1.11.18

Mário de Carvalho (Um roubo de esticão)






(Um roubo de esticão)


Sentada na berma do passeio, a velha compunha o vestuário, com gestos lentos, na aparência muito meticulosos e aplicados.

Apoiou-se com uma mão, faltaram-lhe as forças, tornou a sentar-se.

Quando Jorge lhe estendeu o braço, olhou para ele em lágrimas, de boca aberta, num pasmo, como se não acreditasse no que tinha acabado de acontecer.

Para Jorge foi confrangedor e quase culpabilizante o silêncio daquela cara enrugada, cristalizado num grande espanto, sem gemidos, sem gritos, sem protestos.

Apenas resíduos de lágrimas, envergonhadas, brilhando por entre as rugas.


MÁRIO DE CARVALHO
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto
(1995)

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