31.7.25

Paul Bailey (Nocturno)


 

NOCTURNAL
 


I knew a man once who wished he hadn’t been born.
He meant what he said.
He wasn’t a poseur.
In the few, radiant years I knew him
He never spoke for effect.
 

He said what he meant, I remember,
quietly, thoughtfully,
over tea and scrambled eggs on toast
on one of those perfect mornings
that always follows
a night of rapture.
 

He had the bright way of speaking
of those in the deepest despair.
He made himself a joy to be with.
He saw the funny side of almost everything.
 

I knew he had meant what he said
when he departed decorously
with sleeping pills and vodka.
No noose, no razor blades, no blood in the bath,
And nothing so wickedly inconsiderate
as a sudden plunge under an oncoming train –
he valued understatement.
 

I shan’t reveal his name.
He wouldn’t have wanted me to.
He really did prefer oblivion.
It was his chosen habitat.
 

Paul Bailey 

 

Conheci em tempos um homem cujo desejo era não ter nascido.
Era sincero.
Não se tratava de pose.
Nos poucos anos felizes em que o conheci
nunca o vi falar para impressionar alguém. 

Lembro-me de que dizia o que pensava, 
discreta e ponderadamente,
enquanto bebia chá e comia ovos mexidos com torradas
numa daquelas manhãs perfeitas
que se seguem sempre 
a uma noite de excitação.  

Falava inteligentemente 
como os que estão mergulhados no maior desespero.
Era um prazer estar com ele.
Via o lado divertido de quase tudo. 

Eu sabia que falara a sério
quando recatadamente abalou
levando comprimidos para dormir e vodka.
Nada de cordas, lâminas, sangue na banheira 
ou algo tão perversamente insensível 
como atirar-se repentinamente para debaixo de um comboio –
dava valor à moderação.

Não revelarei o nome.
Não gostaria que o fizesse.

Preferia realmente o esquecimento.
Fora o ambiente que escolhera para si.
 

(Trad. fjcc)

 .

29.7.25

Javier Velaza (O quarto escuro)




LA HABITACIÓN OSCURA

 

Junto a tu habitación, la habitación oscura.
Vives en el umbral de su puerta invisible,
ordenando rutinas, clasificando horas
hasta el momento exacto. Eres el elegido
y has aprendido el arte de paladear la espera.
De pronto, algo te invoca por tu nombre. Y pasas.
La luz negra es silencio que ilumina el sonido
del prodigio. Lo palpas un instante. Y se va.
Y eso es todo. Después, sales de nuevo y vuelves
a esta vieja tarea de destruir el mundo.

Javier Velaza

  

Ao lado do teu quarto, o quarto escuro,
Vives na soleira da sua porta invisível,
ordenando rotinas, classificando horas
até ao momento exacto. És o escolhido
e aprendeste a arte de provar a espera.
De repente, algo te chama pelo nome. E passas.
A luz negra é silêncio iluminando o som
do prodígio. Palpa-lo um instante e ele vai-se.
E é tudo. Depois, sais de novo e voltas
a esta tarefa antiga de destruir o mundo.


(Trad. A.M.)



>>  Zenda (5p) / Ajko ki (5p) / Blue Gum  (4p) / Esquire (entrevista) / Wikipedia

.

27.7.25

Javier Gilabert (Gramática do assombro)




GRAMÁTICA DEL ASOMBRO

 

 

I

El poema es el centro del lenguaje
y en su giro hay esquirlas de palabras
que se arrojan al tiempo por la fuerza
generada en “la voz” de la que brota. 

II

“El instante” es el centro del poema.
Se amplifica en sus versos y se expande
revelando ante el hombre su secreto,
como briznas de lluvia en el cristal.

            III

El asombro es la carne del instante,
y arraigan sus cimientos en “la luz”,
material con que el verso se construye,
el aire el armazón que lo sostiene.

            IV

Del asombro al asombro va “el poema”.
 

Javier Gilabert 

 

I

O poema é o centro da linguagem
e em seu giro há esquírolas de palavras
que se atiram ao tempo pela força
gerada na ‘voz’ de que brota. 

II

‘O instante’ é o centro do poema,
amplifica-se nos versos e expande-se
revelando ao homem seu segredo,
como brisas de chuva nos vidros. 

