21.12.24

Pier Paolo Pasolini (Sexo)



Sesso, consolazione della miseria!
La puttana è una regina, il suo trono
è un rudere, la sua terra un pezzo
di merdoso prato, il suo scettro
una borsetta di vernice rossa:
abbaia nella notte, sporca e feroce
come un'antica madre: difende
il suo possesso e la sua vita.
I magnaccia, attorno, a frotte,
gonfi e sbattuti, coi loro baffi
brindisi o slavi, sono
capi, reggenti: combinano
nel buio, i loro affari di cento lire,
ammiccando in silenzio, scambiandosi
parole d'ordine: il mondo, escluso, tace
intorno a loro, che se ne sono esclusi,
silenziose carogne di rapaci.

Ma nei rifiuti del mondo, nasce
un nuovo mondo: nascono leggi nuove
dove non c'è più legge; nasce un nuovo
onore dove onore è il disonore...
Nascono potenze e nobiltà,
feroci, nei mucchi di tuguri,
nei luoghi sconfinati dove credi
che la città finisca, e dove invece
ricomincia, nemica, ricomincia
per migliaia di volte, con ponti
e labirinti, cantieri e sterri,
dietro mareggiate di grattacieli,
che coprono interi orizzonti.

Nella facilità dell'amore
il miserabile si sente uomo:
fonda la fiducia nella vita, fino
a disprezzare chi ha altra vita.
I figli si gettano all'avventura
sicuri d'essere in un mondo
che di loro, del loro sesso, ha paura.
La loro pietà è nell'essere spietati,
la loro forza nella leggerezza,
la loro speranza nel non avere speranza.
 

Pier Paolo Pasolini 

 

Sexo, consolo da miséria!
A puta uma rainha, seu trono
uma ruína, sua terra uma ração
de um prato merdoso, seu ceptro
uma bolsa de verniz encarnada:
ladra de noite, porca e feroz
como mãe das antigas: defende
sua posse e sua vida.
A chularia, em redor, aos magotes,
inchados e batidos, de bigodes
esticados, são os patrões,
os que mandam: combinam
no escuro, seus negócios de cem liras,
trocando sinais e palavras de ordem:
o mundo, excluído, cala-se em torno deles,
silenciosas carcaças de rapaces.

Mas nas recusas do mundo nasce
um mundo novo: nascem leis novas
onde já não há lei, nasce uma honra
nova onde a honra é a desonra…
Nascem poderes e nobrezas,
ferozes, nos montes de tugúrios,
nos lugares em que pensas
que a cidade acaba, mas onde ela
recomeça, inimiga, recomeça uma
e outra vez, com pontes
e labirintos, estaleiros e aterros,
para lá do marulho dos arranha-céus,
que cobrem o horizonte.

Na facilidade do amor
o miserável sente-se alguém,
ganha confiança na vida, a ponto
de desprezar quem tem outra vida.
Os filhos lançam-se à aventura,
seguros de estarem num mundo
que tem medo deles e do sexo.
A sua piedade é serem impiedosos,
a sua força reside na leveza,
a sua esperança nasce do desespero.


(Trad. A.M.)

.

19.12.24

José Cereijo (Olha)




OLHA

 

Olha a velha porta de madeira
pela qual passaste tantas vezes.
Olha a calçada cinzenta que é o teu caminho,
e em que nem reparas ao pisá-la.
Olha ainda as nuvens desta tarde, 
as árvores adormecidas do passeio, 
os delicados jogos da luz.
Tudo o que acontece para ninguém,
o que é puro abstrair de si mesmo,
como acaso a vida.
Olha por uma vez estas coisas obscuras,
que hão-de perder-se quando as não olhares,
que não serão recordações.
 

José Cereijo 

(Trad. A.M.).

 .

18.12.24

Aurora Luque (Um periscópio com o horizonte)




UN PERISCOPIO CON EL HORIZONTE

 

Si frecuenté los libros, ciertos libros,
fue porque regalaban amistad, 
bálsamos para el mal de la rutina, 
no sé qué compañía en noches duras 
o en el apetecer acantilados, 
tertulias con mujeres y hombres de cien plazas,
consolación en horas 
de asombrosa miseria.  

