31.3.21
Antonia Pozzi (Largo)
29.3.21
Luis Cernuda (Adolescente fui)
28.3.21
Miguel Gaya (Não é verdade)
>> La infancia del procedimiento (16p) / Otra iglesia (16p) / Scribd (anto) / Sibilas y pitias (8p) / El infinito viajar (5p)
27.3.21
Jorge Luís Borges (Os justos)
O que agradece o existir música na terra.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica, ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece haver Stevenson neste mundo.
O que prefere que tenham razão os outros.
Essas pessoas, ignoradas, estão salvando o mundo.
La Cifra
(1981)
(Trad. A.M.)
26.3.21
Hilda Hilst (Testamento lírico)
24.3.21
Jorge Riechmann (Há-os que morrem de silêncio)
Los hay que mueren de silencio
de tragarse demasiadas palabras y del cólico fenomenal que sigue
y los hay que mueren por hablar demasiado
pues las paredes —al contrario que las tapias, que están sordas— oyen.
Los hay que mueren de cansancio
de todo lo que hay que cambiar para que nada cambie
y hay quien muere de aburrimiento
en esta feria universal donde continuamente ocurren cosas
y nunca pasa nada.
Hay quienes mueren de miedo
ante la mera sospecha de que podrían darse de bruces
con la verdad de sus actos
y hay a quienes les da tanto coraje
que alguien pudiera sospechar que hay una verdad tras sus actos
que sencillamente se mueren.
Los hay que no mueren nunca
porque ya están muertos.
Jorge Riechmann
Há-os que morrem de silêncio
de engolir muitas palavras e da cólica que se segue
e há-os que morrem por falar demasiado
pois as paredes – ao contrário das portas, que são surdas –
têm ouvidos.
Há-os que morrem de cansaço
de tudo que é preciso mudar para que nada mude
e há quem morra de tédio
nesta feira universal onde estão sempre a ocorrer coisas
e nunca acontece nada.
Há-os que morrem de medo
ante a mera possibilidade de dar de caras
com a verdade dos seus actos
e há outros com tanta coragem
por alguém suspeitar uma verdade por trás dos seus actos
que simplesmente se morrem.
Há-os que não morrem nunca
porque estão já mortos.
(Trad. A.M.)
23.3.21
Efi Cubero (Estado próprio)
>> Letralia-I (9p) / Letralia-II (9p) / Trianarts (9p) / Poetas siglo XXI (8p) / Letralia-III (bio/linques) / Wikipedia
.
21.3.21
Alexandre O'Neill (A bicicleta)
19.3.21
Leopoldo María Panero (A canção do croupier do Mississipi)
18.3.21
Leopoldo Castilla (Fuga da pedra)
16.3.21
Artur Cruzeiro Seixas (A tua boca adormeceu)
.
14.3.21
Laura Wittner (Respondendo a Carver)
13.3.21
Karmelo C. Iribarren (Aqueles dias)
11.3.21
António Ramos Rosa (A palavra é uma estátua submersa)
A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.
António Ramos Rosa
9.3.21
Juanjo Barral (Chamam à porta)
LLAMAN A LA PUERTA Y NO ABRIMOS
El hombre llega
a la Luna y luego
es incapaz
de alcanzar
el brazo
del hombre
que se ahoga
en un estrecho
paso
hacia la vida
que podía ser.
Juanjo Barral
O homem chega
à Lua e depois
é incapaz
de alcançar
o braço
do homem
a afogar-se
num estreito
passo
para a vida
que podia ser.
(Trad. A.M.)
8.3.21
Yolanda Castaño (Se falasse de ti)
Si hablase de ti no pronunciaría
as
sílabas supremas
pero besas bien y me gusta estar contigo.
Mi verde con tu azul.
Delirio de ramas.
Mi verde con tu azul.
Me abstengo de pronunciar esas sílabas sublimes
pero me gusta cómo abrazas y tu pelo hace juego con mi vestido.
Tus dedos patinan en mis medias.
Mi verde con tu azul.
Yolanda Castaño
Se falasse de ti não pronunciaria
as
sílabas supremas
mas beijas bem e eu gosto de estar contigo.
Meu verde com teu azul.
Delírio de ramos.
Meu verde com teu azul.
Não pronunciarei essas sílabas sublimes
mas gosto de como abraças
e teu cabelo joga com meu vestido.
Teus dedos patinam nas minhas meias.
Meu verde com teu azul.
(Trad. A.M.)
6.3.21
Antonia Pozzi (Confiar)
CONFIDARE
Ho tanta
fede in te.
Mi
sembra
che
saprei aspettare la tua voce
in
silenzio, per secoli
di
oscurità.
Tu sai
tutti i segreti,
come il
sole:
potresti
far fiorire
i gerani
e la zàgara selvaggia
sul
fondo delle cave
di
pietra, delle prigioni
leggendarie.
Ho tanta
fede in te.
Son
quieta
come
l'arabo avvolto
nel
barracano bianco,
che
ascolta Dio maturargli
l'orzo
intorno alla casa.
