19.10.25

Ruy Belo (Os bravos generais)




OS BRAVOS GENERAIS 

 

Os bravos generais caem do escadote
citam teilhard frequentam o templo
São eles e não as damas quem nos salões dá o mote
Os filhos podiam invocá-los como exemplo
seu peito fero é todo uma medalha
e ganham sempre só perdem a batalha
do escadote quando o inimigo grita: toma
chegou a tua vez de receberes um hematoma
Seja a subir seja a descer - desde que não seja escada -
os generais avançam pois não temem nada
Mas -- sobressaltam-se eles -- o que é que o meu olhar avista?
Um simples escadote o grande terrorista
 

Ruy Belo 

[Voar fora da asa]

 .

17.10.25

Vicente Muñoz Álvarez (Vento e cinza)




VIENTO Y CENIZA

 

qué difícil
para los que seguimos decir adiós
a los que se van

vuela alto
que la tierra
te sea leve
descansa en paz

solo palabras
y lágrimas

viento y ceniza

qué corto el viaje
qué breve la vida
qué efímero todo

qué triste

Vicente Muñoz Álvarez

[Mi vida en la penumbra]

 

 

Que difícil
para nós que continuamos dizer adeus
aos que se vão

Voa alto
que a terra
te seja leve
descansa em paz

Tudo palavras
e lágrimas

Vento e cinza

Que curta a viagem
que breve a vida
que efémero tudo

Que triste


(Trad. A.M.)

.

16.10.25

Victor Herrero de Miguel (Casta)





CASTA

 

Um homem desnuda-se diante dum rio.
Sabe que o importante nos é dado
sempre com leveza
                            e que a graça
foge daquilo que pesa.
Acerca-se lentamente, como a um templo.
Passa a soleira do ar.
Desfruta contemplando
a forma das pedras.
Mergulha com os peixes.
Leva tempo, atrás do adjectivo
que diga aquilo que sente
ao abraçar a água.
E achou-o por fim:
                              casta.


Victor Herrero de Miguel

(Trad. A.M.)

 

 >>  La linea amarilla (perfil)

 .

14.10.25

Vinicius de Moraes (Ausência)




AUSÊNCIA



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
e eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
e todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinicius de Moraes

[Vinicius de Moraes]

 .

12.10.25

Jenaro Talens (Paisagens-2)





 PAISAGENS-2


A florista passa à frente do café. Leva uma menina
pela mão. Vai muito depressa. Ao fundo da rua
um carro aguarda no meio da neve.
O homem mal baixa o vidro.
Posso ver-lhe, no entanto, o casaco de couro,
o chapéu texano e o sorriso. São
rosas ou crisântemos? Várias pétalas caem
sobre a poeira do chão. Envolto num jornal
o ramo está agora nos braços da menina.
O capucho do seu anoraque como uma imagem rasgada.
As flores são de plástico no café.
Olho para esta imitação de jardim,
o contorno apagado das túlipas, assépticas,
lembrando o fastio das empregadas
a servir as bebidas. Tomo o meu brunch.
É domingo. No canto ao lado
dois jovens beijam-se e falam das montanhas do Perú.

 
Jenaro Talens

(Trad. A.M.)

.




11.10.25

Raquel Lanseros (O homem que espera)

 



O HOMEM QUE ESPERA

 

A colherita triste remexe
uma vez mais a borra do café.
Dez dedos bailam no tampo da mesa do bar
um tango à média luz com o esquecimento.
               Está sozinho, cansado,
               sentado no meio de gente alheia
              que olha para ele sem o ver.
Um anel de ouro gasto pelos anos
é o único traço de brilho que lhe resta.

A paixão rebentou-lhe nas mãos uma vez.
E perdeu a esperança nos abismos
                              de um coração humano.

Não há desventura que lhe fosse alheia,
nem humilhação que lhe seja desconhecida.
É por isso que sabe falar de amor.
Por isso espera.

 

Raquel Lanseros

(Trad. A.M.)

.

9.10.25

Dinis Moura (Eu queria um poema)




eu queria um poema que pagasse as minhas facturas 
m poema que reduzisse o meu ácido úrico 
um poema que fosse passear o meu cão 
um poema que me ajudasse 
a tirar bem as nódoas do vinho tinto
eu queria um poema que acalmasse os meus vizinhos 
um poema que me tirasse de vez o vício do tabaco
um poema que me explicasse deus e as mulheres 
eu queria um poema que me afugentasse as insónias
um poema que calasse a boca àquele fascista que todos
   os dias palra no telejornal 
um poema que fosse dietético analgésico e hidratante
um poema com a magia
e a garra do futebol  

eu queria um poema curto
exacto fiável funcional 
e com garantia 

mas quando eu abro as antologias
infelizmente ou inexplicavelmente 
eu só me deparo com poemas  

nos dias em que me acho
menos paciente e mais birrento 
eu pergunto-me sempre:
para que porra servem afinal os poetas?
 

