssimo, dizer 
o mínimo que se pode dizer,
isso é que nos permite dizer algo.
 

(Trad. A.M.)

 .

20.6.25

Javier Olalde (Plano final)




PLANO FINAL 

 

Escribo de memoria aquel silencio
entre miradas que se rehúyen,
ese desastre categórico
de cuando todo está ya dicho
aun sin decirse
y esa manera de dividir el mundo
antiguo
en dos mitades divergentes. 

Escribo de memoria ese momento
divisorio
de volverse de espaldas y alejarse
clausurando el relato compartido. 

Además,
debería llover,
aunque fuese verano,
en el plano final de la secuencia.
 

Javier Olalde

  

Escrevo de memória aquele silêncio
entre olhares que se evitam,
esse desastre categórico
de quando tudo está dito
antes de dizer
e essa maneira de dividir o mundo
antigo
em duas metades divergentes.

Escrevo de memória esse instante
divisório
de voltar as costas e afastar-se
encerrando o conto partilhado.

Além disso,
deveria chover,
apesar de ser verão,
no plano final da sequência.


(Trad. A.M.)

.

18.6.25

Auto-diálogo (CA-8)

 




AUTO-DIÁLOGO



Digo para mim mesmo:

- Ninguém te vai chorar, na morte…


E logo vem a resposta:

- Não me faz diferença nenhuma!



(A.M.)


16.6.25

Roberto Malatesta (A força do não fazer)




LA FUERZA DEL NO HACER

 

No hacer nada requiere fortaleza,
los débiles sucumben sin trabajo,
lo inventan si escasea, no pueden con el ocio.
Por el contrario el que no hace nada resiste
todas las tentaciones que atañen al trabajo.
Entonces es llevado al borde del barranco
tal como Cristo: arrójate, tómalo todo, adórame.
Y en su desierto del no hacer
persiste adusto y pobre,
cultiva la gran fuerza del que sabe
uál es su sitio y su destino entre los hombres.
No hacer nada requiere fortaleza,
su origen es el don y a su conocimiento
sólo acceden aquellos para el cual son llamados.
 

Roberto Malatesta

 

Não fazer nada requer fortaleza,
os fracos sucumbem sem trabalho,
inventam-no se escasseia, não suportam o ócio.
Pelo contrário, quem não faz nada resiste
a todas as tentações que respeitam ao trabalho.
Vai então, levado à beira do abismo,
tal como Cristo: atira-te, toma tudo, adora-me.
E no seu deserto de não fazer
mantém-se adusto e pobre,
cultiva a grande força de quem sabe
qual é o seu lugar e seu destino na terra.
Não fazer nada requer fortaleza,
a sua origem é uma bênção e só os escolhidos
lhe acedem ao conhecimento.

 
(Trad. A.M.) 

 

>>  Noticias (20p) / Marcelo Leites (17p) / La Pecera (5p)

.

15.6.25

Óscar Alonso Pardo (Testamento)




TESTAMENTO

 

Si alguna vez el alzheimer
   se apodera de mis recuerdos
decidme que viajé a lugares remotos
en busca de tesoros escondidos
que me acosté con las mujeres más hermosas
que escribí los versos más bonitos
   que jamás se escribieron
que tuve muchos amigos
y una familia que me quiso.

Decidme todo eso
aunque sea mentira.

Si alguna vez
   no recuerdo mi nombre
decidme que fui
   un hombre feliz.

Óscar Alonso Pardo



Se o alzheimer algum dia
se apossar das minhas lembranças
dizei-me que viajei para remotos lugares
buscando tesouros ocultos
que me deitei com as mulheres mais belas
que escrevi os versos mais lindos
               que jamais foram escritos
que tive muitos amigos
e uma família que me amou.

Dizei-me isso tudo
mesmo que seja mentira.

Se algum dia
               eu não lembrar o meu nome
dizei-me que eu fui
               um homem feliz.


(Trad. A.M.)

 .