Sí, frecuento los libros porque ellos me regalan 
formas apasionadas de amistad:
fabulosos veranos envasados, 
el amoroso arte de mirar 
con ojos de palabras, 
llaves para hospedarme en islas mudas 
desnuda cuerpo adentro 
y posibilidades de zarpar 
desde puertos antiguos y canallas 
con la tripulación de los poetas.  

Frecuentaré, abrazándolos, 
los libros que regalen su camaradería 
y un periscopio abierto con todo el horizonte.
 

Aurora Luque 

 

Se frequentei os livros, certos livros,
foi porque me ofereciam amizade,
bálsamos para o mal da rotina,
até companhia em noites duras
ou na atracção dos abismos,
tertúlias com mulheres e homens de cem praças,
consolação em horas
de assombrosa miséria. 

Sim, frequento os livros pois me oferecem
formas de amizade com paixão,
verões fabulosos,
a amorosa arte de olhar
com olhos de palavras,
chaves para me hospedar em ilhas mudas
desnuda corpo adentro
e possibilidades de zarpar 
de portos antigos e canalhas
com a tripulação dos poetas. 

Frequentarei, abraçando-os,
os livros que me dêem camaradagem
e um periscópio aberto com vtodo o horizonte.
 

(Trad. A.M.)

 .

16.12.24

Adélia Prado (Tempo)




TEMPO



A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.


Adélia Prado

[Nesga de terra]

 .

14.12.24

Fabián Casas (Diários)




DIARIOS


Los días son poderosos.
Pueden traerte el sol
después de una mañana ventosa,
la lista del supermercado
o las bajas de la próxima guerra,
una cartuchera infantil
repleta de objetos extraños:
amor y voluntad
ahí dónde sólo crece el rencor.
 

Fabián Casas


Os dias são incríveis,
podem trazer-te o sol
depois de uma manhã de vento,
a lista do supermercado
ou as baixas da próxima guerra,
uma mochila infantil
carregada de objectos estranhos,
como amor e vontade
ali onde só medra o rancor.

(Trad. A.M.)

.

13.12.24

Blanca Varela (Assim seja)




ASÍ SEA 

 

El día queda atrás,
apenas consumido y ya inútil.
Comienza la gran luz,
todas las puertas ceden ante un hombre
dormido,
el tiempo es un árbol que no cesa de crecer. 

El tiempo,
la gran puerta entreabierta,
el astro que ciega. 

No es con los ojos que se ve nacer
esa gota de luz que será,
que fue un día.

Canta abeja, sin prisa,
recorre el laberinto iluminado,
de fiesta.

 Respira y canta.
Donde todo se termina abre las alas.
Eres el sol,
el aguijón del alba,
el mar que besa las montañas,
a claridad total,
el sueño.
 

Blanca Varela 

 

O dia fica para trás,
quase gasto e já inútil.
Começa a grande luz,
todas as portas cedem ante um homem adormecido,
o tempo é uma árvore que não pára de crescer.

O tempo,
a grande porta entreaberta,
o astro que cega.

Não é com os olhos que se vê nascer
essa gota de luz que será,
que foi um dia.

Canta, abelha, sem pressa,
percorre o labirinto iluminado,
em festa.

Respira e canta.
Onde tudo se acaba abre as asas.
És tu o sol,
o aguilhão da aurora,
o mar que beija as montanhas,
a claridade total,
o sonho.


(Trad. A.M.)

.

11.12.24

Paulo Henriques Britto (Memento mori)






MEMENTO MORI

 

Nenhum sinal da solidão se vê 
lá onde o amor corrói a carne a fundo. 
Dentro da pele, no entanto, você 
é só você contra o mundo.  

Esta felicidade que abastece 
seu organismo, feito um combustível, 
é volátil. Tudo que sobe desce.
Tudo que dói é possível. 


