(Início)
Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo
viajante entrou em Corgos, a pé, depois da árdua jornada que o trouxera da
aldeia do Montouro, por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila:
um homem gordo, baixo, de passso molengão; samarra com gola de raposa; chapéu
escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não
desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem
escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo enlameadas, mas
via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o a
terriça, batia os pés com impaciência no empedrado.
Tinha o seu quê de invulgar: o peso do tronco roliço
arqueava-lhe as pernas, fazia-o bambolear como os patos: dava a impressão de
aluir a cada passo.
A respiração alterosa dificultava-lhe a marcha.
Mesmo assim galgara duas léguas de barrancos, lama,
invernia.
Grave assunto o trouxera decerto, penando nos atalhos
gandareses, por aquele tempo desabrido.
CARLOS DE OLIVEIRA
Uma Abelha na Chuva
(1953)
Uma Abelha na Chuva
(1953)
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