               III

O assombro é a carne do instante,
e seus cimentos radicam na ‘luz’,
material de que o verso se compõe,
o ar a armação que o sustenta. 

               IV

Do assombro ao assombro vai ‘o poema’.


(Trad. A.M.)



>>  Javier Gilabert (sit. pessoal) / Hector Castilla (10p) / Circulo de poesia (5p) / Zenda (5p) / Wikipedia

.

25.7.25

Antonio Gómez (Disfarçar a realidade)




Disfrazar la realidade
hasta creerla.

Aceptar sus trampas,
sus silencios, 
sus lágrimas.
Ignorar cerrojos.
Asumir espejos 
y espejismos.

Misión de todos es
perpetuar
esta parodia.

Antonio Gómez

 

Disfarçar a realidade
até crer nela.

Aceitar suas ciladas,
seus silêncios,
suas lágrimas.
Ignorar ferrolhos.
Assumir miragens
e fantasias.

Missão de todos é
perpetuar
esta paródia.


(Trad. A.M.)

.

23.7.25

Freire Falcão (Cometa)




COMETA                                                          

(Cometa Hale-Bopp, 1997)

 

Sémen astral
na busca eterna
do óvulo perfeito
para a colisão única
de que nascerá
uma qualquer galáxia? 

Ou um Deus remoto
que pecou algures
nos primórdios do tempo,
condenado à errância,
a este arrefecimento
exemplar e purificador,
a caminho da extinção fatal?


Freire Falcão

[Triplo V]

 .

21.7.25

Eduardo Moga (Haikus do trem)




HAIKÚS DEL TREN

 

Oscuridad
manchada por la niebla.
Andén helado. 

La luz del tren.
La luz del cigarrillo.
Noche cerrada. 

Aromas grises:
orín, tabaco muerto,
grasa sin sol. 

Luna infinita
sobre la finitude
de la estación. 

La oscuridad
abulta. En su piel,
laca de luna. 

No se oyen pájaros,
sino el zureo gris
de los metales. 

La piel oscura
de la mujer oscura
irradia luz. 

Al levantarse
me han rozado sus pechos
interminables. 

Quietud, chirridos:
el tren se coagula
en la estación. 

Me envuelve, gris,
la hiedra del cansancio.
Pájaros rotos. 

El tren devora
tiempo, que se amontona
en su interior.


Eduardo Moga



Escuridão
manchada por nevoeiro.
Plataforma gelada.

A luz do trem.
A luz do cigarro.
Noite cerrada.

Aromas cinza:
urina, tabaco morto,
gordura sem sol.

Lua infinita
sobre a finitude
da estação.

A escuridão
incha. Na sua pele,
laca de lua.

Não se ouvem pássaros,
mas o arrulho cinza
dos metais.

A pele escura
da mulher escura
irradia luz.

Ao levantar-se
roçou-me os peitos
intermináveis.

Quietude, chiando:
o trem coagula
na estação.

Cobre-me, cinzenta,
a hera do cansaço.
Pássaros estoirados.

O trem devora
tempo, que se amontoa
no interior.

(Trad. A.M.)

 

>>  Vallejo (14p) / Poesia (8p) / Poemas del alma (11p) /  Eduardo Moga (blogue) / Cat. M.Delibes / Wikipedia

.

20.7.25

Manuel Moya (Razão para el-rei D. Sebastião)




RAZÓN PARA EL REY DON SEBASTIÁN 

 

Quien teme a sus sueños es sabio,
y el que escucha la fuente y observa sus peces
y en ellos posa su pequeña vida
para descubrir en sí mismo el hechizo inmaculado
de la quietud y el retoño.
Pero quien rehuye a los sueños prepara ya su muerte,
cada día sube hasta su casa sabiendo que hace tiempo
su casa es un sudario y su rostro en el espejo
el frío rostro de una estatua esculpida en el aire.
Y quizás fueran tus sueños, devastadores, locos,
del todo irrealizables, los que aún retumben en las calles
y den a tu figura el lustre que la vida niega siempre.
La muerte a todos cumple, pero limpios y dorados
son los sueños que nunca se realizan.
Todos en el fondo lo intuimos:
empezamos a morir justo ese día
que decidimos aceptar nuestro fracaso
y horrorizados olvidamos en el campo de batalla
nuestros sueños.
 