Paulo Henriques Britto

 .

9.12.24

Estela Figueroa (A Manuel Inchauspe)






(A Manuel Inchauspe, en el hospicio)


Las nuestras, mi amigo,
son obras pequeñas.
Escritas en la intimidad
y como con vergüenza.
Nada de tonos altos.
Nos parecemos a la ciudad
donde vivimos.

Perdiste tus últimos poemas
y yo casi no escribo.

De allí
esos largos silencios
en nuestras conversaciones.


Estela Figueroa

 

 

As nossas, meu amigo,
são obras pequeninas.
Escritas na intimidade
e como que com vergonha.
Nada de tons elevados.
Somos parecidos com a cidade
de onde viemos.

Tu perdeste os teus últimos poemas,
eu quase deixei de escrever.

Daí
estes longos silêncios
nas nossas conversas.


(Trad. A.M.)

.

8.12.24

Iosu Moracho Cortés (Dia uno)




DÍA UNO

 

Días de exilio. Exilio interior...
Buceo, como Marcel Proust, en busca del tiempo perdido.
Vamos a pasar esto juntos, -le soplo
al espíritu que me habita-, como dos supervivientes.
Somos alpinistas de los abismos dispuestos a assaltar
la luz.
La conciencia es un singular del que se desconoce el plural.
Eso escribió Erwin Schrodinger, un tipo
que no amaba los gatos.
O nos salvamos juntos o nos hundimos
como especie.


Iosu Moracho Cortés

 

 

Dias de exílio. Exílio interior…
Mergulho, como Marcel Proust, em busca do tempo perdido.
Vamos passar isto juntos, sopro eu
ao espírito que me habita, como dois sobreviventes.
Somos alpinistas do abismo dispostos a assaltar
a luz.
A consciência é um singular de que se desconhece o plural,
Disse-o Erwin Schrodinger, um tipo
que não gostava de gatos.
Ou nos salvamos juntos ou afundamos
como espécie.


(Trad. A.M.)



>>  Mis repoelas (anto) / Voces del extremo (5p)

__________________

- Inédito, de uma recolha pendente de publicação, intitulada 'Dias de exílio' (do confinamento Covid).

.

6.12.24

Paul Bailey (Alegria)




GAIETY 

 

Some people are sustained by sorrow.
I think I’m one of them.
That’s why I laugh so much.
That’s why I’m called a clown.
And that’s the deep dark reason why
I am accounted frivolous. 

I came back from the dead when I was four
with a brand-new voice to mark my resurrection.
It had a mocking sound to it, my mother said,
when it wasn’t being miserable.
I was a funny little so-and-so, in her opinion. 

I’ve never lost that sound, though often I have wanted to.
It was extinction’s gift to me.
It camouflages every sorrow I’ve survived.
 

Paul Bailey 

 

É o sofrimento que alimenta algumas pessoas.
Sou uma delas, acho eu.
Daí rir tanto.
Daí chamarem-me palhaço.
E a razão, bem negra, por que me acham
superficial reside aí. 

Aos quatro anos voltei à vida
com uma vozinha nova em folha a assinalar a minha ressurreição.
De tom trocista, segundo a minha mãe,
quando não era infeliz.
Para ela, eu era um fulaninho engraçado. 

Embora o desejasse muitas vezes, nunca perdi aquele tom.
Foi a prenda que o desaparecimento me deixou.
Disfarça as dores por que passei.
 

(Trad. fjcc)

 .

4.12.24

Fernando Beltrán (Choviedo)




LLOVIEDO


Te amé como se aman
las cosas que no ocurren,

como se pone nombre
a las caricias

y se contagia el don
de la tristeza

una noche cualquiera

buscándote en un bar
donde no estabas,

persiguiendo tu lluvia
por las calles vacías

donde nunca estuviste
y aún me esperas

 Fernando Beltrán

 

Amei-te como se amam
as coisas que não ocorrem,

como se dá um nome 
às carícias 

e se contagia
o dom da tristeza 

uma noite qualquer

buscando-te num bar
onde não estavas

perseguindo tua chuva
pelas ruas vazias

onde nunca estiveste
e ainda me esperas

(Trad. A.M.)