Dinis Moura

 .

7.10.25

Valeria Pariso (Podia dizer-se que chove)




Podría decirse: llueve
hay cientos
de inesperadas
gotas
cayéndose del mundo.

 
Valeria Pariso

 

Podia dizer-se que chove
há centenas
de gotas
inesperadas
a caírem do mundo.


(Trad. A.M.)

.


6.10.25

Santiago Sylvester (O poema não escrito)




EL POEMA NO ESCRITO


Una declaración honesta en la pared de una calle: 
“No sé por dónde empezar”.

En ese mensaje
hay un apremio que nos ha llegado, un desconcierto, 
y no estaría bien invadirlo por ostentación, 
por irresponsabilidad. 

Ahí se oculta un poema, 
y un poema que se oculta en la pared de una calle 
merece estar donde está: donde arranca una moto, pasa una  chica y 
los loros cruzan llenos de noticias.
Que nadie caiga en la vanidad de escribirlo.

Santiago Sylvester

[Marcelo Leites]

 

 

Uma declaração honesta numa parede na rua:
‘Não sei por onde começar’.

Nessa mensagem
há uma urgência que nos toca, um desconcerto,
e não ficaria bem invadi-la por ostentação,
por irresponsabilidade.

Ali oculta-se um poema,
e um poema que se oculta na parede de uma rua
merece estar onde está: onde arranca uma moto,
passa uma miúda e os carros se cruzam apressados.
Que ninguém caia na vaidade de o escrever.


(Trad. A.M.)

.

4.10.25

Ferreira Gullar (Gato pensa?)




 

GATO PENSA? 

 

Dizem que gato não pensa
mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho
quando mija na almofada
vai depressa se esconder:
sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
ele, antes de comer,
muito calculadamente
toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
da comida está normal
vem ele e come afinal.
E você pode explicar
como é que ele sabia
que ela ia esfriar?
 

Ferreira Gullar

 .

2.10.25

Francisco Caro (Como a praia)



COMO LA PLAYA

 

Como la playa ociosa
a final de septiembre, allí
donde la luz asume que su vigor caduca
ajeno a la existencia de los otros,
así contempla el hombre
mansa y leve su mano, la herramienta
con la que atesorara
el esplendor azul de cada instante.
 

Francisco Caro

 

Como a praia ociosa
nos fins de Setembro, lá
onde a luz assume que seu vigor falece
alheio à existência dos outros,
assim contempla o homem
mansa e leve sua mão, o instrumento
com que guardara
o esplendor azul de cada instante.
 

(Trad. A.M.)

 .

1.10.25

Francisco García Marquina (Autorretrato)



AUTORRETRATO 

 

Porque la muerte no puede tener razón
Francisco, fiel amante de la tierra,
espectador de todo, seductor a traición,
contradictorio y lleno de humor de Dios,
nació sobre las ruinas de un jovenzuelo
lírico y barroco, viajero gravemente
enamorado, hijo –sin duda póstumo–
de un tierno niño juicioso, muerto
por sobredosis de cordura.
 

Francisco García Marquina



Porque a morte não pode ter razão
Francisco, amante fiel da terra,
de tudo espectador, sedutor à traição,
contraditório e cheio de humor de Deus,
nasceu sobre as ruínas de um mocinho
lírico e barroco, viajante gravemente
apaixonado, filho – póstumo, sem dúvida –
de um terno menino sensato, morto
por sobredose de prudência.


(Trad. A.M.)



.

29.9.25

Aurea mediocritas (CA-10)




AUREA MEDIOCRITAS
 

 

Bendita idade
em que a primeira tarefa do dia
é dormir uma sesta



(A.M.)

.

27.9.25

Rodolfo Serrano (Anos de glória)




AÑOS DE GLORIA

 

Puedes llevarte, amor,  el año que termina,
y los días del odio, los calendarios rotos,
los horarios de trenes y los mapas perdidos
las tardes de domingo y el frío de diciembre.

Las veces que he dejado tu recuerdo en las barras
perdidas de los bares, y el corazón salvaje
de tus noches, los besos y la risa del viento.
Y esa dulce manera de convocar la dicha.