13.6.25

Owen Bullock (Melhor não fazer nada)




better
to do nothing
than to interfere . . .
a butterfly flutters
through the borage


Owen Bullock



melhor
não fazer nada
do que interferir…
uma borboleta esvoaça
pelo meio da borragem


(Trad. FJCC)


.

11.6.25

Mario Miguez (Surpresa)




SORPRESA

 

Nunca debes buscar palabras raras
para crear sorpresa.
Es justo lo contrario:
lograr que unas palabras ya muy viejas
y en ti sencillas, claras, renovadas,
de pronto, en el poema, nos sorprendan.

 

Mario Míguez

[Autorretrato en espejo convexo]

 

 

Não busques nunca palavras estranhas
para criar surpresa.
É justamente o contrário, 
fazer que algumas palavras mais antigas,
por si simples, claras, renovadas, 
de repente, no poema, nos surpreendam.

(Trad. A.M.)

 .

10.6.25

Mario Benedetti (Quando éramos pequenos)




CUANDO ÉRAMOS NIÑOS

  

Cuando éramos niños
los viejos tenían como treinta
un charco era un océano
la muerte lisa y llana
no existía. 

Luego cuando muchachos
los viejos eran gente de cuarenta
un estanque era un océano
la muerte solamente
una palabra. 

Ya cuando nos casamos
los ancianos estaban en los cincuenta
un lago era un océano
la muerte era la muerte
de los otros. 

Ahora veteranos
ya le dimos alcance a la verdad
el océano es por fin el océano
pero la muerte empieza a ser
la nuestra.
 

Mario Benedetti 

 

Quando éramos pequenos
os velhos tinham à roda de trinta anos
um charco era um oceano
a morte chã e lisa
não existia.

Depois, em rapazes,
os velhos eram pessoas de quarenta,
um tanque era um oceano,
a morte somente
uma palavra.

Já quando nos casámos,
os anciãos estavam nos cinquenta,
um lago era um oceano,
a morte era a morte
dos outros.

Agora veteranos,
alcançamos por fim a verdade,
o oceano é enfim o oceano
e a morte começa a ser
a nossa.


(Trad. A.M.)

.

8.6.25

Rui Caeiro (Fica e é só o que fica)




Fica e é só o que fica: o primeiro encontro
o primeiro beijo numa gare deserta
o mar por líquida ou aérea testemunha

depois a longa gestação do adeus
único e verdadeiro adeus
o subtil envenenamento da memória

 

Rui Caeiro

 .

6.6.25

Marilyn Contardi (Antecipação)




ANTECIPAÇÃO 

 

 

Quem olhará estes céus cor de rosa

quando eu já os não vir?

 

Quem assomará à janela

a cheirar os jasmins em flor?

 

Passam invernos e primaveras,

um dia entre outros há-de trazer a morte.

 

Quando chegar o momento,

quem me fitará com olhos bondosos

 

e me dará a mão enquanto eu me afasto?

 

Marilyn Contardi

 

(Trad. A.M.)

 

 .

5.6.25

Mariano Peyrou (Convivência)




CONVIVENCIA 

 

