24.2.21

Nuno Dempster (Foz do Douro)





FOZ DO DOURO

 

Quando penso nas ruas em que andei,
nas ruas das cidades onde já vivi
e recordo as janelas
que guiaram o meu caminho
justamente até à hora tardia
de escrever estes versos sem dedicatória,
os olhos endurecem-me,
e sinto que não tenho uma cidade
a que pertença inteiro e possa
dedicar-lhe palavras
de modo tão fiel como os choupos repartem
o sol com os seus bairros;
desconheço se o tempo altera os genes:
a ilha onde nasci
não é minha senão no sangue
de capitães distantes
que meu pai garantia correr-me nas veias,
e o rio que foi meu, o rio largo, mar
onde aquele que eu era mergulhou,
essa ilha afundou-se sem a ver,
esse rio não corre mais,
e às vezes, quando passo para norte
e o vejo, não o tenho, é outro rio.
Se vivesse nas suas margens,
o exílio não havia de surgir,
seria o velho rio que hoje flui ausente
na memória despida de sinais
e apinhada de rostos mudos
de mortos e de amigos que partiram,
deixando as margens, antes povoadas,
desertas como o exílio que esvazia
o cenário de acenos e retratos
nas folhas de um jornal lidas há muito.

Nuno Dempster

[Incomunidade]

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