Puedes llevarte todo. Porque ya nada tengo.
Aposté a tus caderas y dejé entre tus brazos
los ríos de la tierra y la palabra nunca,
la carne de tu alma y el aliento del mundo.

Esta tierra y la piel de los amores ciegos,
el vientre en el que todo revive y multiplica,
la redondez prohibida donde acaban tus pasos,
el mar, el mar, las aguas que brotan de tu boca.

Llévate cuanto quieras. Ya nada necesito.
Tengo el sabor maldito de tu sangre en los labios.
Y bebí del olvido sin poder olvidarte.
De todos mis pecados el peor es tu nombre.

Sin ti, sin ti la vida es el espejo oscuro
donde está la madrastra y yo no soy el príncipe
que pueda con un beso devolverte a la vida.
Pero puedo morir agarrado a tus brazos.

Búscame por caminos y calles solitarias.
Búscame en la nostalgia, búscame en el recuerdo,
por las noches sin ti, por la palabra amada:
"jamás  me olvidarás, aunque ya no te quiera".

Búscame por las sombras, porque ahora que vives
en el abrazo de otro, te doy esta locura
de acariciar la vida que vivió entre la carne,
cuando fuimos eternos en los años de gloria.

Rodolfo Serrano 

 

Podes levar, amor, o ano que termina,
e os dias de ódio, os calendários rasgados,
os horários de comboios e os mapas perdidos,
as tardes de domingo e o frio de Dezembro.

As vezes que deixei a tua lembrança nos balcões 
perdidos dos bares, e o coração selvagem 
de tuas noites, os beijos e o riso do vento.
E esse modo doce de convocar a ventura.

Podes levar tudo, porque eu nada tenho já,
apostei nas tuas ancas e deixei-te nos braços 
os rios da terra e a palavra nunca,
a carne da tua alma e o alento do mundo.

Esta terra e a pele de cegos amores,
o ventre em que tudo revive e se multiplica,
o redondo proibido onde acabam teus passos,
o mar, o mar, as águas que te brotam da boca.

Leva quanto quiseres, eu nada necessito,
tenho o sabor maldito de teu sangue nos lábios.
E bebi do olvido sem poder olvidar-te,
de todos meus pecados o pior é teu nome.

Sem ti, sem ti a vida é o espelho baço
onde mora a madrasta e eu não sou o príncipe
que possa com um beijo devolver-te à vida.
Mas posso morrer apertado em teus braços.

Busca-me por caminhos e ruas solitárias,
busca-me na nostalgia, na lembrança,
pelas noites sem ti, pela palavra amada
‘jamais me esquecerás, mesmo que eu não te ame mais’.

Busca-me pelas sombras, porque agora que vives
no abraço de outro, dou-te esta loucura
de afagar a vida que viveu entre a carne,
quando fomos eternos nos anos de glória.


(Trad. A.M.)

 .

26.9.25

Pedro Andreu (Advertências)




ADVERTENCIAS 

 

No vengas otra vez con tus historias
tan siglo diecinueve de tristezas.
No jures y perjures que perdiste
tu zapato en mi casa, Cenicienta,
pues bien sabes que perdiste otras cosas:
la cabeza tal vez, algo de pasta, un par de bragas
que voy probando a todas
las que prueban mi cama
sin dar con la que vuela.
Que ni yo soy azul ni tú princesa,
así que apaga y vámonos, y vuelve
a ser mi perra callejera, mi musa en celo,
mi luna de dormir la borrachera,
mi billete de avión a la locura,
mi Blancanieves puta y harapienta,
mi vino y la ressaca, el frío y mis palabras.
Y déjate de cuentos y dame mucho sexo
y poco poquito poco
abominable falso esclavo imbécil
desvergonzado amor.
 

Pedro Andreu

 

Não venhas outra vez com as tuas histórias
tão séc. XIX de tristezas.
Não jures e perjures que perdeste
o sapato em minha casa, Cinzenta,
pois sabes bem que outras coisas perdeste,
a cabeça se calhar, algum dinheiro, um par de calcinhas
que eu vou experimentando em todas
que me entram na cama
sem dar com a tal que voa.
Que nem eu sou azul nem tu princesa,
daí que desliga e vamos, volta
a ser a minha cachorra vadia, minha musa de cio,
minha lua de dormir a bebedeira,
meu bilhete para a loucura,
minha Branca de Neve puta e farrapenta,
meu vinho e ressaca, meu frio e palavras.
E deixa-te de histórias, dá-me muito sexo
e pouco pouquinho pouco
abominável falso escravo imbecil
desavergonhado amor.