Parecen más, pero sólo
son doce meses. En enero
nos miramos un rato: un laberinto no para salir.
En enero te espero / como cada febrero,
le escribí a la amiga que me escribe,
y febrero sube y baja, baja
y sube, da luz a una esperanza y la
inestabilidad nace en seguida, cuando
llega marzo, cuando miramos atrás
suponiendo y creyendo que ya ha pasado algo:
la ilusión de que lo insignificante
significa, todo
parece inflado como el tiempo.
En abril nos miramos
un rato, miramos lo que pide
no ser visto, vemos lo que no queríamos
mirar. Pasan las encinas y los verdes del campo,
lo lejos-cerca de mirar el campo desde un
tren, porque se mueve, o desde un collado,
porque está alto. Mayo vuela hacia afuera
y me propone mi mejor autorretrato:
melancólico y risueño. Vuelo hacia
mayo, mayo vuela hacia ti, tú
miras. Dos más dos son
junio, seis por tres son junio, logaritmo
en base junio y no quiero ni sé
seguir, pero se trata de seguir, la esperanza
con su aritmética sexy. Ahora
nos fijamos en un detalle mínimo
que marca la diferencia entre lo igual
y lo diferente, o que los iguala: julio
cae con su invierno y asciende
con su asombro, mi asombro, tu
desilusión. Julio acaricia y rasca.
Julio olvida, tiembla con su siempre-nunca
y su agosto, cuando te suelto, me
sueltas, y así podemos soltándonos retroceder
hasta septiembre. Septiembre, lleno
de meses, de años, cuenta
los meses hacia atrás, cuenta
los años hacia adentro. La marea
de octubre trae de todo: un zapato
de antes de que se inventara el pie, un
beso de antes de que se inventara la memoria,
una red, una botella llena de mar y de octubre.
Paseo por la orilla de octubre metiendo
los pies en la red a ver qué pasa. No
quiero pedir ayuda y no sabría.
Amargado y cobarde es ahora
mi mejor autorretrato, renovado en
noviembre, y ahora toca morir en secreto: todos
sabemos hacerlo, sabemos también nacer
de nuevo preparándonos para el final,
esquivar el final y mirarnos otro rato soñando
con lo que vemos y se acerca lejos.


Mariano Peyrou

[Fronterad]

 

 

Parecem mais, mas são
só doze meses. Em Janeiro
observamo-nos um bocado: um labirinto não para sair.
Em Janeiro te espero/ como todo Fevereiro,
escrevi eu a uma amiga que me escreve,
e Fevereiro sobe e desce, Desce
e sobe, dá luz a uma esperança e a
instabilidade nasce depois, quando
chega Março, quando olhamos para trás
supondo e acreditando que algo sucedeu,
a ilusão de que o insignificante significa, tudo
parece inchado como o tempo.
Em Abril observamo-nos
um bocado, observamos o que pede
para não ser visto, vemos aquilo que não queríamos
observar. Passam as azinheiras e os verdes do campo,
o longe-perto de observar o campo de um comboio,
porque se move, ou de um outeiro, porque está alto.
Maio voa para fora e propõe-me meu melhor auto-retrato:
melancólico e risonho. Voo para
Maio, Maio voa para ti, tu
observas. Dois mais dois são
Junho, seis por três são Junho, logaritmo
em base Junho e não quero nem sei
continuar, mas trata-se de continuar, a esperança
com sua aritmética sexy. Agora
atentamos num detalhe mínimo
que marca a diferença entre o igual
e o diferente, o que os iguala: Julho
cai com seu inverno e ascende
com seu assombro, meu assombro, tua
desilusão. Julho afaga e arranha.
Julho olvida, estremece com seu sempre-nunca
e seu Agosto, quando te solto, tu
soltas-me, e assim podemos soltando-nos retroceder
até Setembro. Setembro, cheio
de meses, de anos, conta
os anos para dentro. A maré
de Outubro traz de tudo; um sapato
de antes da invenção do pé, um
beijo de antes da invenção da memória,
uma rede, uma garrafa cheia de mar e de Outubro.
Passeio pela beira de Outubro, metendo
os pés na rede, a ver o que acontece. Não
quero pedir ajuda, nem saberia.
Amargurado e cobarde é agora
meu melhor suto-retrato, renovado em
Novembro e agora vá de morrer em segredo: todos
sabemos fazê-lo. Sabemos também nascer
de novo preparando-nos para o final,
fugir ao final e observar-nos mais um bocado
sonhando com o que vemos e se aproxima ao longe.


(Trad. A.M.)

.

3.6.25

Owen Bullock (Ao passar a esquadra)




passing the police station
I feel my immaturity
is criminal
yet there’s nothing
to turn myself in for


Owen Bullock



ao passar a esquadra
acho que a minha imaturidade
é criminosa
não há contudo razão nenhuma
para me entregar



(Trad. FJCC)



>>  Fevers of the mind (muitos p) / U. Canberra (perfil) / Google Scholar

.