 .

3.12.24

Luis Alberto de Cuenca (A maltratada)




LA MALTRATADA

 

Tengo sed. Me has quitado las praderas del norte,
regadas por arroyos de respeto y cariño.
Tengo frío. Te has ido con el sur de mi alcoba,
dejándome las huellas de tu hielo en mi cuerpo.
No sé qué hacer. La vida me parece una tumba
donde me has enterrado viva, una oscuridad
irrespirable, un túnel sin salida, una muerte
prolongada, el vacío, la ausencia, el desamparo.
Me siento tan vencida por tu odio, tan débil,
tan aterrorizada y tan inexistente,
que no puedo llorar, ni llamar por teléfono
a mis padres (que acaso me dirían: “Aguanta,
que por algo naciste mujer”), ni hacerle señas
a la vecina desde la ventana. Me quedo 
acurrucada en un rincón del dormitório
esperando que vuelvas y sigas arrasando
con gestos de desprecio, con golpes y con gritos
aquel campo de amor que cultivamos juntos.

Luis Alberto de Cuenca

 

 

Tenho sede, tiraste-me os prados do norte,
regados por ribeiras de carinho e respeito.
Tenho frio, pois foste-te com o sul do meu quarto,
deixando-me no corpo as marcas do teu gelo.
Não sei que fazer, a vida parece-me um túmulo
onde me enterraste viva, um escuro
irrespirável, um túnel sem saída, uma morte
prolongada, o vazio, a ausência, o desamparo.
Sinto-me tão vencida por teu ódio, tão débil,
tão aterrorizada e tão inexistente,
que nem posso chorar, nem ligar aos meus pais
(que me diriam talvez: «Aguenta,
que por algo nasceste mulher»),
nem fazer â janela sinais para a vizinha.
Ponho-me aninhada num canto do quarto,
esperando que voltes e continues com gritos,
com pancada e gestos de desprezo, a arrasar
aquele campo de amor que cultivámos juntos.


(Trad. A.M.)

.

1.12.24

Nuno F. Silva (Novembro)




NOVEMBRO

 

Fumegam as lâmpadas queimadas
pelo frio de mil Novembros.
Esmorece como uma centelha
a luz das paisagens em pastel.
Recolhe-se o corpo para dentro do corpo.
Como as copas das árvores,
que são segredos à noite.
Amanhã virá certamente outra aurora.
Pela janela,
com a mesma vagarosa urgência de sempre
tingindo as janelas com ouro branco.


Nuno F. Silva

 .

29.11.24

Ernesto Pérez Vallejo (Por isso te quero)




POR ESO TE QUIERO

 

Porque cuando hace frío siempre hay un sol en tus
brazos, y cuando el verano aprieta te inventas un
suspiro de aire fresco.

Porque sabes que son tres en el café
y que detesto el agua de grifo.

Porque cuando hay guerra
siempre te pones braguitas blancas
y cuando el sexo se vuelve rutinario
colocas dos coletas en tu pelo
y exiges que te enseñe anatomía.

Porque hueles a vainilla por las mañanas
y a playa por la tarde.

Porque cuando te enfadas me apuntas con el dedo
y todos los planetas se ponen en órbita
y muere una estrella.

Porque te agarras a mi espalda cuando duermes
y me siento cualquier cosa menos hombre.

Porque hay algo de ingenuidad en tu mirada
y de precocidad en tu sonrisa.

Porque en tu piel es sábado eternamente
y tus manos tocan melodías en mis vértebras.

Porque nunca matas las hormigas
y conoces mil especies de mariposas.

Porque callas cuando escribo
y hablas siempre.

Porque el "nunca" no existe en tu vocabulário
y el "posible" siempre está a nuestro alcance

Porque creo en los milagros y tengo fe.

Porque eres, estás y quieres,
porque puedes, sabes y sientes.

