26.12.23

Marcos Siscar (Penetrável-IV)






PENETRÁVEL IV – VERSÃO TURÍSTICA

 

O poema simula o trajeto de entrada. Por exemplo uma escada que desce, ou que sobe. Ou ambas. Pode ser escrito em segunda pessoa, desça por aqui, me siga, cuidado com essa falha no degrau, atenção ao desnível, à geometria irregular, olhe para a lâmpada, ela nos serve de guia. Até aqui nos víamos, agora subi um pouco à frente, continuo falando com você, comento algo sobre a umidade, o mofo das paredes de pedra. Lembro que conhecemos essas escadas. O inverno deixava as mãos geladas, o odor entrava pelas narinas, a história pesava em cada viga. Comíamos bolinho de chuva e bebíamos o café. Silêncio. Olhem a pequena janela que dá para o pomar. Lá fora o mundo é outro, a escada é a mesma. Esses óculos caídos no chão, alguém o perdeu. São de criança? Crianças passaram correndo e fazendo barulho. Acabo de virar à direita antes da sala da biblioteca, que não visitaremos. A luz da lâmpada vai ficando distante. Ouvimos apenas a respiração uns dos outros. Repare que a luz se apagou.

 

Marcos Siscar

[Ruido Manifesto]

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