(Trad. A.M.)

.

24.9.25

Louise Glück (Labor Day)

 





LABOR DAY (*)

 

It’s a year exactly since my father died.
Last year was hot. At the funeral, people talked about the weather.
How hot it was for September. How unseasonable.

This year, it’s cold.
There’s just us now, the immediate family.
In the flower beds,
shreds of bronze, of copper.

Out front, my sister’s daugther rides her bicycle
the way she did last year,
up and down the sidewalk. What she wants is
to make time pass.

While to the rest of us
a whole lifetime is nothing.
One day, you’re a blond boy with a tooth missing;
the next, an old man gasping for air.
It comes to nothing, really, hardly
a moment on earth.
Not a sentence, but a breath, a caesura.

 

Louise Glück

[Hector Castilla]

 

 

Faz precisamente um ano morreu meu pai.
Foi quente esse ano, as pessoas falavam do tempo, no funeral,
como era calor para Setembro, como estava fora da estação.

Este ano está frio,
e estamos só nós agora, a família mais chegada.
Nos canteiros de flores,
tiras de bronze, de cobre.

Em frente, anda de bicicleta a filha da minha irmã,
como fez no ano passado,
acima e abaixo no passeio, a matar o tempo.

Enquanto, cá para nós,
uma vida inteira não é nada.
Num dia, és um menino ruço com falha de um dente,
no dia seguinte um velho com falta de ar, a arfar.
Tanto como nada, realmente, um instante
na terra quando muito.
Não uma frase, um sopro apenas, uma cicatriz.


(Trad. A.M.)

____________

(*) Feriado nacional (USA), primeira segunda-feira de Setembro

.

22.9.25

Rocío Wittib (Imprescindível não é a direcção)




imprescindible no es la dirección
el camino ni el mapa
la geografía resulta solo un accidente
para quien se busca y sospecha
que distancia no significa kilómetros
tampoco el destino importa
porque nunca se está en un lugar preciso
sino constantemente en una frontera
entre la desesperación de ser
y el anhelo de resistir
no hay más dónde que uno mismo
ni más herencia que las costumbres a las que pertenecemos
importante es aprender al menos un camino de vuelta
a donde nos espere una ventana para mirar al horizonte
imprescindible apenas un verso y toda su nostalgia
cuando acaba febrero y la nieve de una ciudad
que podría ser cualquiera nos recuerda quiénes somos
 

Rocío Wittib

 

imprescindível não é a direcção
nem o caminho ou o mapa
a geografia é apenas um acidente
para quem se procura e suspeita
que distância não quer dizer quilómetros
o destino tão pouco importa
pois nunca estamos num lugar preciso
antes sempre numa fronteira
entre o desespero de ser
e a ânsia de resistir
não há mais onde que nós mesmos
nem mais herança que o costume a que pertencemos
importante é aprender ao menos um caminho de volta
onde nos espere uma janela para contemplar o horizonte
imprescindível só um verso e a sua saudade
quando Fevereiro termina e a neve de uma cidade
que podia ser outra qualquer
nos recorda quem somos


(Trad. A.M.)

.

21.9.25

Felipe Benítez Reyes (Collige rosas)

 



COLLIGE ROSAS 

 

Apurar este día
como si fuese el último.
                                           Quemarlo
como el último cigarrillo que le queda 
       al insomne.
Demorarlo en los labios
como la sílaba última de una fórmula
       mágica. 

Que dependa de él —como esa moneda
que el suicida dudoso lanza al aire—
el exacto sentido de la vida,
                                                  ese desorden
de quimeras que mueren en las manos
como rosas pisadas,
sangrantes de color y aturdimiento.
 

Felipe Benítez Reyes 

 

Esgotar este dia
como se fosse o último.
                              Queimá-lo
como o último cigarro que resta
               ao insone.
Demorá-lo nos lábios
como a sílaba última de uma fórmula
               mágica.

Que dependa dele – como essa moeda
que atira ao ar o suicida duvidoso –
o sentido exacto da vida,
                              esse tumulto
de quimeras que morrem nas mãos
como rosas pisadas,
a sangrar de cor e aturdimento.


(Trad. A.M.)

.