Manuel Moya 

 

Quem teme seus sonhos é sábio,
e também o que escuta a fonte e observa seus peixes
e neles pousa sua pequena vida
para descobrir em si mesmo o feitiço imaculado
da quietude e do renovo.
Mas quem evita os sonhos prepara já sua morte,
cada dia entra em casa sabendo que há muito
sua casa é um sudário e seu rosto no espelho
o frio rosto de uma estátua lavrada no ar.
E talvez fossem teus sonhos, loucos, devastadores,
de todo irrealizáveis, os que ainda retumbem na sruas
e dêem a teu perfil o lustro que a vida nega sempre.
A morte a todos cumpre, mas limpos e dourados
são os sonhos que nunca se realizam.
Todos no fundo o intuímos:
começamos a morrer justo no dia
em que decidimos aceitar o nosso fracasso
e como horror esquecemos no campo de batalha
nossos sonhos.


(Trad. A.M.)

.

18.7.25

Raymond Carver (A melhor hora do dia)




THE BEST TIME OF THE DAY  



Cool summer nights.
Windows open.
Lamps burning.
Fruit in the bowl.
And your head on my shoulder.
These the happiest moments in the day.

Next to the early morning hours,
of course. And the time
just before lunch.
And the afternoon, and
early evening hours.
But I do love

these summer nights.
Even more, I think,
than those other times.
The work finished for the day.
And no one who can reach us now.
Or ever.

 

Raymond Carver

[La ceniza]


 

Noites frescas de verão,
janelas abertas,
as luzes acesas,
a fruta no cesto,
e a tua cabeça no meu ombro,
a melhor hora do dia. 

Depois do princípio da manhã,
claro. E da hora
mesmo antes do almoço.
E à tarde também,
a primeira hora da noite.
Mas eu gosto mesmo 

é destas noites de verão.
Mais até, creio eu,
do que das outras horas.
Acabou-se o trabalho por hoje,
e ninguém que nos possa atingir,
agora, ou nunca.
 

(Trad. A.M.)

 .

16.7.25

Miguel Sánchez-Ostiz (Ubi sunt)




UBI SUNT

 

Dónde están, en qué oscuridad,
en qué país, en qué refugio,
qué camino torcido tomaron,
pero no las damas de antaño,
famosas, ni los galanes y los guerreros,
con sus armas abisinias,
sino los cuadrilleros, camaradas de un tiro,
compinches dicharacheros
de ahora mismo, de hace un rato,
y que estaban aquí, lo juro,
en el recuento de las rondas
tumultuosas de noche.
Ni siquiera soplaron las velas,
aterrados por sí mismos en sus noches,
esfumados por arte de birlibirloque.
Ubi sunt?

No, no preguntes, mejor no sepas
ni mañana ni nunca a dónde fueron.

Miguel Sánchez-Ostiz

 

 

Onde é que estão, em que escuro,
em que país,  que refúgio,
que caminho torto tomaram,
mas não as damas de antanho,
famosas, nem os galãs e guerreiros,
com suas armas abissínias,
mas os quadrilheiros, camaradas de tiro,
companheiros correntões
de agora mesmo, de há bocado,
e que estavam aqui, juro,
 na revista das rondas
tumultuosas da noite.
Nem sequer sopraram as velas,
aterrados por si mesmos em suas noites,
esfumados por artes de berlique-berloque.
Ubi sunt?

Não, não perguntes, melhor que não saibas
nem amanhã nem nunca
aonde é que foram.

(Trad. A.M.)

.

15.7.25

Miguel d'Ors (Chuva)



LLUVIA
 

Lluvia que llega
de muy lejos.
Su oscura
llamada en mis cristales,
insistente.
Llueve.
Por las difusas calles
rumorosas me alejo;
me pierdo en otras lluvias
que lentamente caen
en mi pasado: viejas
rúas de piedra y lluvia,
clases de Historia y lluvia,
campanadas de lluvia
sobre mi infancia… Llueve
en mi ventana; aquélla,
esta ventana.
Lluvia,
tibia lluvia que por
el trasfondo del tiempo
acompaña mi vida
poniéndole esta música
gris y lenta…
Esta tarde
la lluvia y yo escribimos
a medias estos versos.
 