Por eso amor, por eso.


Ernesto Pérez Vallejo

 

Porque quando está frio há sempre sol em teus
braços, e quando o verão aperta inventas um
suspiro de ar fresco.

Porque sabes que são três no café
e que eu detesto água da torneira.

Porque quando há guerra
tu pões sempre calcinhas brancas
e quando o sexo cai na rotina
fazes tranças no cabelo
e exiges que te ensine anatomia.

Porque cheiras a baunilha pela manhã
e de tarde a praia.

Porque quando te enfadas apontas-me com o dedo
e todos os planetas entram em órbita
e uma estrela morre.

Porque me agarras pelas costas a dormir
e eu sinto-me tudo menos homem.

Porque há algo ingénuo em teu olhar
e algo precoce no sorriso.

Porque na tua pele é sábado eternamente
e as tuas mãos fazem música nas minhas vértebras.

Porque não matas formigas
e conheces mil espécies de borboletas.

Porque te calas quando escrevo
e falas sempre.

Porque não tens a palavra ‘nunca’
e o ‘possível’ está sempre ao nosso alcance.

Porque eu tenho fé e acredito em milagres.

Porque és, estás e queres,
porque podes, sabes e sentes.

Por isso, amor, por isso.


(Trad. A.M.)

.

28.11.24

Marta Sanz (Chega sempre)




Siempre llega
un segundo en la vida
en que uno deja
de sentirse invulnerable.

Se tuercen
las rayas de la mano.

La memoria,
los aires felices,
los gestos de ternura,
la sal y la playa,
no representan ya
ningún consuelo.

No son de carne.

Marta Sanz

[Trianarts]

 

Chega sempre
um momento na vida 
em que deixamos
de sentir-nos invulneráveis.

Torcemos
as linhas da mão.

A memória,
o ar feliz,
os gestos de ternura,
o sal e a praia,
não servem já 
de nenhum consolo.

Não são carnais.

(Trad. A.M.)

 .

26.11.24

Miguel Martins (Naquele dia choveu ao contrário)




(2)

Naquele dia choveu ao contrário
a chuva fina e o seu silvo subiam do chão

e eu caindo da janela
sem um raio de sol que me amparasse.


MIGUEL MARTINS
Seis poemas para uma morte
(1995)

.

24.11.24

Eloy Sánchez Rosillo (Tarde de Junho)




TARDE DE JUNIO

 

Ahora, juntos, vivimos la hermosura
de esta tarde de junio,
el fulgor de las horas en que nos entregamos
al conocimiento de la verdad del amor,
a la gran llamarada del encuentro.
Ahora sabemos que toda la alegría
cabe en el mundo breve de esta habitación,
en el espacio ardiente y misterioso
de la cama deshecha.
La luz cansada del atardecer
dibuja sobre el tiempo islas doradas.
En un rincón del cuarto
brilla la enredadera de la música.
Un viento súbito sacude nuestros cuerpos,
y lo olvidamos todo.
Después regresan las miradas lentas,
tanta complicidad, ciertas sonrisas.
Y luego contemplamos en silencio
con qué dulzura va cayendo la noche
sobre la indiferente ciudad que nos rodea.
 

Eloy Sánchez Rosillo 

 

Juntos, agora, vivemos a beleza
desta tarde de Junho,
o fulgor das horas em que nos damos
ao conhecimento da verdade do amor,
à grande labareda do encontro.
Agora sabemos que toda a alegria
cabe no mundo breve deste quarto,
no espaço ardente e misterioso 
da cama desfeita.
A luz cansada do entardecer
desenha sobre o tempo ilhas douradas.
Num canto do quarto
brilha a trepadeira da música.
Um vento repentino
sacode-nos os corpos,
e esquecemos tudo.
Depois regressam lentos olhares,
certos sorrisos, muita cumplicidade.
E então contemplamos em silêncio 
com que doçura vai a noite caindo
na cidade indiferente à nossa volta.
 

(Trad. A.M.)

 .