19.9.25

Fernando Assis Pacheco (Páscoa)



PÁSCOA


A senhora tia alisa a toalha 
põe sobre ela talheres muito antigos 
herdados dos avós que a terra come 

quantos anos passados deste dia 
ainda estaremos como agora juntos 
na cozinha de Sangalhos 
entre o fumo da lenha seca 
e o cheiro misturado 
das carnes e das hortaliças 
que acabam de ferver no fogo esperto 

minha mãe diz um dito qualquer 
seca a vista embaciada eu venho 
do pátio certamente cantando 

o tio – as urinas presas 
no laço da bexiga – 
conta uma história 
da guerra de 14 
do vizinho morto jovem 
como ele Manuel sorte infeliz 

ao tempo que isto foi


Fernando Assis Pacheco

[Nesga de terra]

 .

17.9.25

Ana Montojo Micó (Desalento)

 




DESALIENTO
 

 

Qué te voy a decir que tú no sepas,
si ya está todo dicho,
cómo voy a inventar otras palabras
para nombrar de nuevo lo de siempre,
cómo voy a escribir siquiera un verso
que te hable de amor sin repetir
esas cosas tan dulces que dicen los amantes,
cómo te voy a hablar del frío de mi piel,
que te invoca aterida entre las sábanas,
sin que me salga un pésimo poema.
Compréndeme, no tengo
ya nada original que pueda enamorarte.
Quizá solo podría ofrecerte un cigarro
y relatarte algunos despropósitos
y una vida cansada
que me ha traído a este desaliento.
Sin embargo yo sé que podría quererte
solo con que escucharas
todas las penas que te cuento a solas
sin que tú te imagines
que duermes a mi lado algunas noches.
Sin embargo yo sé que podrías quererme
solo con que miraras más dentro de mis ojos,
más dentro de la risa, más dentro del abrazo
y vieras la ternura que a veces se me escapa
como se escapa el agua de una cesta.
Sin embargo yo sé que nunca lo sabremos.
 

Ana Montojo 

 

Que te hei-de dizer que tu não saibas,
se está já tudo dito,
como hei-de inventar outras palavras
para nomear de novo o de sempre,
como hei-de escrever  um verso sequer
que te fale de amor sem repetir
aquelas coisas tão doces que os amantes dizem,
como te hei-de falar do frio da minha pele,
que te invoca gelada entre os lençóis,
sem me sair um péssimo poema.
Entende-me, não tenho
já nada original que possa apaixonar-te,
talvez pudesse apenas dar-te um cigarro
e contar-te alguns despropósitos
e uma vida cansada
que me trouxe a este desalento.
E não obstante eu sei que poderia amar-te
só com que escutasses
todas as penas que conto a sós
sem tu imaginares
que algumas noites dormes a meu lado.
E não obstante eu sei que poderias amar-me
só com que olhasses mais dentro dos meus olhos,
mais dentro do riso, mais dentro do abraço
e visses a ternura que às vezes me foge
como foge a água de uma cesta.
E não obstante eu sei que nunca o saberemos.
 

(Trad. A.M.)


.

16.9.25

Álvaro Valverde (A modo de poética)




A MODO DE POÉTICA 

 

Como el agua,
que limpia se detiene en esas balsas
formadas por las hojas cuando obstruyen
el frágil discurrir de la corriente. 

Como el agua,
que pasa y que no vuelve sobre un cauce
de arenas y guijarros. 

Como el agua,
que, toda claridad, es espejismo
que revela cercano lo distante.  

Como el agua,
que la mano atraviesa confiada 
y nunca, sin embargo, toca fondo. 

Como el agua, metáfora y verdad.
Sí, como el agua.
 

Álvaro Valverde

 

Como água,
que limpa se detém nessas balsas
formadas pelas folhas quando entopem
o fraco curso da corrente. 

Como água,
que é miragem, toda claridade,
revelando próximo o distante. 

Como água,
que a mão penetra, confiada,
e nunca todavia toca fundo. 

Como água, verdade e metáfora,
sim, como água.
 

(Trad. A.M.)

 .

14.9.25

Ibne Amar (A amada)






A AMADA

 

Ela é uma frágil gazela:
olhares de narciso
acenos de açucena
sorriso de margarida.
E os seus brincos se agitam
quedam-se os braceletes na escuta
da música do requebro da cintura.
Bom é que não esqueçais
que o que dá ao amor rara qualidade
é a sua timidez envergonhada.
Entregai-vos ao travo doce das delícias
que filhas são dos seus tormentos.
Porém, não busqueis poder no amor…
Que só quem da sua lei se sente escravo
pode considerar-se realmente livre.

Ibne Amar

[Estudio Raposa]

 .