Miguel d'Ors

 

Chuva que vem
de muito longe.
Bate insistente,
chamando
nos meus vidros.
Chove.
Por ruas difusas
e rumorosas me afasto;
perco-me em outras chuvas
caindo lentamente
no meu passado: velhas
ruas de pedra e chuva,
aulas de História e chuva,
badaladas de chuva
da minha infância... Chove
na minha janela; esta,
aquela janela.
Chuva,
chuva morna
que do fundo do tempo
acompanha-me a vida
e lhe dá esta música
cinzenta, vagarosa...
Esta tarde
eu e a chuva escrevemos
estes versos a meias.
 

(Trad. A.M.)

 .

13.7.25

Nuno Júdice (O movimento do mundo)




O MOVIMENTO DO MUNDO 

 

Às vezes, um verso transforma o modo como
se olha para o mundo; as coisas revelam-se
naquilo que imaginação alguma a supôs; e
o centro desloca-se de onde estava, desde
a origem, obrigando o pensamento a rodar
noutra direção. O poema, no entanto, não
tem obrigatoriamente de dizer tudo. A sua
essência reside no fragmento de um absoluto
que algum deus levou consigo. Olho para
esse vestígio da totalidade sem ver mais
do que isso - o desperdício da antiga
perfeição - e deixo para trás o caminho
da ideia, a ambição teológica, o sonho do
infinito. De que eternidade me esqueço,
então, no fundo da estrofe?
 

Nuno Júdice

 .

11.7.25

Antonio Gómez (Em menino)



De niño contaba estrellas, 
ovejas antes de dormir,
todos los lunares de mi cuerpo
o los pasos que separaban mi casa del colegio.

Hoy cuento fracasos,
titubeos,
desencuentros
y coartadas a seguir.

Antonio Gómez

 

Em menino  eu contava estrelas,
ou carneiros para dormir,
os sinais todos do corpo
ou os passos de minha casa ao colégio.

Hoje conto fracassos,
titubeios,
desencontros
e desculpas de mau pagador.


(Trad. A.M.)



>>  Voces del extremo (11p) / Voces del extremo (5p)

.

10.7.25

Martín López-Vega (Laranja)





LARANJA

 

 

Alguém a deixou sobre a mesa do jardim, a laranja.

Agora é um símbolo da tarde, essa fruta

brilhando por entre o confuso calor deste fim de dia

luminoso como uma recordação amorosa da adolescência,

como a primeira laranja,

como as mãos que cheiram a laranja.

 

(Rodearam-na logo as formigas, esvoaçaram

em seu torno mil insectos, bailará a noite

em seu redor.) Mas agora essa laranja na tarde

supõe uma ordem, um sentido, o centro gravitacional do dia.



Martín López-Vega

 

(Trad. Ruy Ventura)


.

8.7.25

Louise Glück (Um romance)




A NOVEL

 

No one could write a novel about this family:
too many similar characters. Besides, they’re all women;
there was only one hero.

Now the hero’s dead. Like echoes, the woman last longer;
they’re all no tough for their own good.

From this point on, nothing changes:
there’s no plot without a hero.
In this house, when you say plot what you mean is love story.

The women can´t get moving.
Oh, they get dressed, they eat, they keep up appearance.
But there’s no action, no development of character.

They’re all determined to suppress
criticism of the hero. The problem is
he’s weak; his scenes specify
his function but not his nature.

Maybe that explains why his death wasn’t moving.
First he’s sitting at the head of the table,
where the figurehead is most needed.
Then he’s dying, a few feet away, his wife holding a mirror under his mouth.

Amazing, how they keep busy, these women, the wife and two daughters.
setting the table, clearing the dishes away.
Each heart pierced through with a sword.

 

Louise Glück

[Hector Castilla]

 

 

Com esta família, ninguém fazia um romance,
as personagens são muito parecidas,
além disso são todas mulheres,
haveria um só herói.

O herói está morto, as mulheres duram mais, tal como o eco;
são menos tesas para seu próprio bem.

Daqui para a frente, nada muda, sem herói não há enredo.
Aqui em casa, enredo quer dizer história de amor.

As mulheres não se mexem.
Sim, vestem-se, comem, cuidam do seu aspecto,
mas não há acção, nem evolução da personagem.

Estão empenhadas todas em excluir a crítica do herói,
o problema dele é ser fraco,
as cenas indicam-lhe a função,
mas não a natureza.