23.11.24

Raúl Nieto de la Torre (Magra)




FLACA

 

La muerte elige un novio en cada esquina,
y mientras tú te vistes con un traje
demasiado ajustado
a nuestra realidad, casi obscena.
Si alguien te da un cigarro,
lo enciendes con la boca.
                                                Si alguien mira,
devuelves la mirada y das propina. 
Algunas veces vi cómo llorabas,
pero nunca llegaron las lágrimas al río;
la sangre, en cambio, sí:
dos coches se estrellaron en tu cruce de piernas
una noche estrellada.
Tienes un alma de tacón de aguja
y un corazón sin hambre.
La próxima vez, piensa antes de amar.
Cuenta hasta diez.
 

Raúl Nieto de la Torre

 

A morte escolhe um noivo em cada esquina,
enquanto tu vestes uma roupa 
demasiado ajustada 
à nossa realidade, quase obscena.
Se alguém te dá um cigarro,
tu acende-lo com a boca.
                           Se alguém olha,
devolves o olhar e dás gorjeta.
Vi às vezes como choravas,
mas nunca as lágrimas chegaram ao rio,
o sangue sim;
dois carros estamparam-se no teu cruzar de pernas
uma noite estrelada.
Tens uma alma de saltos de agulha
e um coração sem fome.
Para a próxima, pensa antes de amar.
E conta até dez…
 

(Trad. A.M.)

 .

21.11.24

Mario Quintana (O deixador)




O DEIXADOR 


Eu tenho mania de deixar tudo para depois...
Depois a contagem das cartas a responder...
Depois a arrumação das coisas...
Depois, Adalgisa...Ah,
me lembrar mais uma vez de romper definitivamente com Adalgisa!
Depois, tanta, tanta coisa...
Depois o testamento as últimas vontades a morte.
Só porque vai sempre deixando tudo para depois
é que Deus é eterno
e o mundo incompleto
inquieto...
Só é verdadeiramente vida a que tem um inquieto depois!


Mario Quintana

 .

19.11.24

Elías Moro (A mala do viajante)




LA MALETA DEL VIAJERO 

 

En esta maleta guardo mis cosas:
el viejo pijama, regalo de mi madre, que nunca me puse,
un trozo de sol en el hombro de ella,
una piedra que sabe del agua más que los peces mismos,
los primeros dientes que mis hijas perdieron,
poemas de amigos que ya no son ni están, pero permanecen,
los ojos, también de ella, cuando anochece,
un telegrama que anuncia desastres,
el jersey de lana de un amigo muerto,
una música antigua de violines y pianos,
la voz de ella para hablarme de todo esto allá donde vaya
y una cuerda de cáñamo
por si tengo que huir de mí mismo
o ajusticiar a un miserable.
Espero no haberme olvidado de nada:
siempre se olvida algo al cerrar una maleta,
pero nada es importante si se olvida.
 

Elias Moro

  

Nesta mala eu guardo as minhas coisas,
o velho pijama, que nunca usei, presente da minha mãe,
uma réstea de sol no ombro dela,
uma pedra que sabe da água mais do que os próprios peixes,
os primeiros dentes caídos das minhas filhas,
poemas de amigos que já não são nem estão, mas permanecem,
os olhos, também dela, quando anoitece,
um telegrama a anunciar desastre,
o casaco de lã dum amigo falecido,
uma música antiga de piano e violino,
a voz dela a falar-me de tudo isto lá onde for
e uma corda de cânhamo,
para o caso de ter de fugir de mim mesmo
ou justiçar um miserável.
Espero não me ter esquecido de nada,
sempre se esquece algo ao fechar a mala,
mas nada é importante se se esquece.
 

(Trad. A.M.)

 .

18.11.24

Ape Rotoma (Ambições)




AMBICIONES

 

Cuando uno ve con claridad
(y supongo que eso ocurre más
o menos pronto, según)
que conseguir lo que realmente
le gustaría es imposible, uno
siente un gran alivio. ¿Para qué
hacer cosas que solo arreglan
las cosas de forma parcial
o ni eso, con lo que cuestan?
Lo lúcido es pasar de todo
y esperar sentado el milagro
o la muerte, lo que llegue antes.