12.9.25

Blas de Otero (Connosco)





CONNOSCO
 

               (Glorieta de Bilbao)

 

Neste café 
sentava-se Don Antonio 
Machado.
                 Silencioso
e misterioso, juntou-se
ao povo,
brandiu a pluma,
sacudiu
a cinza,
e foi-se…
 

Blas de Otero 

(Trad. A.M.)

 .

11.9.25

Roberto Malatesta (Poema nacional)




POEMA NACIONAL



Domingo al mediodía
la carne llega al punto lentamente.
No mucho más que hacer,
mejor no pensar en mañana,
lo porvenir nos cansa
y hemos de abandonar
esa patética costumbre
de vivir en pretérito.
Mejor será esparcir con cuidado la brasa,
no sea que el presente se nos queme.
Felicidad, si es que eso existe,
conjuga sólo en este ahora,
chirría como carne asada,
y nosotros, sagrada argentina familia,

hemos de resolverlo hincando el diente.


Roberto D. Malatesta



Domingo ao meio-dia
a carne fica no ponto lentamente.
Não há muito mais que fazer,
melhor não pensar em amanhã,
cansa-nos o porvir
e temos de deixar
esse costume patético
de viver no passado.
Melhor será espalhar a brasa com cuidado,
não se nos queime o presente.
Felicidade, se é que existe,
rima só com este agora,
chia como a carne assada,
e nós cá, sagrada argentina família,

temos de arrumá-lo ferrando o dente.


(Trad. A.M.)

.

9.9.25

António de Almeida Mattos (Do sol se chega)




Do sol se chega
ao nada 

tão vibrante a luz
que se estilhaça 

e fere e por momentos
quedam os olhos cegos,
vazio o pensamento. 

É como foi o ver-te.

 

António de Almeida Mattos

[Arpose]

 .

7.9.25

Antonio Gómez (Não me vão)




No me gustan
los adjetivos calificativos,
los caminos indefinidos,
las banderas arriadas,
las campanas del sistema,
el color rojo sangre,
los golpes programados,
la rutina, las cenizas.    

No me gusta 
la retórica que amplifica 
el eco del silencio, 
la que multiplica vuelos 
símbolos y nortes.

No me gustan los milagros.


Antonio Gómez



Não me vão
os adjectivos qualificativos,
os caminhos indefinidos,
as bandeiras arriadas,
as campainhas do sistema,
a cor do vermelho sangue,
os golpes programados,
a rotina, as cinzas.

Não me vai
a retórica que amplifica
o eco do silêncio,
a que multiplica voos
símbolos e nortes.

Não me vão os milagres.


(Trad. A.M.)

.

6.9.25

Juan Luis Panero (Cães na noite de Agosto)

 



LOS PERROS EN LA NOCHE DE AGOSTO



Ladran los perros en la noche de agosto
y los árboles están quietos, ni una hoja se mueve.
Ladran los perros y un perdido pasado también ladra
o maldice o reclama la visión del amanecer.
Es el verano, agosto ardiente, el hielo derritiéndose en el vaso,
polvo y moscas, frenazos, sirenas de ambulancias.
Los perros ladran, tal vez pregunten
el porqué de esta noche, de esta historia,
ignoran que el tiempo repite
sus inútiles lamentos, que el silencio
adivina otro silencio, otra sombra, la sombra.


Juan Luis Panero  

[La ceniza]

 

Ladram os cães na noite de Agosto
e as árvores quietas, não se mexe sequer uma folha.
Ladram os cães e ladra também um perdido passado
ou maldiz ou reclama a visão do amanhecer.
É verão, Agosto ardente, o gelo derrete no copo,
moscas e poeira, travões, sirenes de ambulâncias.
Os cães ladram, talvez perguntem
o porquê desta noite, desta história,
ignorando que o tempo repete 
seus inúteis lamentos, que o silêncio 
adivinha outro silêncio, outra sombra, a sombra.

(Trad. A.M.)

 .

4.9.25

Nuno Dempster (Tílias antes do solstício)

 



TÍLIAS ANTES DO SOLSTÍCIO 

 

Na cidade sabemos as estações
pelo lado vulgar,
o do sol que se inclina como os corpos.
O mais tem-se mostrado impróprio
para poemas.
Ninguém vai escrever
sobre as tílias urbanas que enchem
com o aroma de Junho
as noites desta praça.
Se a poesia se cala acerca
dos sinais de verão,
porque haviam as tílias de existir?
 

Nuno Dempster

 .