Talvez isto explique porque é que a morte dele não foi comovente,
primeiro com ele sentado à cabeceira da mesa,
depois a morrer, a poucos passos,
com a mulher a pôr-lhe um espelho por baixo da boca.

Espantoso, como se afanam estas mulheres,
a mulher e as filhas, a pôr a mesa, a levantar os pratos,
com uma espada a traspassar-lhes os corações.


(Trad. A.M.)

 .

6.7.25

Marta Sanz (A pálpebra)




A pálpebra é 
no fundo
tão fina
que toda a luz 
a trespassa. 

E também o escuro.
 

Marta Sanz 

(Trad. A.M.)

 .

5.7.25

Marta López Vilar (De sombras e sombreiros)



DE SOMBRAS E SOMBREROS OLVIDADOS

 

Aprenderé tus sombras para que no se me olviden
y cuidaré de ti en días como estos
en los que nuestras huellas
sólo son de sombras y sombreros olvidados.

Son los días del olvido.
Nadie puede ser más afortunado que nosotros.
Amémonos si es preciso.

Marta López Vilar

 

Aprenderei tuas sombras para que não me esqueçam
e cuidarei de ti em dias como estes
em que nossos rastos
são só de sombras e chapéus olvidados.

Dias de olvido.
Ninguém mais afortunado que nós.
Amemo-nos, sendo preciso.


(Trad. A.M.)

.

3.7.25

Freire Falcão (Gaivotas)




GAIVOTAS

 

O mar finge
tomar a praia,
submergi-la
para sempre.
Mas não.
Sugere a catástrofe
previsível
e logo desiste. 

Apenas quer
o desenfado
das gaivotas,
que não têm
o que fazer,
quietas,
alinhadas,
viradas para lá;
(esta preguiça,
este sossego,
esta ordem natural
será tédio?)


Freire Falcão

[Triplo V]

 

>>  Triplo V

.

1.7.25

Luis Alberto de Cuenca (Julia)




JULIA 

 

Mientras haya ciudades, iglesias y mercados,
y traidores, y leyes injustas, y banderas;
mientras los ríos sigan vertiendo su basura
en el mar y los vientos soplen en las montañas;
mientras caiga la nieve y los pájaros vuelen,
y el sol salga y se ponga, y los hombres se maten;
mientras alguien regrese, derrotado, a su cuarto
y dibuje en el aire la V de la victoria;
mientras vivan el odio, la amistad y el asombro,
y se rompa la tierra para que crezca el trigo;
mientras tú y yo busquemos el medio de encontrarnos
y nuestro encuentro sea poco más que silencio,
yo te estaré queriendo, vida mía, en la sombra,
mientras mi pecho aliente, mientras mi voz alcance
la estela de tu fuga, mientras la despedida
de este amor se prolongue por las calles del tiempo.
 

Luis Alberto de Cuenca 

 

Enquanto houver cidades, igrejas e mercados,
e traidores, e leis injustas, e bandeiras;
enquanto os rios continuarem a despejar seu lixo
no mar e os ventos soprarem nos montes;
enquanto cair a neve e os pássaros voarem,
e o sol se puser e nascer, e os homens se matarem;
enquanto alguém regressar derrotado a casa
e fizer no ar o V da vitória;
enquanto viverem o ódio, a amizade, o assombro,
e se rasgar a terra para o trigo crescer;
enquanto tu e eu buscarmos o meio de nos encontrar
e nosso encontro for pouco mais que silêncio,
eu hei-de querer-te sempre, vida minha, na sombra,
enquanto meu peito respirar, enquanto minha voz seguir
a esteira da tua fuga, enquanto se prolongar
o adeus deste amor pelas ruas do tempo.
 

(Trad. A.M.)

 .

30.6.25

Aníbal Nuñez (Sinais de velhice)




SÍNTOMAS DE VEJEZ      

 

Ya el poeta no hace como antes
boceto de sus lágrimas
ni refunde su canto hasta el poema

ahora directamente como el liquen
sobre la piedra inerme
dispone las palabras a sabiendas
de que el tiempo ha dispuesto el cañamazo
de lo que va a escribir para el olvido.