Tenho tanta fé em ti,
e parece-me
que podia esperar pela tua voz,
em silêncio, no escuro
de séculos.
Tu conheces os segredos todos,
tal como o sol:
podias até fazer desabrochar
os gerânios ou a flor de laranjeira
no chão de pedra das cadeias
lendárias.
Tenho tanta fé em ti,
e estou tranquila
como esse árabe embrulhado
no seu albornó branco
a ouvir Deus amadurar-lhe
a cevada à volta da casa.
(Trad. A.M.)
4.3.21
Juan Vicente Piqueras (Édipo precavido)
EDIPO
PRECAVIDO
Llevo
siempre esta espada de juguete,
porque nunca se sabe,
y una pistola de agua, por si acaso.
Voy
siempre preparado
no vaya a ser que, así, en cualquier momento,
siempre el menos pensado,
me asalte la niñez y me desarme,
me pida explicaciones, me someta
a su feroz nostalgia, a sus caprichos,
que no sería la primera vez.
Llevo
siempre esta espada y una pistola de agua
por si la sed de entonces arrecia de repente
y debo suicidarme de mentiras.
Voy
siempre bien armado porque el coco
acecha en cada esquina a cada instante.
Con los
tiempos que corren,
y corren bien a escape,
ya ni muerto puede uno estar tranquilo.
Por eso
llevo siempre esta pistola,
esta espada, este miedo, esta nostalgia,
y un tarrito de miel por si las moscas.
Juan
Vicente Piqueras
Ando sempre
com esta espada de brincar,
porque nunca se sabe,
e uma pistola de água, para o caso de.
Ando
sempre prevenido,
não se dê o caso, quando menos espere,
de me assaltar a infância e me desarmar,
de pedir-me explicações ou submeter-me
aos seus caprichos ou à saudade,
que não seria já a primeira vez.
Ando
sempre com a espada e a pistola
para o caso de me atacar a sede desse tempo
e de me ter de suicidar de mentiras.
Ando
sempre bem armado porque o coco
está sempre à espreita,
em cada esquina a cada instante.
Nos
tempos que correm,
e correm bem depressa,
uma pessoa nem morta pode já estar descansada.
Por isso
uso sempre esta pistola,
esta espada, este medo, esta saudade,
e um frasquito de mel por causa das moscas.
(Trad. A.M.)
3.3.21
Juan Luis Panero (Used words)
1.3.21
Amadeu Baptista (Poema para o septuagésimo aniversário)
POEMA
PARA O SEPTUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO
Para a
minha decrepitude peço bondade
E um
resto de memória para que saiba quem fui.
Quanto
aos apelos, quero que fiquem esquecidos,
Bem como
o modo como a casa envelheceu.
Se tive
feridas, já as limpei algures
E delas
nem a crosta sobre a pele quis ficar.
Com as
mãos no andarilho faço força
Para me
manter de pé, embora às vezes caia.
Continuo
a abrir a boca para a sopa
Mas isso
é uma questão, digamos, não mais que técnica.
A árvore
recebe a chuva e nada diz e eu
É desse
silêncio fidedigno que sobrevivo.
Quanto
aos amores que tive o peito os cale
Como se
de um sedimento se tratasse.
Cada uma
das camadas permanece
E entre
elas agora só há fósseis.
Na
gaveta de baixo guardo o lume
Que me
afogueava os sentidos antigamente.
Por ora,
com a ressaca, já não vibro,
Desmantelei
as rosas com o tempo.
Só vejo
construções paradas neste sítio,
Andaimes
apodrecidos e pregos ferrugentos.
Algo
está mal na cidade indefesa e, por prudência,
Contrariado
obrigo-me a carregar a máscara insuportável.
Na
constelação do vazio há bizarrias
Que são
de levar à loucura os heróis do dia-a-dia.
Nunca se
sabe o que nos bate à porta, se Godot, se a fome,
Se o
cobrador de impostos, se um monte de cadáveres.
A vida é
poderosa, um arrebatamento que não cessa,
A doce e
amarga preposição que nos identifica.
Vivi ao
abandono e será ao abandono que vou morrer,
A ouvir
a mãe a chamar do outro lado do abismo.
Como
Cristo, não parti nenhum osso e se inclinei
A cabeça
não por foi por reverência mas para conferir
Se o
chão estava limpo, a altura do gelo, a quantidade
De
destroços acumulados à minha volta.
A
decadência é só a decadência,
Uma
vassoura gasta que é preciso deitar fora.
Não
tenho pão nem vinho que possa repartir
E não creio
que após esta noite ressuscite.
Se
alguma coisa devo à escrita
É o
sabor da viagem que senti no comboio
Que me
trouxe até aqui quase sem norte
Mas com
a estrela polar no pensamento.
Andei
sempre ao contrário do ocaso
Ou andei
sempre ao contrário do acaso?
Tomei os
sinais do sacrifício por beleza
E é essa
evocação que mais me interessa.
Digam de
mim que ao olhar o horizonte
Confundi
fúria com caminho, utopia com ímpeto
E dúvida
com dádiva. Depois não digam nada,
Que eu
hei-de ficar calado para sempre
Amadeu Baptista