Ape Rotoma

 

Quando vemos com clareza
(e suponho que seja mais
ou menos depressa, consoante)
que é impossível conseguir
o que realmente gostaríamos,
sentimos um grande alívio. Para quê
fazer coisas que só resolvem
os problemas de forma parcial
ou nem isso, com aquilo que custam?
O melhor é desligar de tudo
e esperar sentado o milagre
ou a morte, o que vier primeiro.

(Trad. A.M.)

.

16.11.24

Eucanaã Ferraz (Outono)




OUTONO



Na terra de Whitman,
conheci o outono
-o rosto incendiado do outono.
Quando viver e morrer
são a mesma fagulha
em cada folha.


Eucanaã Ferraz

.

14.11.24

Andrés Trapiello (O passado)




EL PASADO 

 

Hay cosas sólo mías, una tarde 
con mi padre en Carrizo y sus trasmallos 
furtivos en el Órbigo 
y una mañana en Vegas del Condado, 
junto al viejo molino en cuya cueva 
se combinaba un estraperlo cándido. 
Días irrepetibles en Pedrún, 
en Matueca, en Nocedo y en el Páramo, 
y no sólo en la infancia, en la posguerra, 
en la indefinición de aquellos años, 
sino en estos de ahora. Ella me dijo 
un día que me amaba. Aquel abrazo, 
aunque no lo recuerde ni siquiera, 
es mío inexplicablemente. Y cuanto 
fue dándome la vida generosa 
para luego quitármelo, 
no menos generosa, como propio 
lo tengo. Este feliz fosco collado 
de olivos y lagares entre ortigas, 
el ladrido del perro tan lejano 
y el silencio de ayer y este silencio. 
Mi alma hace recuento. 
No cabe en una vida su pasado.


Andrés Trapiello

  

Há coisas só minhas, uma tarde
com meu pai no Carrizo e suas redes
furtivas no rio Órbigo
e uma manhã em Vegas del Condado,
ao pé do velho moinho em cuja gruta
se combinava um contrabando inocente.
Dias irrepetíveis em Pedrún,
em Matueca, em Nocedo e no Páramo,
e não só na infância, no pós-guerra,
na indefinição desses anos,
também nestes de agora. Um dia
ela disse que me amava. Aquele abraço,
embora já nem o lembre sequer,
é meu inexplicavelmente. E tudo o que
me foi dando a vida generosa,
para depois mo tirar,
não menos generosa, tudo isso
como próprio o tenho. Aquele outeiro
fusco de olivais e lagares entre ortiga,
o latido do cão tão distante 
e o silêncio de ontem e este silêncio agora.
Minha alma faz inventário,
não cabe numa vida seu passado.
 

(Trad. A.M.)

 .

13.11.24

Efraín Huerta (Che)




CHE

 

Para Eugenia Huerta

 

En
La
Calle
Deben
Pasar
Cosas
Extraordinarias

Por
Ejemplo
La
    REVOLUCIÓN


Efraín Huerta

  

Na
rua
devem
dar-se
coisas
extraordinárias

Por
exemplo
a
     REVOLUÇÃO


(Trad. A.M.)

.

11.11.24

Salvatore Quasimodo (Minha pátria é Itália)




IL MIO PAESE È' L' ITALIA 

 

Piu’ i giorni s’allontanano dispersie 
piu’ ritornano nel cuore dei poeti.
La’ i campi di Polonia, la piana di Kutno
con le colline di cadaveri che bruciano
in nuvole di nafta, la’ i reticolati
per la quarantena d’Israele,
il sangue tra i rifiuti, l’esantema torrido,
le catene di poveri gia’ morti da gran tempo
e fulminati sulle fosse aperte dalle loro mani,
la’ Buchenwald, la mite selva di faggi,
i suoi forni maledetti; la’ Stalingrado,
e Minsk sugli acquitrini e la neve putrefatta.
I poeti non dimenticano. Oh la folla dei vili,
dei vinti, dei perdonati dalla misericordia!
Tutto si travolge, ma i morti non si vendono.
Il mio paese e’ l’Italia, o nemico piu’ straniero,
e io canto il suo popolo e anche il pianto
coperto dal rumore del suo mare,
il limpido lutto delle madri, canto la sua vita.
 