 
Aníbal Núñez 

 

Já não faz o poeta como antes
rascunho de suas lágrimas 
nem refaz seu canto até ao poema 

agora directamente como o líquen
na pedra inerme
dispõe as palavras ciente
de que o tempo preparou o suporte
do que vai escrever para o esquecimento.
 

(Trad. A.M.)

 .

28.6.25

Valerio Magrelli (Há livros)




Esistono libri che servono a svelare altri libri, 
ma scrivere in genere è nascondere, 
sottrarre alla realtà qualcosa
di cui sentirà la mancanza. 
Questa maieutica del segno 
indicando le cose con il loro dolore
insegna a riconoscerle. 
 

Valerio Magrelli

 

Há livros que permitem revelar outros livros,
mas em geral escrever é esconder,
tirar algo à realidade
cuja falta se sentirá.
Esta maiêutica do signo
indicando as coisas pela sua dor
ensina a reconhecê-las.
 

(Trad. A.M.)

 .

26.6.25

Roberto Malatesta (Nada mais)




NADA MÁS



Nada más pido a la tarde,
buen ejercicio es ceder
toda codicia.
Cierro los ojos:
tibieza de la luz,
algo de frío en los pies,
ramas que se mecen.
¿Mañana qué habré de decir?
Tampoco importa.
Esta noche
bajo la lámpara
recogeré trozos de sol
con la punta de mis dedos
tocándome los párpados.

Roberto Malatesta 

 

À tarde nada mais peço,
bom exercício é ceder
toda a cobiça.
Cerro os olhos,
uma luz morna,
algo de frio nos pés,
ramos que balançam.
Amanhã direi o quê?
Não importa.
Esta noite
sob a lâmpada
apanharei pedaços de sol
na ponta dos dedos,
roçando as pálpebras.


(Trad. A.M.)

.

25.6.25

Antonio Pereira (Não há nada)



No hay nada más cansado que el rostro de un domingo 
si son las cinco de la tarde y llueve, 
no hay recuerdo más triste que el de los soportales 
y la humedad calando la suela del zapato. 
Pero a veces con sol y en día de diario, 
más veces cada vez, casi todas las veces, 
la fatiga del mundo hace eternas las horas.
Si supieras qué largos van los trenes, 
el regreso obstinado de las moscas, 
lo inútil de esperar al camarero, 
la lacerante tos de los dentistas, 
el avión que nunca llega a este aeropuerto de El Ecuador, 
disculpen por favor señores pasajeros 
con destino a Guayaquil, 
y nunca llega. 
                      No creas que te engaño.
Reconozco también las horas tensas, 
ocasiones de amor, corazonadas 
que avisan de una súbita alegría. 
Pero tú ya no corres, 
los jaguares 
se suben a la acera a atropellar ancianos, 
tú piensa en el futuro que te perdonan 
y en tanto aburrimiento. 
Recuerda los dentistas.
Y aquello que enseñabas, El que no se consuela 
es porque no quiere.
Descansa, madre.
Duerme.

Antonio Pereira


Não há nada mais cansado que a face dum domingo, 
às cinco da tarde, a chover,
não há lembrança mais triste que a das arcadas
e a humidade a entrar na sola dos sapatos.
Mas por vezes com sol e em dias de semana, 
mais vezes de cada vez, quase todas as vezes,
a fadiga do mundo faz as horas eternas.
Se soubesses que longos vão os comboios,
o regresso obstinado das moscas,
a espera inútil do empregado,
a tosse aflitiva dos dentistas,
o avião que nunca chega aqui a Equador,
desculpem por favor senhores passageiros 
com destino a Guayaquil,
e jamais chega.
                Não penses que te engano.
Reconheço também as horas tensas,
alturas de amor, saltos do coração 
que anunciam uma súbita alegria.
Mas tu já não corres,
os jaguares
sobem a avenida a atropelar idosos,
tu pensa no futuro que te poupam
e tanto aborrecimento.
Recorda os dentistas.
E aquilo que ensinavas, o que não se consola 
é porque não quer.
Descansa, mãe.
Dorme.

(Trad. A.M.)
.

23.6.25

Tanussi Cardoso (Dos significados)




DOS SIGNIFICADOS

 

É o poema aquilo que tentamos
        ou seus tentáculos?

É o poema labirinto de encantos
        ou esfinge de desencontros?

É o poema o que possuímos
        ou o que está solto?


Tanussi Cardoso

.