Salvatore Quasimodo 

[Otra iglesia] 

 

Mais se afastam os dias dispersos,
mais voltam ao coração dos poetas.
Lá longe os campos da Polónia, o plaino de Kutno
com seus montes de cadáveres ardendo
em nuvens de nafta, lá os arames
para a quarentena de Israel,
o sangue enrre o lixo, o exantema insofrido,
os grilhões de pobres mortos há muito
e fuzilados nas fossas abertas por suas mãos,
lá Buchenwald, o ameno bosque de faias, 
os malditos fornos; lá Estalinegrado,
e Minsk dos pântanos e da neve putrefacta.
Os poetas não esquecem. Oh, a multidão dos maus,
dos vendidos, dos perdoados por piedade!
Tudo se atropela, mas os mortos não se vendem.
Minha pátria é a Itália, ó estrangeiro inimigo,
e eu canto seu povo e também o pranto
coberto pelo barulho do mar,
o límpido luto das mães, canto-lhe a vida.
 

(Trad. A.M.)

.


9.11.24

Efi Cubero (Ramo)




RAMA

 

Aérea como la rama,
a veces soy la rama y soy espacio,
y cuando me agazapo en los retornos
que irradian esa luz sin movimiento,
soy esa misma tierra o el sustrato.
La mezcla tan antigua
de otros latidos que me precedieron.


Efi Cubero

 

 

Aérea como o ramo,
às vezes sou o ramo e sou espaço,
e quando me agacho nos retornos
que irradiam essa luz sem movimento,
sou essa mesma terra ou o substrato.
A mistura tão antiga
de outros latejos antes de mim.


(Trad. A.M.)

 .

8.11.24

Marta Sanz (Nós também)




Nosotras también tenemos derecho a la vida.
Las perras que mienten.
Y las que llevan bozal.
Las niñas perpetuas
que son
viejas prematuras.
Bette Davis lleva un vestido de encaje,
calcetines cortos,
huele a chicle
y un lazo le recoge los tirabuzones.
Tiene ochocientos setenta y nueve años,
y canta una canción
con inflexiones vocales
de estrella juvenil.
No necesita doblaje.
Tenemos derecho a la vida.
También nosotras.
Las tejedoras tristes.
Las retrospectivas.
Las mujeres mimadas
que desatienden a los hijos.
Las lolitas caprichosas
que chupan el palo del polo de mango.
Nosotras también tenemos derecho a vivir.
Aunque todos los días
miremos al frente
y nos lancemos,
rudas e indomables,
sin consideración por la que limpia,
escaleras abajo,
hacia el vacío.

Marta Sanz

 

Nós também temos direito a viver.
As cadelas que mentem
e as que usam mordaça.
As ninas perpétuas
que são
velhas prematuras.
Bette Davis tem um vestido de renda,
meias curtas,
cheira a chicla
e apanha com um laço os cabelos.
Tem oitocentos setenta e nove anos
e canta uma canção
com inflexões vocais
de estrela juvenil,
sem precisar de dobragem.
Temos direito a viver,
nós também,
as tecedeiras tristes,
as retrospectivas,
as mulheres mimadas
que descuidam os filhos,
as lolitas caprichosas
que chupam o pau do gelado de manga.
Nós também temos direito a viver,
embora olhemos para a frente
todos os dias
e nos lancemos,
indomáveis e bruscas,
pela escada abaixo,
sem respeito por quem limpa,
direitas ao vazio.


(Trad. A.M.)



>>  Zenda (8p) / La marea (5p) / El asombrario (rec. Corpórea- poesia reunida)

.